quarta-feira, 18 de maio de 2016

Francisco, as mulheres e a urgência de uma reforma


É uma questão de justiça: quando se entra em qualquer igreja para a missa, as mulheres estão sempre em clara maioria. Como é possível que nenhuma delas possa comentar o Evangelho no altar? O diaconato feminino poria fim a essa injustiça e abriria muitos novos caminhos.

A opinião é do teólogo leigo italiano Vito Mancuso, professor da Universidade de Pádua, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 13-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto.

Talvez nos encontremos na presença do primeiro movimento significativo daquela que poderia ser uma revolução realmente epocal. Considero-a a mais importante de todas as meritórias iniciativas de reforma empreendidas até agora pelo Papa Francisco. Se há um caminho privilegiado, de fato, para a renovação da qual a Igreja Católica hoje tem uma necessidade imensa, trata-se do caminho feminino.

Mais do que a reforma da Cúria, mais do que o ecumenismo, mais do que a reforma da moral sexual, mais do que a liberdade de ensino nas faculdades teológicas, mais do que muitas outras coisas, o ingresso das mulheres na estrutura hierárquica da Igreja Católica teria o efeito de transformar de modo irreversível tal venerável e também um pouco debilitada instituição.

Reconhecendo a emancipação feminina que já havia chegado a cumprimento no Ocidente em todos os âmbitos vitais, João Paulo II produziu uma série de documentos altamente elogiosos em relação àquilo que ele definia como "gênio feminino"; pense-se na carta apostólica Mulieris dignitatem, de 1988, e na específica Carta às Mulheres, de 1995.

Nem nesses textos nem em outro lugar, porém, o papa polonês jamais definiu o que ele realmente entendia por essa expressão, usada também, em seguida, mais de uma vez, por Bento XVI nos seus discursos sobre o assunto.

O Papa Francisco, na exortação apostólica Evangelii gaudium, de 2013, também falou de "gênio feminino". Nessa quinta-feira, 12 de maio, no entanto, com a abertura ao diaconato feminino, falando diante de mais de 800 freiras superiores, essa expressão papal hermética finalmente recebeu a possibilidade de passar de uma edificante proclamação retórica a um concreto caminho institucional.

Talvez, em breve, não se falará mais de gênio feminino, mas de gênios femininos, porque as mulheres individuais finalmente terão a possibilidade de voltar a doar, de pleno direito, o seu patrimônio genético a todo o organismo da Mãe Igreja, que, agora, na sua mente, é feminina unicamente quanto à gramática, enquanto, em relação ao direito canônico, ela é exclusivamente masculina (e daí decorre a atual esterilidade, porque a vida espiritual, além da biológica, também precisa de cromossomos Y e cromossomos X).

Eu usei a expressão "voltar a doar" porque a abertura ao diaconato feminino por parte de Francisco não é uma novidade absoluta. No Novo Testamento já se fala de diaconisas. Ou, melhor, tal abertura papal pode envolver a revolução epocal de que eu falava precisamente porque remete a uma dupla fidelidade: a uma fidelidade ao presente, a fim de tornar a Igreja Católica à altura de tempos em que a emancipação feminina, ao menos no Ocidente, é um processo quase completo, e uma fidelidade ao passado, a fim de recuperar a extraordinária inovação neotestamentária quanto ao papel das mulheres.

Se lermos os Evangelhos, de fato, vê-se como Jesus, de um modo totalmente descontínuo em relação à práxis rabínica do tempo, buscava e encorajava a presença feminina. Lucas, por exemplo, escreve que, no seu ministério itinerante, "estavam com ele os Doze e algumas mulheres", dando até os nomes delas: Maria Madalena, Joana, Susana e, acrescenta, "muitas outras", expressão a partir da qual é lícita inferir um número de seguidoras mulheres mais ou menos igual ao dos seguidores homens.

Portanto, não deve surpreender o fato de que a Igreja primitiva conhecia as diaconisas, como aparece em São Paulo, que escreve: "Recomendo a vocês nossa irmã Febe, diaconisa da igreja de Cencreia" (Romanos 16, 1; o texto oficial da Conferência Episcopal Italiana, infelizmente, é infiel ao original, porque traduz o grego diákonon como "a serviço"! Muito diferente é a Bible de Jérusalem, que se traduz corretamente "diaconesse de l'Église" [a versão em português usada acima, que mantém o termo "diaconisas", é da Bíblia Pastoral]).

Que resultado terá a instituinte comissão de estudo sobre o diaconato feminino? Quanto tempo passará antes de que ela realmente esteja trabalhando? Quanto tempo antes de que ela entregue os resultados? E que sabor terão? São perguntas às quais, neste momento, não é possível responder. Certamente, porém, a reforma no feminino do Papa Francisco é uma urgência da qual a Igreja não pode mais se eximir.

Trata-se, simplesmente, de justiça: quando se entra em qualquer igreja para a missa, as mulheres estão sempre em clara maioria. Como é possível que nenhuma delas possa comentar o Evangelho no altar? O diaconato feminino poria fim a essa injustiça e abriria muitos novos caminhos.

É um sonho destinado a se tornar realidade? Ninguém sabe, mas certamente o sucesso da reforma no feminino do Papa Francisco vai depender da capacidade de saber mostrar a dupla fidelidade que está em jogo: fidelidade às mulheres de hoje e fidelidade ao Mestre de 2.000 anos atrás, fidelidade à atualidade e fidelidade àquele eterno princípio de paridade que surgiu no momento da criação: "E Deus criou o ser humano à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; e os criou homem e mulher" (Gênesis 1, 27).


O que o papa disse em seu discurso às superioras gerais sobre mulheres e diaconia


Publicamos aqui o trecho – originalmente em italiano – do diálogo do Papa Francisco com as representantes da União Internacional das Superioras Gerais (UISG), reunidas com ele nessa quinta-feira, 12 de maio, no Vaticano. O trecho foi publicado no sítio Il Sismografo, 13-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto.

O papel das mulheres consagradas na Igreja

Pergunta – As mulheres consagradas já trabalham tanto com os pobres e com os marginalizados, ensinam a catequese, acompanham os doentes e os moribundos, distribuem a comunhão. Em muitos países, guiam as orações comuns na ausência de sacerdotes e, nessas circunstâncias, pronunciam a homilia. Na Igreja, há o ofício do diaconato permanente, mas ele está aberto apenas aos homens, casados ou não. O que impede que a Igreja inclua as mulheres entre os diáconos permanentes, assim como aconteceu na Igreja primitiva? Por que não constitui uma comissão oficial que possa estudar a questão? Pode nos dar algum exemplo de onde o senhor vê a possibilidade de uma melhor inserção das mulheres e das mulheres consagrados na vida da Igreja?

Papa Francisco – Essa pergunta vai no sentido do "fazer": as mulheres consagradas já trabalham tanto com os pobres, fazem tantas coisas... No "fazer". E toca o problema do diaconato permanente. Alguns poderão dizer que as "diaconisas permanentes" na vida da Igreja são as sogras [risos]. Com efeito, isso existe na antiguidade: houve um início... Eu lembro que era um tema que me interessava bastante quando eu vinha para Roma para as reuniões e me hospedava na Domus Paulo VI. Lá, havia um teólogo sírio, bom, que fez a edição crítica e a tradução dos Hinos de Efrém, o Sírio.

E, um dia, eu lhe perguntei sobre isso, e ele me explicou que, nos primeiros tempos da Igreja, havia algumas "diaconisas". Mas o que são essas diaconisas? Elas tinham a ordenação ou não? Quem fala disso é o Concílio de Calcedônia (451), mas ele é um pouco obscuro.

Qual era o papel das diaconisas naqueles tempos? Parece – dizia-me aquele homem, que morreu, era um bom professor, sábio, erudito – que o papel das diaconisas era ajudar no batismo das mulheres, na imersão, elas as batizavam, por decoro, também para fazer as unções sobre o corpo das mulheres, no batismo.

E também uma coisa curiosa: quando havia um julgamento matrimonial porque o marido batia na mulher, e esta ia ao bispo para se lamentar, as diaconisas eram as encarregadas de ver os hematomas deixados no corpo da mulher por causa das agressões do marido e de informar o bispo. Isso eu lembro.

Existem algumas publicações sobre o diaconato na Igreja, mas não está claro como ele foi. Acho que vou pedir que a Congregação para a Doutrina da Fé me refira sobre os estudos sobre esse tema, porque eu respondi para vocês apenas com base naquilo que eu ouvi desse sacerdote, que era um pesquisador erudito e válido, sobre o diaconato permanente.

E, além disso, gostaria de instituir uma comissão oficial que possa estudar a questão: acho que fará bem para a Igreja esclarecer esse ponto. Eu estou de acordo e vou falar para fazer uma coisa desse tipo.

Depois, vocês dizem: "Estamos de acordo com o senhor, Santo Padre, que várias vezes relatou a necessidade de um papel mais incisivo das mulheres nas posições de tomada de decisão na Igreja". Isso está claro. "Pode nos dar algum exemplo de onde o senhor vê a possibilidade de uma melhor inserção das mulheres e das mulheres consagradas na vida da Igreja?".

Vou dizer uma coisa que vem depois, porque eu vi que há uma pergunta geral. Nas consultas da Congregação para os Religiosos, nas assembleias, as consagradas devem ir: isso é certo. Nas consultas sobre os tantos problemas que são apresentados, as consagradas devem ir. Outra coisa: uma melhor inserção. Neste momento, não me vêm à mente coisas concretas, mas sempre o que eu disse antes: buscar a opinião da mulher consagrada, porque a mulher vê as coisas de uma originalidade diferente da dos homens, e isso enriquece: seja na consulta, seja na decisão, seja na concretude.

Esses trabalhos que vocês fazem com os pobres, os marginalizados, ensinar a catequese, acompanhar os doentes e os moribundos, são trabalhos muito "maternos", em que a maternidade da Igreja pode se expressar mais. Mas há homens que fazem o mesmo e bem: consagrados, ordens hospitaleiras... E isso é importante.

Portanto, sobre o diaconato, sim, aceito e me parece útil uma comissão que esclareça bem isso, especialmente no que diz respeito aos primeiros tempos da Igreja.

No que diz respeito a uma melhor inserção, repito o que eu disse antes.

Se há algo para concretizar, vocês me perguntam agora. Sobre isso que eu disse, há alguma pergunta a mais que me ajude a pensar? Em frente...

Fonte: Ihu

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