sexta-feira, 13 de agosto de 2010

As Elizas do Brasil e suas mortes anunciadas

Por Cecilia Sardenberg ( Profa. do Depto. de Antropologia e Pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher NEIM-UFBa. Coord. Nacional do OBSERVE, Observatório de Monitoramento da Aplicação da Lei Maria da Penha)



Neste mês de agosto, quando se comemora o quarto aniversário da promulgação da Lei 11.340/2006 -denominada Lei Maria da Penha em homenagem a Professora Maria da Penha, uma vítima da violência doméstica que denunciou o Brasil por negligência às cortes internacionais- vários casos de mulheres brutalmente assassinadas por seus companheiros ocupam as principais manchetes dos jornais do país e da nossa mídia televisiva, demonstrando a relevância e pertinência dessa nova legislação.


Dentre esses casos, tem chamado atenção especial o da jovem Eliza Samúdio. Além do suposto mandante do crime ser um jogador de futebol de certa projeção, a forma em que a jovem foi assassinada e o corpo "desovado" vem chocando a opinião pública. Seu corpo ainda não foi encontrado, mas depoimentos colhidos pela polícia indicam que Eliza foi esquartejada, seus restos mortais jogados a cachorros e os ossos posteriormente cimentados.

Sem dúvida, esse nível de brutalidade é de causar arrepios, principalmente quando se constata que atinge várias outras mulheres, sem que suas histórias ganhem espaço na mídia por não envolverem gente dita "famosa". O que já nos revela o quanto a violência contra as mulheres no Brasil ainda é banalizada. Além disso, no caso de Eliza, como vem acontecendo também com tantas outras vítimas, estamos diante de mais uma "morte anunciada"- isto é, de mais um caso de negligência por parte dos órgãos do Estado no enfrentamento à violência contra mulheres, mesmo quando as mulheres vitimadas buscam justiça. Senão vejamos:

De acordo com as investigações tornadas públicas, Eliza Samúdio viveu uma relação passageira com o goleiro Bruno do Esporte Clube Flamengo, mas que resultou em uma gravidez por ele rejeitada. Pior que isso, em outubro de 2009, quando estava grávida de cinco meses, Eliza foi seqüestrada por ele e seus comparsas e mantida em cárcere privado, sendo agredida física e verbalmente, ameaçada de morte e forçada a uma tentativa de aborto, conforme queixa registrada pela vítima na Delegacia Especial de Atendimento a Mulher- DEAM de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

Nessa ocasião, a delegada de plantão, reconhecendo o risco que a jovem corria e a pertinência da Lei Maria da Penha ao caso, solicitou ao Judiciário a aplicação de uma medida protetiva contra o goleiro Bruno, que o proibiria de se aproximar de Eliza por menos de 300 metros. No entanto, a juíza responsável negou o pedido da DEAM, alegando a não existência de um relacionamento entre as partes envolvidas, e acusando a vítima de "tentar punir o agressor" (...) "sob pena de banalizar a finalidade da Lei Maria da Penha". Desconsiderando o fato de Eliza estar grávida de cinco meses do agressor e, desconhecendo que a Lei Maria da Penha foi criada para proteger as mulheres, essa juíza, equivocadamente, afirmou que a referida Lei "tem como meta a proteção da família, seja ela proveniente de união estável ou do casamento, bem como objetiva a proteção da mulher na relação afetiva; e, não, na relação puramente de caráter eventual e sexual".

Esse tipo de interpretação nos revela o quanto no pensar Judiciário -mesmo quando expresso por mulheres- permanece em pauta uma ideologia patriarcal, machista, que categoriza as mulheres como "santas" ou "putas", resguardando as primeiras na "família" e tratando as outras como casos de polícia que "banalizam" a Lei. Não é, pois, ao acaso que a cidadania feminina no Brasil ainda é uma cidadania pela metade, já que os direitos das mulheres continuam a ser subjugados aos da "família", o que contribui para a reprodução das relações patriarcais entre nós e, assim, para o crescimento da violência contra mulheres.

Foi o que aconteceu com Eliza Samúdio. A interpretação da Lei a partir de um viés patriarcal, por parte da juíza fluminense, implicou no envio do processo em questão para uma vara criminal, trazendo consequências ainda mais desastrosas. Ali, por descaso da polícia, que deveria ter levado as investigações adiante com a necessária urgência, só recentemente houve algum avanço nesse sentido. Na verdade, só depois do desaparecimento de Eliza se tornar público e ganhar as manchetes, a polícia deu o devido andamento às investigações.


Em janeiro deste ano, em Belo Horizonte, outra jovem, a cabeleireira Maria Islaine, também foi brutalmente assassinada pelo ex-marido, que disparou nove vezes contra ela, a despeito das várias queixas registradas na DEAM. Aliás, tem-se conta de que Maria Islaine fez oito registros de crime de ameaça, que resultaram em três prisões preventivas decretadas contra seu ex-marido, sem que nenhuma delas fosse cumprida. Por isso, apesar de medida protetiva ter sido expedida, ele continuou a procurá-la, ameaçando-a e agredindo-a em sua casa, uma situação registrada em ligações feitas por Maria Islaine para a polícia pedindo ajuda e socorro - mas tudo em vão. Num desses telefonemas, que foi gravado, a vítima reclama: "Tenho uma intimação que a juíza expediu por causa do meu marido, que me agrediu. Eu o levei na Lei Maria da Penha. Era para ele ser expulso de casa. O oficial veio; tirou-o de casa, só que ele está aqui e ainda está me ameaçando". Em outra gravação, que foi anexada ao inquérito policial, o ex-marido ameaça: "Não vou aceitar perder minha casa. Se perder, você vai estar debaixo da terra. Está decidido isso. Já não vou trabalhar mais. Vou tocar uma vida de vagabundo. Se eu perder minha casa, vou te matar". E cumpriu a ameaça, porque não foi preso como deveria ter sido.

Estudos e pesquisas sendo desenvolvidos pelo OBSERVE - Observatório da Aplicação da Lei Maria da Penha, em quase todas as capitais do país, dão conta de que, apesar dos pactos selados com o Governo Federal, são muitas as instâncias semelhantes de descaso e mesmo negligência por parte dos estados da União no enfrentamento à violência contra mulheres. São juizados e varas de violência doméstica e familiar ainda por ser criados ou em funcionamento precário; DEAMs fisicamente mal equipadas e valendo-se de pessoal sem o treinamento e a capacitação necessários; e autoridades que interpretam e aplicam a lei a seu bel prazer, sem o devido preparo e esclarecimentos cabíveis em prol da proteção de mulheres em situação de violência, como no caso de Eliza.

Embora este ano celebremos quatro anos de Lei Maria da Penha, nosso levantamento revelou que algumas capitais pesquisadas -João Pessoa, Aracaju e Teresina no Nordeste, e Palmas, Boa Vista e Porto Velho na Região Norte, por exemplo-, ainda não dispõem de nenhuma vara ou juizado especializado em violência doméstica e familiar contra mulheres, descumprindo assim o que rege a Lei. E em muitas das que já criaram esses juizados, não existem as equipes multidisciplinares para prestar o necessário apoio às mulheres, tampouco uma articulação eficaz com os demais órgãos que devem compor a rede de atendimento às mulheres em busca do acesso à justiça.

Esse descaso se verifica mesmo no tocante às delegacias especializadas - que constituem a mais antiga política pública de enfrentamento à violência contra as mulheres no país e que, figuram, ainda hoje, como principal referência para as mulheres em situação de violência. Embora a Lei Maria da Penha tenha trazido novas atribuições para essas delegacias -com destaque para a retomada do Inquérito Policial como procedimento e as medidas protetivas de urgência- ampliando sua competência e também as demandas que lhe são encaminhadas diariamente, não parece haver um empenho real por parte da maioria dos Estados -apesar dos "pactos"- em criar condições para que as DEAMs cumpram seu papel.

A precariedade das delegacias contribui para que as delegadas titulares criem suas próprias normas, deliberando, por exemplo, pelo não atendimento de casos de violência de gênero contra mulheres que não se incluam na Lei Maria da Penha. Ou então, para que ofereçam resistência a sua implementação, procurando mediar entre vítimas e agressores e fazer uso das malfadadas "cestas básicas" como pena, tal qual se fazia quando a Lei 9.099/95 - responsável pela criação dos JECRIMs, Juizados Especiais Criminais, que banalizavam a violência contra mulheres ao extremo - permanecia em vigor. Identificamos, também, uma prática preocupante: a exigência de duas testemunhas que atestem a veracidade dos fatos relatados pela mulher. Sem a presença das testemunhas, o Boletim de Ocorrência não é registrado. E se exige o agendamento para compare cimento das vítimas e das pessoas para testemunharem a seu favor, o que incorre na desistência de algumas mulheres, por falta de testemunha. Afinal, casais não costumam levar "testemunhas" para o interior dos seus quartos e para o leito conjugal onde ocorrem, em grande medida, os atos de violência doméstica.

Malgrado essa situação, consultas realizadas nas principais cidades do país com mulheres que registraram queixas nas delegacias têm revelado que, em sua maioria, essas queixantes vêem as DEAMs como porta de entrada na sua busca por justiça e proteção frente às ameaças e maus tratos sofridos. Contrário ao que se propaga em relação às vítimas, são poucas as que buscam as delegacias apenas como "mediadoras" de conflitos entre casais. Como Eliza, também essas queixantes buscam medidas protetivas na aplicação da Lei e uma ação imediata como a situação demanda - mas não têm sido atendidas. Algumas têm sido até aconselhadas nas delegacias a voltarem dali a seis meses, quando se sabe que a queixa perde sua validade jurídica quando registrada fora desse prazo. Outras, como Maria Islaine, conseguem as medidas protetivas e até mesmo a decretação da prisão dos agressores. Mas, lamentavelmente, por negligência das nossas autoridades, eles continuam à solta, colocando a vida das mulheres em sério risco. Como bem concluiu uma de nossas entrevistadas: "Por isso que muitas mulheres estão morrendo".


Por certo, as muitas Elizas do nosso Brasil e suas mortes anunciadas, dia após dia, nas DEAMs e juizados de todo o país, demandam de todos e todas nós muito mais do que arrepios. É mais do que necessário e urgente que exijamos dos nossos governantes e legisladores - e dos candidatos e candidatas a esses postos - o compromisso com a implementação e cumprimento da Lei Maria da Penha nos moldes e normas previstas, denunciando no "Ligue 180" e nas respectivas corregedorias todas as instâncias contrárias. Quando a negligência persistir, sigamos o exemplo da Professora Maria da Penha, apelando para as cortes internacionais. Ademais, é imprescindível que nos organizemos para que se processe uma verdadeira reforma no Sistema Judiciário e nos órgãos de segurança pública - que deve começar com os cursos de Direito - de sorte a livrá-los, de vez, das ideologias patriarcais que acalentam a violência contra nós, mulheres, em nome da "família".

Precisamos, sim, fazer valer nossa cidadania por inteiro o quanto antes: uma vida sem violência é um direito de todas nós, Elizas, Maria Islaines e Marias da Penha!

Fonte: site http://www.adital.com.br/

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O PATRIARCADO ESTÁ DESMORONANDO



Em tempos de Mércia Nakashima e Eliza Samudio, a psicóloga Regina Navarro, autora de A cama na varanda, concedeu uma entrevista à Maíra Kubík Mano, jornalista e editora de Le Monde Diplomatique Brasil, 06-08-2010, na qual comenta as origens da violência contra a mulher e do patriarcado, sistema em que o homem é o chefe dominante do grupo e da família.



Eis a entrevista.


O que existe de passional nos crimes de gênero?


Eu acho que o crime passional faz parte de uma mentalidade patriarcal. Embora existam mulheres que matam, a diferença é absurda em comparação aos homens. Para entendermos isso, é preciso entender a história do patriarcado, como ele se instalou e que mentalidade trouxe.


Hoje já sabemos que existiu uma sociedade de parceria por milênios, onde não havia a opressão do homem sobre a mulher. A arqueologia, que se desenvolveu muito de algumas décadas para cá, constatou que, até um determinado momento da história, possivelmente não houve guerra. Os arqueólogos não encontraram armamentos nem fortificações e supõem que a sociedade era pacífica. E assim teria permanecido até o homem perceber que participava da procriação. Vários estudos defendem isso. Antes as pessoas não faziam uma ligação entre o ato sexual e o nascimento de uma criança. O homem saía para a caça e a mulher ficava; quando ele voltava, ou ela estava grávida ou tinha um neném já em fase de amamentação. Nessa época, em que a luta pela sobrevivência era dificílima, as mulheres eram endeusadas, pois estavam ligadas à fertilidade. Tanto que só existiam deusas mulheres. Não existia um deus masculino.


As coisas começaram a mudar quando os homens domesticaram os animais e observaram o comportamento deles. A partir daí, o homem se deu conta de que participava da procriação e começou a haver uma mudança radical nas mentalidades. Isso foi justamente no período que surgiu a propriedade privada e o homem passou a ficar obcecado pela certeza de paternidade. Até então, se supõem que viviam todos em comunidade e que não havia casais, apenas a linhagem materna. Quando o homem ficou obcecado pela certeza de paternidade, a mulher foi aprisionada e se tornou uma mercadoria valiosa. Elas podiam ser trocadas, vendidas, compradas. E no cenário divino, começaram a surgir cônjuges para as deusas, como Osíris, até que elas foram destronadas.


O patriarcado demorou 2500 anos para se fixar completamente. Começou em 3100 a.C. e ficou totalmente instalado em 600 a.C. em Atenas. Nesse momento, a humanidade foi dividida em duas partes: homem para um lado, mulher para o outro; e definiu-se com muita clareza o que era masculino e o que era feminino.


O homem teria características como força, sucesso, poder, coragem, ousadia; e a mulher tinha que ser meiga, dócil, cordata, competente – enfim, inferior. Dividiu-se, assim, o indivíduo dentre de si mesmo porque durante milênios as pessoas tiveram que reprimir aspectos da sua individualidade que não correspondiam ao ideal criado. Na verdade, masculino e feminino não existem. Acho que esses são conceitos patriarcais para aprisionar ambos os sexos. Todos nós temos todos os aspectos: somos ativos e passivos, corajosos e medrosos, fortes e fracos. O que se sobressai vai depender das características de personalidade de cada um, do momento de vida.


Como se desenvolveu o sistema patriarcal a partir daí?


O sistema patriarcal se sustentou em dois pilares: o controle da fecundidade da mulher e a divisão sexual de tarefas. Nos últimos 5 mil anos, essa foi a divisão maciça. É fato que os valores de uma cultura entram nas pessoas como se fossem um idioma: elas repetem-nos, condicionadas. Tanto que hoje se chega à idade adulta sem saber o que deseja. “Ah, eu não me sinto bem em transar com um homem na primeira noite”, dizem algumas. Mas se estava morrendo de tesão, por que não transar? Porque nós aprendemos a não desejar. Isso é muito forte no sistema patriarcal. A mudança começou a surgir a partir da pílula, que foi o golpe fatal. Como o sistema patriarcal se sustentou em cima do controle da fecundidade da mulher, a pílula foi realmente uma libertação. Inclusive para o movimento gay, pois aproximou a sua prática daquela heterossexual: a do sexo por prazer. Afinal, até então tudo que não levasse à reprodução tinha sido muito reprimido pela Igreja Católica. O cristianismo nos últimos 2 mil anos criou um horror ao sexo, ao corpo.


E quais foram as consequências disso?


O sistema patriarcal estendeu o poder que tinha sobre a mulher a outras esferas, a outros homens. Trata-se de uma estratégia de dominação. O homem se sentia dono da mulher, ela era uma propriedade. Ele sempre se sentiu no direito de agredir a mulher e até de matar, mas ele tinha legalmente esse direito de puni-la severamente. Adultério então, nem se fala. Nos países islâmicos, até hoje a mulher é apedrejada e morta. Isso porque bota em risco a questão financeira do marido. O homem ficou obcecado pela exclusividade da mulher porque ele não queria dividir a herança com os outros. O homem ainda é criado para achar que é superior à mulher.


É por isso então que o homem tem esse histórico de agressão?


Eu acho que estamos vivendo em um momento de profunda transformação das mentalidades. O homem de hoje – claro, a depender da classe social e da instrução – é muito diferente daquele de 40 ou 50 anos atrás. Quando, por exemplo, ele sabe que a mulher transou com alguém, existe uma tendência a perceber e até aceitar as motivações dela. Isso porque o patriarcado está desmoronando. Agora, o homem ainda fica passional e quer matar a mulher porque na cultura patriarcal o menino tem que romper muito cedo com a mãe.


Um exemplo que deixa isso claro é quando uma menina de 7 anos cai no playground e vai chorando para o colo da mãe, ficar agarradinha. Todo mundo em volta acha ela meiga e sensível. Já o menino da mesma idade, se ralar o joelho e chorar será chamado de ‘maricas’, filhinho da mamãe. A sociedade impõe ao menino um rompimento precoce com a mãe, quando ainda necessita de seus cuidados. Para ser aceito no grupo, ele tem que fingir que não precisa da mãe. O menino tem que provar que é macho o tempo todo. Então, por defesa, ele vai desenvolvendo um comportamento de negação da necessidade dos cuidados maternos. E também como defesa ele desvaloriza a mulher em geral. Aí esse menino cresce, se torna um adulto e aparentemente foge do casamento, das relações afetivas. Cria-se o mito de que ele não quer casar, como se só as mulheres quisessem. Mas quando o homem entra numa relação estável, é impressionante como ele baixa a guarda e se torna um bebê perto da mulher.


Eu sempre relato um caso marcante de uma mulher que conheci numa festa. Ela me contou que o marido, um senhor de 60 anos, até hoje pedia para ela dar comida na boca dele. E quando ele não queria mais, não avisava. Fazia só um “buuuu” com a boca e comida voava para todos os lados. Ele regredia à fase anterior à fala. Este é um exemplo extremo, mas não é o único de homem submisso à mulher. Às vezes ele é um executivo que comanda milhares de pessoas, mas a mulher administra a vida dele: escolhe sua roupa, marca o dentista etc.


Mas se o homem, dentro da relação, está dócil e apegado, como ele se torna tão agressivo?


Não é dócil. O que o homem tem é uma grande dependência emocional da mulher. Quando a mulher vai embora ou ele descobre que ela transou com alguém, aperta uma tecla dentro dele de desamparo, que é assustadora. Todos nós somos desamparados: saímos do útero e somos tomados por um sentimento de falta, que é a condição humana. E a nossa cultura, no lugar de contribuir para que as pessoas desenvolvam sua capacidade de ficar bem sozinhas, faz o contrário. Com o amor romântico, a cultura acena com a possibilidade de encontrarmos alguém com que vamos nos sentir tão protegidos como quando estávamos no útero. É a possibilidade da fusão com o ser amado, que faz com que as pessoas busquem alguém que as complete. Estamos condicionados a achar que a única forma de amor é essa: a da dependência, de idealização do outro, de se completar no outro.


Ou seja, o homem já tem toda uma mentalidade patriarcal de que é superior e de que tem que corresponder a esse ideal masculino de força. Isto, somado ao fato de para ele, o abandono é uma agressão, só restaria partir para a violência. Isso está começando a mudar. Durante muito tempo achou-se que a cultura patriarcal só oprimia as mulheres. Quando o feminismo surgiu, os homens fizeram pouco caso. Mas agora eles percebem isso de outra forma. Eles estão em crise porque vêem que corresponder ao ideal masculino é desesperador.


O que você acha que pode ser feito para contribuir com essa transformação?


Eu acho que tem que haver uma contribuição de todos para a mudança das mentalidades. Essa questão das mulheres ganharem menos que os homens ocupando a mesma função é um absurdo. É o resquício da mentalidade patriarcal atuando de uma forma injusta. Teria que haver uma conscientização. Quando eu falo em patriarcado a maioria das pessoas não sabem do que eu estou falando. Os meios de comunicação também podem contribuir para isso.