terça-feira, 5 de abril de 2011

“Olhe bem no espelho!”

Membros da Pastoral da Mulher, de Belo Horizonte, MG, receberam a visita de F. P., ex-mulher de rua, ex-prostituta e ex-usuária de crack. Ainda leva uma vida muito difícil e sofrida, mas está feliz com seu filho, A. que nasceu no final de 2010..

1) Quem é F. e o que você gostaria de dizer?

Meu nome é F P., tenho 36 anos, fui usuária de crack durante 15 anos. O crack é uma droga que acaba com a vida da gente, primeiro tira seu caráter, sua liberdade, tudo o que puder tirar de você, a droga tira.

Eu aconselharia quem nunca usou nunca provar, nunca usar. A quem estiver usando, digo: Pare enquanto é tempo. Eu tinha delírios, que tudo era maravilhoso, mas não era, era a euforia do crack. Dura 15 minutos, depois dos 15 minutos já está doido querendo mais, já está doido catando no chão, catando, querendo mais...aí começa a se prostituir, começa roubar, começa fazer coisas que só Deus duvida... mas do crack há saída. Eu comecei achar isso porque um dia eu me vi no espelho, estava olhando meu corpo e comecei a chorar. Minhas costelas davam pra contar, minha bunda caiu, meus peitos caíram muito, porque estava só pele, pele e ossos. Foi aí que eu vim em busca de ajuda, mas para quem usa crack não é a ajuda que tem que ir até ele, é ele que tem que ir até à ajuda. Porque se ele não procurar ajuda, ele não está preparado. Pode ter mil pessoas querendo ajudar, mas enquanto a pessoa não quiser ajuda, não se ver no fim do poço.

2) Como começou seu envolvimento com o crack?

Eu comecei pela maconha, depois fui para a cocaína, depois fui pro loló, tiner, cola, depois, passado um tempo, comecei a me prostituir e usar crack. E os grandes culpados dessa droga são os próprios traficantes que trazem ela até a gente, não é a gente que vai até ela.

O que leva à pessoa às drogas? Às vezes, uma paulada, uma curiosidade, leva a gente a mexer com ela. O primeiro trago é o primeiro trago da morte. O nome do crack é o osso moído do capeta. Uma droga muito pesada. O que me levou a mexer com crack foi não ter sonho nenhum. Não tenho pai, não tenho mãe. Não tinha família, não tinha lugar pra eu ficar, só tinha aquela saída. Até pra escapar de meus problemas pessoais eu usava o crack. Mas há pessoas que estão viciados no crack, porque querem, porque escolheram. Tem tudo para estudar, para ser um bom rapaz, uma boa moça, mas prefere ir para a prostituição, ser traficante, ser um enjoado. Eu não tive essa escolha. Eu já fui diretamente à droga, nasci na droga e nasci na prostituição. Minha mãe era prostituta.

Eu mesma tentei suicidar e quase consegui morrer. Mas estava sob o efeito do crack. O crack levanta a pressão, dá ataque cardíaco, destrói a gente por dentro. E efeitos colaterais que me faz sofrer hoje. Estou em abstinência. Não vou falar com vocês que não tenho vontade de usar. Tenho vontade de usar, sim. Penso coisas boas, mas também coisas ruins eu penso. Tenho vontade de fugir pra rua pra eu ficar andando, mas o medo agora se tornou maior que o vicio.

3) De onde tirou forças?

Eu tirei forças de mim mesma, da minha pessoa. Que eu vi que estava caindo para a morte, não para a vida. Morta em vida. Sem vontade de comer, de tomar suco, não tem dinheiro pra passear, não tem dinheiro pra nada, porque tudo o que você possui é para o crack. Eu passei uma fase muito ruim. Eu aprendi fumar crack com meu ex-marido.

Depois, por causa do crack, eu tive que entregar dois filhos meus para a FEBEM, porque eu não tinha como cuidar deles. Depois que eu perdi meus filhos fiquei mesmo atada ao crack. As pessoas me diziam: “vai lá, eu vou te ajudar.” Eu falava: “vou”, mas depois não ia.

Eu tirei forças de mim mesma, de minha alma. Primeiramente Deus, que me fez enxergar que eu estava me estava consumindo. Eu chorei quando vi que estava me definhando.

4) Como imaginava Deus em todo esse processo?

Aos olhos do Pai eu era perfeita, aos olhos do Pai eu sempre fui perfeita, nunca tive defeitos para Ele, mas para mim eu tinha meus defeitos.

6) Que mensagem gostaria de transmitir para as pessoas usuárias de crack?

Que elas olhassem bem no espelho, porque o espelho passa bem a imagem da gente. E olhassem bem para cada pedacinho do corpo dela e vissem como estão se definhando. E que procurassem ajuda, mas que procurassem ajuda que não seja fácil. Procure conversar e se olhe no espelho, assim eu fiz. Eu estava raquítica, eu era quase só ossos. A pessoa tem que ter coragem pra (se) olhar no espelho. Se ela não tiver coragem, ela não se auto-ajuda nem deixa ninguém ajudá-la.


Senado cria CPI do Tráfico de Pessoas

Atendendo ao requerimento da senadora Marinor Brito (PSOL-PA), o Senado Federal aprovou no último dia 16, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai investigar o crime do tráfico de pessoas no Brasil. Segundo a senadora, os casos de tráfico envolvendo crianças vêm aumentando e, por se sentir incomodada com o descaso dos governos, pediu a abertura da CPI. "A situação só vem se agravando", afirmou.

Ela disse ainda que o objetivo é levar a reflexão para o Congresso, "para que possamos cobrar ações do governo, como a reestruturação das polícias e dos órgãos de defesa e justiça". Ainda sem data definida para o início das investigações, Marinor comentou que a expectativa é que no meio de abril já haja um direcionamento sobre a instalação da CPI.

Militante da área dos direitos da infância e adolescência, a senadora disse conhecer de perto a cruel realidade de crianças e adolescente que são vítimas da exploração sexual. Ela também comentou que por ter atuado na CPI da Pedofilia, tem conhecimento das rotas que envolvem a exploração sexual de crianças e adolescentes dentro do país, sendo algumas delas localizadas na região amazônica.

"O fato de o governo brasileiro ter cruzado os braços e essas questões estarem envolvidas com outros crimes, como o comércio de órgãos... Tem que se tomar alguma atitude", justificou.

Segundo a senadora, a expectativa com a CPI do tráfico humano é condensar as informações, confirmar as rotas e também avaliar as causas e as consequências deste crime. "E, sobretudo, punir os criminosos", ressaltou.

 Consciente da gravidade da situação e dos riscos que pode correr com as apurações, já que o tráfico de pessoas é praticado por criminosos organizados em rede, com ramificações nacionais e internacionais, a senadora afirmou não ter medo. "Não tenho medo, vou enfrentar com coragem e ousadia. Não é a primeira vez que me envolvo em investigações", disse.

Apesar de já ter sido ameaçada em outras ocasiões, ela garantiu que isso não a intimida, e afirmou que está reunindo esforços para combater a rede do tráfico de pessoas. Para isso, ela está articulando uma mobilização em rede, contando com o apoio de organizações sociais, igrejas e outras entidades que já atuam no enfrentamento a este crime.

A senadora comentou que atualmente as redes de televisão mostram o desaparecimento de pessoas, mas lembrou que ‘não estamos mais vivendo no período da ditadura', quando pessoas desapareciam por causas políticas.

 "Os objetivos hoje não são mais políticos, e sim comerciais", salientou, ressaltando que ‘não podemos continuar assistindo a vulnerabilidade das pessoas sem se tomar uma providência'.

  
*Tatiana Félix

Jornalista da Adital
Fonte: Adital

 

 


Mulheres discutem maior participação na Economia Solidária

Na última terça-feira (22), mulheres reunidas pelo Núcleo Feminista da ONG Guayí discutiram, durante a realização de uma mesa-redonda, em Porto Alegre (RS), a temática "Oportunidades e desafios para uma economia solidária e feminista". Estiveram presentes no evento representantes do poder público estadual, da Secretaria Nacional da Economia Solidária (Senaes), do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), empreendedoras e movimentos feministas.

De acordo com Helena Bonumá, coordenadora do Núcleo Feminista da Guayí e coordenadora nacional do programa Brasil Local e Feminista, a principal discussão girou em torno do tema ‘economia feminista'. Na ocasião as mulheres reivindicaram a promoção dos empreendimentos solidários feministas, a abertura de espaços permanentes para a comercialização dos produtos solidários, o acesso ao crédito, entre outras questões.

Neste sentido, ela falou sobre o projeto "Economia Solidária e Economia Feminista", que integra as ações do Projeto Brasil Local, da Senaes, e que está sendo implantado em 9 localidades do país: Pará, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. "Nossa meta é apoiar 300 empreendimentos solidários protagonizados por mulheres em todo o país", disse.

Ela explicou que a idéia de promover a economia feminista é uma forma de combater a divisão sexual do trabalho e o papel social de cada indivíduo na sociedade. "A mulher vai para o mercado de trabalho já com uma condição", citou, se referindo as funções que são atribuídas às mulheres e as que são consideradas ‘dos homens'.

Para as militantes deste movimento, o diálogo entre economia solidária (ES) e economia feminista deve contribuir para superar a lógica de desvalorização do trabalho feminino, já que, de acordo com Helena, este mesmo modelo tem sido reproduzido também dentro da ES.

"Com a economia feminista buscamos criticar o modelo de produção e dar visibilidade à reprodução social. Queremos um modelo que promova o desenvolvimento integral da sociedade e o bem-estar social", ressaltou.

Ela disse ainda que apesar de a ES ter surgido como uma alternativa para as pessoas ‘excluídas' do mercado de trabalho e desfavorecidas pelo sistema oficial econômico, essa mesma economia popular e solidária deve alcançar um patamar mais alto e não ser considerada apenas uma ‘economia para pobres'. "A economia solidária surge com marca forte da exclusão", observou.
Para colocar em prática essas idéias, as mulheres sugeriram propostas de políticas para o poder público. Em primeiro lugar, segundo Helena, está a demanda por um melhor assessoramento aos empreendimentos solidários. "As mulheres são empreendedoras, criativas, mas muitas vezes falta suporte técnico, jurídico", ressaltou.

Outro ponto destacado foi a criação de espaços fixos de comercialização dos produtos, já que na maioria das vezes a venda dos produtos acontece em feiras pontuais e temporárias. A terceira proposta aponta para uma política que garanta um percentual de compras públicas para o setor solidário feminista. As mulheres também pedem ampliação do acesso ao crédito.


Além disso, Helena destacou a necessidade de se ampliar a economia solidária para um formato mais amplo, e não apenas para um modo de trabalho. Ela enfatizou a busca de alternativas para o desenvolvimento social, para uma sociedade justa e igualitária, onde os direitos sejam iguais para todos e todas.

Fonte: Site Fórum Brasileiro de Economia Solidária

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Interpretação feminista do relato da criação

Leonardo Boff

As teólogas feministas nos despertaram para traços antifeministas no atual relato da criação de Eva (Gn 1,18-25) e da queda original (Gn 3,1-19), o que veio reforçar na cultura o preconceito contra as mulheres. Consoante este relato, a mulher é formada da costela de Adão que, ao vê-la, exclama: “eis os ossos de meus ossos, a carne de minha carne; chamar-se-á varoa (hebraico: ishá) porque foi tirada do varão (ish); por isso o varão deixará pai e mãe para se unir a sua varoa: e os dois serão uma só carne”(2,23-25).

O sentido originário visava mostrar a unidade homem/mulher. Mas, a anterioridade de Adão e a formação a partir de sua costela foi, porém, interpretada como superioridade masculina. O relato da queda soa também antifeminista: “Viu, pois, a mulher que o fruto daquela árvore era bom para comer..tomou do fruto e o comeu; deu-o também a seu marido e comeu; imediatamente se lhes abriram os olhos e se deram conta de que estavam nus”(Gn 3,6-7).

Interpreta-se a mulher como sexo fraco, pois foi ela que caiu na tentação e, a partir daí, seduziu o homem. Eis a razão de seu submetimento histórico, agora ideologicamente justificado: “estarás sob o poder de teu marido e ele te dominará”(Gn 3,16).

Há uma leitura mais radical, apresentada por duas teólogas feministas, entre outras: Riane Eisler (Sacred Pleasure, Sex Myth and the Politics of the Body,1995) e Françoise Gange (Les dieux menteurs 1997) que aqui resumo. Estas autoras partem do dado histórico de que houve uma era matriarcal anterior à patriarcal. Segundo elas, o relato do pecado original seria introduzido no interesse do patriarcado como uma peça de culpabilização das mulheres para arrebatar-lhes o poder e consolidar o domínio do homem. Os ritos e os símbolos sagrados do matriarcado teriam sido diabolizados e retroprojetados às origens na forma de um relato primordial, com a intenção de apagar totalmente os traços do relato feminino anterior. O atual relato do pecado original coloca em xeque os quatro símbolos fundamentais do matriarcado.

O primeiro símbolo atacado é a mulher em si que na cultura matriarcal representava o sexo sagrado, gerador de vida. Como tal ela simbolizava a Grande-Mãe. Agora é feita a grande sedutora.

No segundo, desconstrói-se o símbolo da serpente que representava a sabedoria divina que se renovava sempre como se renova a pele da serpente.

No terceiro, desfigura-se a árvore da vida, tida como um dos símbolos principais da vida, gestada pelas mulheres, agora colocada sob o interdito: “não comais nem toqueis de seu fruto” (3,3).

No quarto, se distorce o caráter simbólico da sexualidade, tida como sagrada, pois permitia o acesso ao êxtase e ao conhecimento místico, representada pela relação homem-mulher.

Ora, o que faz o atual relato do pecado original? Inverte totalmente o sentido profundo e verdadeiro desses símbolos. Desacraliza-os, diaboliza-os e transforma o que era bênção em maldição.

A mulher é eternamente maldita, feita um ser inferior, sedutora do homem que “a dominará” (Gen 3,16). O poder de dar a vida será realizado entre dores (Gn 3,16).

A serpente será maldita, feita inimigo fidagal da mulher que lhe ferirá a cabeça mas que será mordida no calcanhar (Gn 3,15).

A árvore da vida e da sabedoria cai sob o signo do interdito. Antes, na cultura matriarcal, comer da árvore da vida era se imbuir de sabedoria. Agora comer dela significa perigo letal (Gn 3,3).

O laço sagrado entre o homem e a mulher é substituído pelo laço matrimonial, ocupando o homem o lugar de chefe e a mulher de dominada (Gn 3,16).

Aqui se operou uma desconstrução profunda do relato anterior, feminino e sacral. Hoje todos somos, bem ou mal, reféns do relato adâmico, antifeminista e culpabilizador como está no Gênesis.

Por que escrever sobre isso? É para reforçar o trabalho das teólogas feministas que nos apontam quão profundas são as raízes da dominação das mulheres. Ao resgatarem o relato mais arcaico, feminista, elas visam propor uma alternativa mais originária e positiva na qual apareça uma relação nova com a vida, com os gêneros, com o poder, com o sagrado e com a sexualidade.


Fonte: http://www.mercadoetico.terra.com.br/