quarta-feira, 20 de abril de 2011

"Ressurreição: os contos das Marias"

Maria Soave


"Os contos das Marias geram o en-canto da vida" (Lc 24,13-35)

Maria, um nome tão comum. Quando não se conhece o nome de uma mulher, tenta-se chamá-la de Maria e, muitas vezes, se acerta. Maria, um nome tão comum. Provavelmente, ela se chamava Maria.
Era uma mulher baixinha. Os lindos cabelos negros recolhidos em castas tranças. Este era o costume obrigatório das mulheres judias de boa reputação.
Maria gostava dos seus cabelos soltos; eram macios e espalhavam um perfume quente de azeite de oliva e de flores de jasmim.

Às vezes, de noite, à luz fraca de uma vela, Maria penteava os seus longos cabelos negros acariciando-os suavemente. Cleofas gostava de olhar a sua esposa perdida em pensamentos longínquos se penteando à luz frágil de uma vela. Cleofas gostava, à noite, de se perder no cheiro quente de azeite de oliva e de flor de jasmim. Eram casados há pouco tempo. Um casamento feito de sonho, amor e diálogo.

Há alguns meses tinham conhecido o grupo de Jesus. Um grupo como muitos outros existentes na Galiléia daquele tempo.
Um grupo como os outros e, ao mesmo tempo, tão diferente.
Quantas crianças participavam daquele grupo! Eram filhos de algumas discípulas e discípulos de Jesus.
Crianças amadas, acolhidas...

Para elas tinha espaço no grupo. Jesus adorava brincar com elas, carregava-as no colo e, ao entardecer, sentado debaixo de uma grande figueira, contava estórias, que chamavam sonhos bons nos corpos cansados daqueles pequenos. Jesus costumava dizer que o Reino de Deus é para as crianças. Maria e Cleofas sorriam ouvindo aquelas palavras. Nos olhos e no coração dos dois apareciam os rostos sonhados dos filhos do futuro, filhos e filhas, todas as pessoas empobrecidas, que viveriam num mundo diferente, um mundo de partilha, de amor, de carinho; um mundo com o mesmo cheiro do Reino de Deus.

O grupo de Jesus, um grupo como os outros e, ao mesmo tempo, tão diferente.
Quantas mulheres participavam do grupo de Jesus! Mulheres casadas e solteiras, viúvas... Mulheres discípulas, ministras da palavra e da fração do pão.
O grupo de Jesus, um espaço para crianças e mulheres, um espaço para todos os empobrecidos.

O grupo de Jesus, lugar de resgate da vida digna. Pessoas contando histórias que devolviam a esperança ao povo massacrado pelos impostos dos romanos e do templo. O grupo de Jesus, gente de carinho e de cura, mulheres e homens conhecedores da cura das ervas e das palavras boas que saram feridas da alma e do coração.

Maria, um nome tão comum. Um nome que não precisa ser citado nos livros de história. Ela, a esposa de Cleofas, provavelmente era conhecida só como a "Maria de Cleofas".
Maria, discípula do grupo de Jesus. Fazia já duas noites que sonhos assustadores visitavam o repouso de Maria.

Ela acordava, de repente, com o coração na garganta e o rosto molhado de lágrimas amargas.
O sono tranqüilo do descanso não iria mais voltar e os olhos, cheios de lágrimas, ficariam assim, abertos, fixando tristemente o vazio até as primeiras luzes da alvorada.
Há dois dias, na lua cheia da primavera, Maria tinha presenciado a morte do amigo.

Jesus, morto como bandido incômodo ao poder do templo e do imperador romano.
Foi impossível consolar o amigo. Foi obrigada, como outras mulheres do grupo, a ouvir os gritos de Jesus de longe, porque os soldados ameaçavam de morte todas as pessoas que ficassem muito perto das cruzes.

Uma pergunta trágica estava enroscada na garganta de Maria, parecia crescer à noite e quase a sufocava.
Por que tanta violência? Por que o amigo Jesus tinha sido morto? Ele, o meigo contador de estórias para mulheres, pobres e crianças... Ele, que fazia a esperança de um mundo melhor, sem exploradores e explorados, voltar a brilhar nos corpos das pessoas...

Ele, que, superando todos os orgulhos patriarcais, fazia das mulheres discípulas amadas...
Tudo estava acabado... Tudo... E a tristeza sufocava a garganta de Maria.
Cleofas também acordava, à noite, quando Maria acordava.
Ele sabia muito bem que Jerusalém nunca tinha sido um lugar acolhedor e seguro para a gente da Galiléia nem para quem aderia a idéias e práticas novas, ainda menos agora, com a morte de Jesus.

Decidiram então sair da cidade e tentar recompor os pedaços da vida e dos sonhos estraçalhados após a morte do amigo.
Saíram bem cedinho, às primeiras luzes, quando o dia ainda não é dia e a noite não é mais noite. Saíram abraçados, para se proteger do medo, do frio e da sufocante tristeza.
Tinham que percorrer alguns quilômetros. A palavra boa começou a se fazer espaço entre o nó da garganta de Maria. Ela lembrava os contos do amigo.

Lembrava as palavras e as estórias que nunca cansava de ouvir. Estórias de cura, de amor, de perdão, de partilha... Estórias do Reino de Deus. Estórias já cantadas e contadas desde Moisés até os profetas e profetisas... Estórias do Sonho de Deus!

A tristeza e o desânimo enroscados na garganta e no coração de Maria suavemente se desmanchavam, deixando lugar para uma doce saudade... O coração do casal ia se aquecendo na memória do amigo amado.

O sol começava a brilhar entre a planície e as montanhas e Cleofas percebia de novo o cheiro quente de óleo de oliva e de flor de jasmim nos cabelos de Maria.
Chegaram em casa, cansados e famintos. Maria, como sempre, foi buscar um pão guardado na despensa.

Não precisaram de palavras... O silêncio estava grávido de sentido. A vida cria símbolos: o pão. Os símbolos criam ritos: a fração do pão. E os ritos devolvem a vida e a esperança:
"Ele não está entre os mortos, ressuscitou! A vida tem sempre a última palavra!"

Este texto foi extraído do livro Luas...contos e en-cantos dos evangelhos de Maria Soave


Fonte: www.cebi.org.br

A última ceia: o amor é uma força criadora

Carlos Mesters, Mercedes Lopes, Orofino 



1. Situando o texto


a) Os capítulos 24 e 25 do Evangelho de Mateus apresentaram o quinto e último Sermão da Nova Lei de Deus. Os capítulos 26 a 28 descrevem a sua promulgação. De fato, desde o Sermão da Montanha, inúmeras vezes, Mateus já vinha afirmando que o objetivo da Nova Lei é o amor e a misericórdia (Mt 5,43-48; 7,12; 9,13; 12,7; 22,34-40). Agora, nesta parte final dos capítulos 26 a 28 que narram a paixão, morte e ressurreição, ele descreve como Jesus praticou o amor, levando a Lei ao seu pleno cumprimento (Mt 5,17).

b) A descrição da paixão de Jesus acentua o fracasso dos discípulos. Apesar da convivência de três anos, nenhum deles ficou para tomar a defesa de Jesus. Judas traiu, Pedro negou, todos fugiram. Mateus conta isto, não para criticar ou condenar, nem para provocar desânimo nos leitores, mas para ressaltar que o acolhimento e o amor de Jesus superam a derrota e o fracasso dos discípulos! Esta maneira de descrever a atitude de Jesus era uma ajuda para as Comunidades. Por causa das frequentes perseguições, muitos tinham desanimado e abandonado a comunidade e se perguntavam: “Será que é possível voltar? Será que Deus nos acolhe e perdoa?” Mateus responde sugerindo que nós podemos romper com Jesus, mas Jesus nunca rompe conosco. O seu amor é maior que a nossa infidelidade.


2. Comentando o texto

a) Mateus 26,20-25: Anúncio da traição de Judas

Jesus sabe que vai ser traído. Mesmo assim, faz questão de se confraternizar com os amigos e as amigas. Estando reunido com eles pela última vez, anuncia quem é o traidor. E “aquele que põe a mão no prato comigo”. Este jeito de contar as coisas acentua o contraste, pois para os judeus a comunhão de mesa, comer juntos do mesmo prato, era a expressão máxima da amizade, da intimidade e da confiança. Mateus sugere assim que, apesar de a traição ser feita por alguém muito amigo, o amor de Jesus é maior que a traição!

b) Mateus 26,26-29: A instituição da Eucaristia

O encontro de Jesus com os discípulos realiza-se no ambiente solene da celebração da Páscoa. Eles estão reunidos para comer o cordeiro pascal e, assim, lembrar a libertação do Egito. O contraste é grande. De um lado, os discípulos: eles estão inseguros, sem entender nada. De outro lado, Jesus que faz um gesto de partilha, convidando os amigos a tomar o seu corpo e o seu sangue. Ele distribui o pão e o vinho como expressão do que ele mesmo está vivendo naquele momento: doar sua vida pelos outros, para que possam viver. Este é o sentido da Eucaristia: aprender de Jesus a se doar e a se entregar, sem medo dos poderes que ameaçam a vida. Mateus acentua ainda mais o contraste entre Jesus e a atitude dos discípulos. Antes do gesto de Jesus, ele colocou a traição de Judas (Mt 25,20-25). Depois do gesto, a negação de Pedro e a fuga dos discípulos (Mt 25,30-35). Deste modo, destaca para todos nós a inacreditável gratuidade do amor de Jesus, que supera a traição, a negação e a fuga dos amigos. O seu amor não depende do que os outros fazem por ele.

c) Mateus 26,30-35: O anúncio da fuga de todos

Terminada a ceia, saindo com os amigos para o Horto, Jesus anuncia que todos vão abandoná-lo. Vão fugir e se dispersar! Mas desde já ele avisa: “Depois da ressurrei­ção, vou na frente de vocês lá na Galiléia! “Simão, que tem o apelido de Cefas ou Pedro (pedra) e que já foi pedra de tropeço para Jesus (Mc 8,33), agora pretende ser ó discípulo mais fiel de todos. “Ainda que todos se escandalizem, eu não o farei!” Mas Jesus avisa: “Pedro, você será mais rápido na negação do que o galo no canto!” De fato, os discípulos vão romper com Jesus, mas Jesus não rompe com eles! Ele continua esperando por eles lá na Galiléia, isto é, no mesmo lugar onde, três anos antes, os tinha chamado pela primeira vez. A certeza da presença de Jesus na vida do discípulo e da discípula é mais forte do que o abandono e a fuga! O retorno é sempre possível. Jesus continua chamando. Chama sempre!


3. Alargando: O corpo e o sangue do meu Senhor são força viva de paz

Jesus toma o pão e diz: “Tomai e comei, isto é o meu corpo!” Toma o cálice bom vinho e diz: ‘ ‘Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado por muitos para remissão dos pecados!” Pão! Corpo! Cálice! Sangue! Aliança! Remissão dos pecados! O pão é símbolo da Lei. Nós dizemos até hoje “o pão da palavra”. O corpo indica a própria pessoa de Jesus que se entrega. O cálice é símbolo do sofrimento da paixão (Mt 20,22). O sangue indica a pessoa de Jesus enquanto é entregue numa morte violenta. A aliança é o compromisso entre Deus e o povo, agora confirmado pelo sangue de Jesus. A remissão dos pecados é a entrega por amor que liberta as pessoas do pecado. Em resumo, Jesus é a Nova Lei. O seu amor, a sua doação e entrega revelam o objetivo da Lei de Deus. Comer o pão da Eucaristia significa assimilar em nós a mesma atitude de doação. E Jesus termina dizendo que não vai beber mais do fruto da videira até o dia em que beberá o vinho novo no Reino do Pai. O vinho novo é o amor que se bebe com os irmãos na vida das comunidades.

O texto  é extraído do livro Travessia: quero misericórdia e não sacrifício, de Carlos Mesters, Mercedes Lopes e Francisco Orofino.
Fonte: http://www.cebi.org.br/