sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Religiosas participam de capacitação contra tráfico de pessoas



Terminou o passado dia 17, em Salvador (BA), o encontro de religiosas da Rede Um Grito pela Vida, que capacitou 27 pessoas das regiões Norte e Nordeste do país, para atuarem na prevenção ao tráfico de seres humanos. A atividade começou no último dia 14 e teve um resultado positivo, segundo afirmou a integrante da articulação brasileira da Rede Um Grito pela Vida, irmã Gabriella Bottani.

O objetivo do encontro foi o de capacitar agentes multiplicadores de prevenção do tráfico de pessoas e também promover o fortalecimento da Rede na região. Segundo irmã Gabriella, os estados de Rondônia e Pará, na região Norte, e Bahia, Pernambuco, Alagoas, Ceará e Maranhão, na região Nordeste, foram representados no encontro.
Ela disse que "a sensação foi muito positiva e que saiu do evento com muita esperança", já que teve uma significativa participação da região Norte, que segundo ela, apresenta uma situação preocupante quanto ao tráfico humano. Ela acredita que as agentes multiplicadoras poderão ainda, ao realizarem o trabalho educativo, minimizar a dificuldade de comunicação existente na região.

Ela explicou que após esta formação, as participantes devem formar núcleos em suas áreas de atuação, para repassar o que aprenderam para outras pessoas, e assim, poderem alcançar diferentes comunidades que serão prevenidas e alertadas quanto aos perigos do tráfico de seres humanos. "É preciso ter uma presença capilar, ou seja, estar presente em diferentes lugares, para conscientizar o máximo de pessoas possível", afirmou.

Durante o encontro foram realizados estudos sobre tráfico de pessoas, a partir de material educativo, reportagens e também estudos bíblicos. Uma das questões consideradas mais urgentes de se enfrentar, de acordo com a Rede, foi a exploração sexual de mulheres e crianças e o "sistema que massacra a vida".

Também foram utilizados dados oficiais da Organização Internacional das Migrações (OIM) sobre este crime transnacional, além de dados da Pesquisa nacional sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes (PESTRAF, 2002) que aprofunda os conceitos básicos inseridos nesta problemática.

Irmã Gabriella adiantou que está previsto para 2011, um encontro de religiosas em Foz do Iguaçu, no Paraná, que deve fortalecer e ampliar ainda mais a atuação da Rede Um Grito pela Vida. "As pessoas estão percebendo como é importante o trabalho da vida religiosa, e estamos abrindo espaço também para os leigos participarem", disse.

A Rede Um Grito pela Vida está vinculada à Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e atua na prevenção ao Tráfico de Seres Humanos com trabalhos de sensibilização e conscientização, sobretudo, junto às comunidades e público mais propensos a serem vítimas deste crime organizado. Apesar do caráter religioso, a Rede está aberta para participação de leigos e leigas, que estejam interessados (as) em contribuir com este trabalho preventivo.

Para acompanhar a Rede, acesse: http://redeumgritopelavida.blogspot.com/

Fonte: http://www.adital.com/

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A gente se acostuma



Por Mariana Colassanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. 

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e não ver vista que não sejam as janelas ao redor. E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma e não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, se esquece do sol, se esquece do ar, esquece da amplidão.

A gente se acostuma a acordar sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder tempo. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E não aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: “hoje não posso ir”. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisa tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que se deseja e necessita. E a lutar para ganhar com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar nas ruas e ver cartazes. A abrir as revistas e ler artigos. A ligar a televisão e assistir comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.


A gente se acostuma à poluição, às salas fechadas de ar condicionado e ao cheiro de cigarros. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam à luz natural. Às bactérias de água potável. À contaminação da água do mar. À morte lenta dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta por perto.

A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta lá.

Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua o resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem muito sono atrasado.

A gente se acostuma a não falar na aspereza para preservar a pele. Se acostuma para evitar sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Duas mulheres. Uma mulher. Nenhuma mulher?! O poder na ponta do dedo-para-nós

Por Nancy Cardoso

Ao fim e ao cabo -quer dizer "afinal, depois de tudo", para enfatizar que é bem no "fim mesmo!"- o que está em disputa nestas eleições é o controle do ventre: da terra e das mulheres. Afinal estas são as duas formas básicas de produzir a vida, relações de relações de ficar vivo.
Com duas mulheres nas pontas dos dedos do eleitor no primeiro turno não é de se espantar que os mecanismos de controle das estruturas capitalistas e patriarcais se agitem e usem suas armas mais antigas e exclusivas: a Senhora Moral e a Senhora Religião.

Marina e Dilma são mulheres empoderadas pelo intenso trabalho de base e de organização de muitas comunidades e segmentos sociais ao longo dos últimos 30 anos: Mulheres! Muitas outras mulheres! Chegaram até aqui com trajetórias diferentes, mas alimentadas por práticas políticas de enfrentamento do machismo estrutural que a sociedade brasileira e também os movimentos sociais reproduzem. Hoje no Brasil já nos afirmamos com um feminismo classista. Um ecofeminismo socialista.

Não foi e não é o bastante! Dilma e Marina -e tantas outras de nós!- tiveram que aprender a caminhar pelos atalhos da política partidária, dos espaços de poder negados/negociados. E Marina chegou assim com ecologismo sem-classe e Dilma com pac sem-classe. Mulheres-em-si...; mas, não mulheres-para-si.

Que quanta tanta barriga de mulher nas propagandas! Tanta mulher e nenhuma mulher porque não há nenhum projeto de escuta e de encaminhamento de políticas de mulheres-para-si: mulheres do campo e da cidade, proletárias, camponesas, suas misérias sociais e eróticas e suas lutas. Não! Não! Os representantes do capitalismo e das religiões do mercado cercam a barriga da mulher-em-si e proclamam a propriedade privada, o controle da igreja e o controle do Estado. Ui! Os senhores representantes das fundadas verdades fundamentais.

Os fundamentalismos são palavras contra os corpos, palavras sem os corpos, palavras apesar dos corpos. Palavras que se solidificam em políticas, palavras que silenciam palavras outras. Os fundamentalismos e suas variáveis têm em comum a suspensão da escolha. Acreditando-se em fundamentos fundamentais, paralisa-se a vertigem da interpretação. Se existem as verdades fundamentais, o que se espera das pessoas é que observem, decorem, repitam, cumpram, guardem, obedeçam, estudem...; que desistam de perguntar por quê? Até quando? E se...?

O capitalismo é o fundamentalismo econômico contra a terra, sem a terra, apesar da terra reduzida a "meio de produção", forma básica de renda e acumulação. No Brasil, não podemos perguntar pela reforma agrária, por outro modelo agrícola. Os fundamentos fundamentais do capitalismo paralisam a interpretação e os meios de comunicação pedem que as maiorias sem-território observem, decorem, repitam, cumpram, obedeçam às verdades eternas da propriedade privada.

Ao fim e ao cabo, o capitalismo precisa manter sob rédea curta as dinâmicas de produção e reprodução da vida social. O debate embutido e que foi mascarado pela propaganda verde-sem-classe de Marina é a questão da terra, da propriedade da terra, da função social da terra.
O projeto comum de dominação sobre a terra/natureza e sobre as mulheres se perpetua, ainda hoje, de forma mais ou menos sofisticada nos planos de governo e nos monólogos teológicos. A visão da natureza como recurso ilimitado que pode ser sempre tirado e tirado se articula com o trabalho da mulher/doméstica que é trabalho não-pago e movido a sacrifício. Estas são as duas formas básicas de extração de mais-valia, de acumulação básica do capital.

O modelo de produção e reprodução da vida no capitalismo é aquele que legitima o uso da violência e da exaustão como forma de produção do lucro. O agronegócio invade a terra sem pedir licença e sem se comprometer; em expansão o capital se enfia nas profundezas da terra e "goza" rápido, buscando as formas mais ligeiras e eficientes de lucro e de satisfação de si mesmo. A terra exaurida e violada gera "produtos" e "riquezas" num ciclo bárbaro, insustentável e depredador. A terra não pode dizer não! Ser contra a propriedade é ofender a Deus! O deus: capital!

A crise ecológica manifesta uma contradição fundamental do capitalismo: entre o sistema produtivo e as condições de produção. Desde os primórdios da acumulação primitiva do capital, a conquista de mais e mais lucro se dá com a destruição de trabalhadores e da natureza. (Revista Margem Esquerda n. 14, 2010)

O cotidiano das maiorias, de modo especial, e das maiorias de mulheres, em particular, é de alienação e violência de seus corpos na relação com o corpo do mundo - também alienado e violentado. A miséria erótico-sexual se perpetua pela sociedade, preservando as relações violentas no espaço doméstico.As mulheres não podem dizer não!
A superação/enfrentamento desse sistema de controle-disciplina-exploração não se dá pelo elogio da natureza feminina, ou pela celebração de uma suposta proximidade da mulher com/na natureza. O desafio é de identificar ou criticar os modelos históricos e econômicos de subserviência e a prática política cotidiana (macro, micro). A superação possível está na busca conjunta (de classe e de gênero e de etnias...) por outras formas de bem-viver.

No campo da religião diversos fatores precisam ser enfrentados. A preguiça com que muitas teologias neopatriarcais entre nós descartam a Teologia da Libertação e a Teologia Feminista se dá exatamente pela segunda milha que o caminho com os empobrecidos e empobrecidas exige de nós: da recriação no cotidiano das relações de poder homem/mulher (na Igreja!, na teologia!, nos movimentos!, na vida!, na cama!), do compromisso nos processos de luta de classes e suas novas formatações, na criação de estilos de vida que neguem e resistam ao capitalismo e sua febre de consumo.

Os teólogos/sacerdotes do mercado não se arriscam com uma teologia que não garanta mais para eles mesmos -como classe e gênero- os mecanismos de controle e poder do antropocentrismo e do patriarcalismo. Preferem o caminho reformista da teologia que se acomoda na academia ou nas variações de uma teologia pública (sem luta de classes!). Não se ocupam das dinâmicas erótico-sexuais e têm medo de tudo que é gay...; apesar de viverem num mundinho de homossociabilidade exclusiva.

Hoje, parte do cristianismo inserido no capitalismo de consumo desistiu de fazer as perguntas honestas e radicais que o evangelho de Jesus nos faz... As respostas às dramáticas necessidades das maiorias pobres do planeta se expressam em projetos assistencialistas e caritativos que preferem seguir garantindo as necessidades da sobrevivência das institucionalidades, inclusive as igrejas.

Uma outra parte de cristãos não incluídos plenamente no capitalismo e mesmo as maiorias excluídas respondem com teologias da prosperidade, que é também uma teologia da propriedade que coloca as necessidades sociais na dimensão do individualismo das trocas com a divindade, o mercado. Não há uma resposta organizada às necessidades..., mas sim uma objetivação do sujeito, de modo a inseri-lo nos mecanismos de consumo. Malafaias e tfps, rccs e blogs gospel: leões de chácara do capitalismo.

Eu vou votar contra o PSDB.

Eu vou votar na Dilma.

Meu voto não é útil, porque no dia seguinte da eleição de Dilma Roussef vou me encontrar mais forte junto aos movimentos sociais, dos movimentos feministas na defesa dos direitos conquistados e por conquistar!



Fonte: http://www.adital.com.br/