quinta-feira, 7 de outubro de 2010

‘Gaia sagrada’: as relações entre ecologia, feminismo e cristianismo

A hipótese Gaia, ou a Teoria de Gaia, propõe que a biosfera e as demais esferas físicas da Terra estão intimamente integradas de modo a formar um complexo sistema interagente estável. Na visão da teóloga inglesa Anne Primavesi, a partir de seus estudos conjuntos com o autor da Teoria de Gaia, James Lovelock, Gaia (ou Mãe Terra, Pachamama etc.) é sagrada, assim como suas inter-relações, que moldam aquilo que somos.

"Uma valorização gaiana da criação vê as coisas como elas realmente são, como todos os seres vivos dependem uns dos outros tanto no tocante à possibilidade da vida quanto à sua qualidade", afirma Primavesi. Por isso, na teologia coevolutiva, cada organismo é valorizado pelo que é em si mesmo.

Porém, a partir de uma perspectiva ecofeminista, a teóloga reconhece que "as mulheres e a natureza têm sido tradicionalmente rebaixadas e ignoradas numa concepção hierárquica do mundo". A partir dessa concepção, "todos os seres não humanos podem ser usados e abusados para esse fim", afirma ela, em entrevista gentilmente concedida por e-mail à IHU On-Line, em um delicado período de recuperação pós-operatório.

"Nós agora temos de lidar com os efeitos do patriarcado e da desvalorização religiosa dos ‘corpos’ não só sobre as mulheres, crianças e povos indígenas, mas também sobre o corpo da Terra". Isso exige uma "mudança no clima religioso", defende. Nesse sentido, como resposta a uma das perguntas desta entrevista, Primavesi enviou ao IHU On-Line, com exclusividade, seu "Manifesto pelo Ecofeminismo", que aqui publicamos pela primeira vez em português. A tradução é de Luís Marcos Sander.

Anne Primavesi é teóloga inglesa, doutora em teologia sistemática, especializada em questões ecológicas. Membro do Centro de Estudos Interdisciplinares da Religião, do Birkbeck College, University of London, já lecionou na Bristol University. É autora de vários livros, incluindo Sacred Gaia (2000), Gaia's Gift: Earth, Ourselves and God after Copernicus (2003) e Gaia and Climate Change: a Theology of Gift Events (2009). Em português, publicou Do Apocalipse ao Gênesis: Ecologia, Feminismo e Cristianismo (Paulinas, 1996). Após conhecer o cientista James Lovelock, criador da Teoria de Gaia, Primavesi colaborou com ele no primeiro curso do Schumacher College sobre a Teoria de Gaia, em 1991.




Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em seu livro Sacred Gaia (sem tradução para o português), a senhora discute a teologia a partir de uma perspectiva coevolutiva. A que se refere?

Anne Primavesi - A teologia tradicional classifica tudo numa hierarquia de importância, sendo que a parte superior dela está mais próxima de Deus, e a inferior, mais distante. Uma perspectiva coevolutiva surge de uma compreensão mais profunda e de uma valorização da forma como todos os seres vivos vêm a existir e mantêm sua existência através de uma interligação e interdependência ineludível.

Na teologia coevolutiva:

• cada organismo é valorizado pelo que é em si mesmo;

• o valor de cada organismo "importa" em relação ao todo;

• cada entidade é um ser singular e, por conseguinte, essencialmente inclassificável em graus;

• o valor intrínseco de cada uma se baseia na gratuidade do amor de Deus por ela;

• cada uma está presente e vívida na memória de Deus;

• o valor das criaturas não humanas não reside na forma como contribuem para a qualidade da vida humana; cada uma tem direito à sua própria qualidade de vida;

Como diz o poema, "eu pedi que a árvore me falasse sobre Deus, e ela floresceu".

IHU On-Line - Ao analisar a relação entre as mulheres e a ecologia, a senhora apresenta as ideias de uma ordem hierárquica e de uma ordem "Gaiana". Qual é a contribuição do feminino para o cuidado da Criação?

Anne Primavesi - Ao longo das últimas décadas, as ecofeministas expressaram claramente como as mulheres e a natureza têm sido tradicionalmente associadas ao serem rebaixadas e ignoradas numa concepção hierárquica do mundo.

Nessa concepção, os homens estão sujeitos a Deus, as mulheres sujeitas aos homens, os animais sujeitos a ambos, e a própria terra é, simplesmente, o lugar onde nós, seres humanos, realizamos nossa salvação e esperamos o céu. Numa concepção hierárquica, todos os seres não humanos podem ser usados e abusados para esse fim. Esse ordenamento hierárquico valida, conscientemente ou não, relações violentas.

Uma valorização gaiana da criação vê as coisas como elas realmente são, como todos os seres vivos dependem uns dos outros tanto no tocante à possibilidade da vida quanto à sua qualidade. Rotineiramente, talvez não estejamos conscientes do presentear essencial por parte dos muitos seres que possibilitam que nós tenhamos vida. Mas uma consciência mais profunda desse presentear nos refreará para não cometermos excessos de egoísmo e violência que prejudicam a terra, que é o lar de todos os seres vivos.

IHU On-Line - Qual é o impacto das mudanças climáticas sobre a fé e a prática das nossas igrejas hoje? Qual é o papel dos cristãos nesse contexto específico?

Anne Primavesi - A ciência que forma nossa compreensão da mudança climática mostra quão profundamente a humanidade afetou o equilíbrio da vida na terra. Além da perda da biodiversidade, ela adverte que a sobrevivência da própria humanidade corre risco. Isso desafia o pensamento e a prática das igrejas.

Em termos de pensamento, temos de aprender a:

• nos ver e expressar como parte de toda a comunidade da vida na terra;

• ver e tratar a terra como um lar;

• aprender e demonstrar compaixão e respeito por todas as criaturas;

• em encontros litúrgicos, responder com um agradecimento formal, gratidão e respeito pelas dádivas que nos são dadas por todos os seres vivos e tornam possível nossa vida.

Em termos de prática, temos de aprender a:

• descobrir e responder ao valor intrínseco de toda a Criação;

• resistir ao imperialismo, consumismo, colonialismo e violência em nosso pensamento;

• aprender a humildade ecológica, um reconhecimento de nossa dependência do trabalho das muitas criaturas não humanas que mantêm limpo o ar, potável a água e nos fornecem os alimentos que comemos.

IHU On-Line - Em sua opinião, por trás da crise climática, há também uma crise ética e espiritual? Perdemos a nossa capacidade de conviver com os demais seres vivos da Criação?

Anne Primavesi - Não podemos separar o espiritual do ético, ou o social do ecológico. Só podemos fazer essas separações na linguagem, não na realidade. Como pessoa, eu ajo a partir da totalidade de meu ser. As tarefas são as seguintes:

• falar sobre nós, de maneira que não pressuponham que essa espécie de separação linguística descreva as coisas assim como elas são;

• mediar entre as ideias e a ação, o abstrato e o real.

Por exemplo, quando comemos, não deveríamos simplesmente abençoar a comida. Deveríamos reconhecer que a comida abençoa a nós e responder dando graças por isso. Antes de agradecer a Deus pela comida, deveríamos identificar e estar conscientes daqueles e daquelas cujo trabalho e cuja vida tornam possível que comamos agora e agradecer a eles e elas. E isso não apenas em palavras, mas na forma como vivemos, esperando que eles e elas tenham espaço para vicejar e não os/as considerando simplesmente meios para nossos próprios fins humanos.

IHU On-Line - O "Tempo para a Criação" de 2010 está relacionado com a campanha 10:10:10, que será o dia com o maior número de ações positivas contra as ações climáticas. A partir de que motivações teológicas ou bíblicas essa relação entre fé e ecologia pode crescer ainda mais?

Anne Primavesi - Essas coisas devem ser descobertas e expressas por cada pessoa e cada comunidade. Espero ter notícias das formas de fazer isso que vocês venham a criar durante esse período! O que vocês nos disserem sobre o que encontraram será o presente que darão a todas e todos nós.

Penso que o Manifesto pelo Ecofeminismo (1) poderá ajudar nesse sentido.



 
Ecofeminismo

Definição

O termo "ecofeminismo" foi cunhado pela autora francesa Françoise d’Eaubonne e apresentado em seu livro Le féminisme ou la mort, publicado em 1974. Ela o usou para designar um tipo específico de movimento ecológico em que a consciência da opressão das mulheres é a principal força motriz.

Características

a) O discurso ecofeminista reúne visões feministas e política ecológica, com base na percepção de que há ligações entre a dominação de pessoas e a dominação da natureza não humana. Ele toma a crítica feminista das relações humanas e a coloca lado a lado com uma análise das relações entre seres humanos e não humanos.

b) As ecofeministas usam uma perspectiva ecológica para apontar em direção à ausência de hierarquia na Natureza e contrapor isto à presunção cultural, comumente aceita, de que uma espécie, a humana, tem o direito de dominar todas as outras.

c) O fato é que nós, seres humanos, não temos condições de viver à parte do resto da Natureza. Cada um de nós está internamente relacionado com todos os aspectos de nosso meio ambiente, e essa relação faz parte do que somos. Inspirando o ar, nós recebemos. Expirando-o, devolvemos. As ciências naturais nos deram informações sobre o meio ambiente global mais amplo: sobre a camada de ozônio, a chuva ácida, o desmatamento e a desertificação e as emissões de dióxido de carbono na atmosfera. Essas informações mostram não só que a Natureza poderia viver inteiramente feliz sem nós, e de fato seria muito mais feliz sem nossa interferência nela. Ao mesmo tempo, estamos ficando cada vez mais conscientes de que o inverso não é verdade: nós não podemos viver fora dos sistemas naturais que sustentam a vida.

d) As descrições culturais masculinas de nós mesmos como seres que estão "fora de" ou "no controle", não só do meio ambiente, mas também de outros seres vivos nele, foram, entrementes, contestadas, porém não eliminadas. Ao longo de toda a histórica humana ocidental, as mulheres foram rotineiramente classificadas como escravas e tratadas como tais. Isto veio à tona com o movimento público pela emancipação das mulheres. Ele começou nos Estados Unidos com o movimento pela emancipação dos escravos, com a luta por seus direitos a seu próprio corpo, a seus filhos e à propriedade que viessem a adquirir. Então as mulheres se deram conta de que elas também não tinham esses direitos.

Esta lição foi compreendida claramente em 1840, na Convenção Mundial contra a Escravidão realizada em Londres. Elizabeth Cady Stanton e Lucretia Mott, junto com outras delegadas americanas, foram relegadas às galerias na condição de "observadoras". Indignadas, elas realizaram uma conferência em 1848, em Seneca Falls, para tratar "da condição e dos direitos sociais, civis e religiosos das mulheres". Os povos indígenas também não têm tido esses direitos. Até 1967, os aborígenes australianos eram juridicamente classificados como "flora e fauna", isto é, como incapazes de passar da natureza para a cultura.

e) Essa desvalorização das mulheres e dos povos indígenas aconteceu numa cultura secular dominada por uma imagem dos seres humanos (ou, mais precisamente, dos homens) como "mentes", e numa cultura religiosa dominada por homens que entendiam que seu "espírito" e sua mente controlavam não só seus próprios corpos, mas também, por extensão, os corpos das mulheres, das crianças, dos povos indígenas e, naturalmente, de toda a Natureza material. Isto remonta ao mito da criação de Platão, o Timeu. Sua desvalorização da corporalidade se arraigou no ensino cristão e atingiu seu ápice no conceito do pecado supostamente corporificado em Eva. A mentalidade platônica e a cristã se juntam numa passagem do Apocalipse (lida na festa do dia de Todos os Santos) a respeito dos 144 mil que serão salvos (Apocalipse 7, 1ss.; 14, 1-5). A passagem de Apocalipse 14, 4 sintetiza o ideal a que todos e todas nós deveríamos supostamente aspirar! Entretanto, sabemos que o espiritual só está vivo em nós onde o espírito e a matéria, a mente e o corpo fazem todos parte do mesmo organismo vivo. Nenhum aspecto tem precedência sobre outro, pois eles só podem funcionar juntos como um todo vivo.

f) Há um outro fator nessa história, "a regra dos fisicamente mais fortes", que liga a sujeição das mulheres com a sujeição da Terra até o presente. Eu o chamo de "militarismo econômico". Bismarck estava descrevendo o militarismo quando disse que a única realidade política prática é o poder e a única fonte do poder é a força física, ou seja, a capacidade de matar e ferir. Essa "capacidade" era e é um importante e ainda crescente produto de exportação dos países do Norte econômico para os do Sul econômico, a maioria dos quais são ex-colônias. Pois ela era a força física que estava por trás da colonização europeia de outros continentes e sua concomitante cristianização. Atualmente assume a forma de um complexo militar-industrial que continua a crescer, a consumir recursos em todos os sentidos e a deixar a destruição ambiental em sua esteira. Mais uma vez, as mulheres, as crianças, os povos indígenas, os pobres e suas terras são as principais vítimas. O Conselho Mundial de Igrejas, em sua preparação para a Cúpula das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, estabeleceu ligações explícitas entre essas questões em seu programa Justiça, Paz e Integridade da Criação. As ligações delas com a Terra foram ignoradas no programa católico romano Justiça e Paz.

g) Em termos religiosos, o modelo do domínio dos mais fortes é apoiado pelo conceito de hierarquia ou "domínio sagrado", que é endêmico no cristianismo e nas instituições culturais do Ocidente. De forma literal ou figurada, ele assume a forma de uma pirâmide ou da "Grande Cadeia do Ser". Em ambas, o Espírito, Deus ou Inteligência não material (mas masculino!) constitui o pináculo e a fonte do poder. O poder flui dele para os homens, e deles para as mulheres, as crianças e os povos indígenas. "Debaixo" de todos esses seres e sujeita a todos os "de cima" está a Terra.

h) As sociedades e instituições hierárquicas valorizam os seres de acordo com a posição que ocupam na pirâmide ou cadeia: Deus/Espírito/Inteligência no topo, e as mulheres, as crianças e a Terra na parte de baixo. Elas estão sujeitas, em termos religiosos e institucionais, ao poder vindo "de cima", exercido em nome de um Deus todo-poderoso.

Implicações

Todas as características descritas acima ainda podem ser discernidas em nossa atual cultura secular e religiosa. Elas causam impacto sobre nossa autocompreensão e sobre o que é tido como opiniões e comportamentos aceitáveis. Uma conhecida afirmação de Dom Helder Câmara serve como forma de ilustrar esse efeito. Disse ele: "Se dou comida aos pobres, chamam-me de santo. Se pergunto por que os pobres não têm comida, chamam-me de comunista/marxista".

Isso pode servir de base metodológica para as críticas ecofeministas:

• se trabalho pelos direitos das mulheres, sou uma militante em defesa dos direitos humanos. Se pergunto por que as mulheres, as crianças e os escravos não têm esses direitos, sou uma filósofa feminista;

• se crio refúgios para mulheres vítimas de maus-tratos ou para vítimas da guerra, sou uma assistente social. Se pergunto por que os abrigos são necessários, sou uma filósofa ética feminista;

• se estudo a posição das mulheres ao longo da história do cristianismo, sou uma historiadora da Igreja. Se pergunto por que elas foram mantidas nessa posição, sou uma teóloga feminista;

• se estudo as inter-relações entre mulheres, povos indígenas e movimentos ecológicos, sou uma cientista social. Se pergunto por que essa inter-relação se baseou na desvalorização e na violência para com os corpos das mulheres e dos povos indígenas e contra o corpo da Terra, sou uma filósofa ecofeminista;

• se faço todas essas perguntas e pergunto que papel o cristianismo desempenhou nisso, sou uma teóloga ecofeminista.

O patriarcado, o domínio dos Pais [Padres], não foi acrescentado à formulação da doutrina cristã. Ele foi introduzido na formulação das próprias doutrinas.

Nós agora temos de lidar com os efeitos do patriarcado e da desvalorização religiosa dos "corpos", não só sobre as mulheres, crianças e povos indígenas, mas também sobre o corpo da Terra. Esses efeitos são o que passamos a conhecer como "mudança climática". Eles também exigem uma mudança no clima religioso.

Fonte: IHU-Unisinos

''A credibilidade da CNBB está sendo colocada em xeque''

Entrevista especial com Dom Luiz Demétrio Valentini

''A credibilidade da CNBB está sendo colocada em xeque''.

"Serra, como Ministro da Saúde, referendou medidas concretas de prática do aborto", constata o bispo de Jales e presidente da Cáritas Brasileira. "De acordo com o rigor dos acusadores de Dilma, ele pode ser acusado de abortista".


Confira a entrevista.

“A credibilidade da CNBB está sendo colocada em xeque”, alerta Dom Luiz Demétrio Valentini, bispo da Diocese de Jales-SP, ao comentar o episódio de que a instituição teria aconselhado os católicos a não votarem na candidata do PT à presidência, Dilma Rousseff. Em entrevista concedida, por telefone, à IHU On-Line, Dom Valentini esclarece que em torno do assunto “existe uma falácia que precisar ser desmontada”.

Para ele, o nome da CNNB foi invocado com posições “que não são dela (...) foi feito um estratagema para vincular opiniões pessoais de alguns bispos à imagem da CNBB”. Ele explica: “O equívoco maior se deu no Regional Sul I da CNBB: a presidência recomendou que todos lessem e, levassem em consideração, uma manifestação de duas comissões diocesanas, onde se manifestava, claramente, posições preconceituosas contra Dilma e o PT. A solicitação de que esse documento deveria ser levado em conta, comprometeu o posicionamento do Regional. Com isso, se criou a ambiguidade e o equivoco de que todo o Regional estava de acordo com esse posicionamento, o que não é verdade”.

A segunda falácia, aponta, é ainda mais difícil de ser compreendida. “O fato de lançar a condição de abortistas a todos aqueles que propõem políticas sociais que levem em conta a situação do aborto para melhorar a legislação e as providências para favorecer a vida e evitar situações de aborto”.

Na avaliação dele, instituição que “sempre marcou presença na realidade brasileira”, a CNBB deve se pronunciar diante deste fato, “esclarecendo que ela não tem posição partidária, não tem restrições a nenhum dos dois candidatos”.

Licenciado em Letras pela Faculdade de Palmas, no Paraná, Dom Valentini fez o curso de Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e foi ordenado presbítero em 1965. Foi professor no Centro Universitário de Erexim e na Universidade de Passo Fundo. Durante muitos anos foi pároco na diocese de Erexim, RS quando foi nomeado bispo de Jales, SP, em 1982. Durantes muitos anos foi responsável pelo Setor Pastoral Social da CNBB, período no qual se realizaram as Semanas Sociais Brasileiras. Atualmente é também presidente da Cáritas Brasileira.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – No primeiro turno, alguns bispos aconselharam a sociedade a não votar na candidata do PT, Dilma Rousseff. Qual a postura da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB nessa questão?

Luiz Demétrio Valentini – Esse é um assunto sério e merece muita atenção. Penso que a credibilidade da CNBB está sendo colocada em xeque. A CNBB, tradicionalmente, sempre marcou presença na realidade brasileira como uma entidade responsável que colaborou para a implantação da democracia no Brasil, ciente, claramente, da sua responsabilidade própria. Agora, corre o risco de ser mal interpretada por equívocos acontecidos por manobras em andamento. Existe uma espécie de falácia que precisa ser desmontada e esclarecida. Essa falácia consiste, em primeiro lugar, em invocar o nome da CNBB sobre posições que não são dela. Foram impressos milhares de folhetos com a mensagem: “CNBB proíbe católicos de votarem em Dilma, do PT”. Isso não é verdade. Foi feito um estratagema para vincular opiniões pessoais de alguns bispos à imagem da CNBB. O equívoco maior se deu no Regional Sul I da CNBB: a presidência recomendou que todos lessem e levassem em consideração uma manifestação de duas comissões diocesanas, onde se manifestava, claramente, posições preconceituosas contra Dilma e o PT. A solicitação de que esse documento deveria ser levado em conta comprometeu o posicionamento do Regional. Com isso, se criou a ambiguidade e o equivoco de que todo o Regional estava de acordo com esse posicionamento, o que não é verdade. Isso influenciou o resultado das eleições.

Outra falácia mais séria e difícil de ser compreendida foi o fato de lançar a condição de abortistas a todos aqueles que propõem políticas sociais que levem em conta a situação do aborto para melhorar a legislação e as providências para favorecer a vida e evitar situações de aborto. Foi montada uma acusação, a qual foi vinculada o voto dizendo que quem é católico não pode votar em quem é abortista. Quem disse que determinada pessoa é abortista? O próprio acusador se vê no direito de estabelecer alguém como abortista, sem levar em conta as ponderações que ele faz.

IHU On-Line – Qual o posicionamento da CNBB diante do segundo turno das eleições presidenciais?

Luiz Demétrio Valentini – Enviei um apelo à CNBB. Estou aguardando um pronunciamento da presidência da CNBB. Fiz questão de ressaltar a Dom Geraldo Lyrio Rocha, presidente da CNBB, que se fazia necessária uma clara tomada de decisão da presidência, esclarecendo que ela não tem posição partidária, não tem restrições a nenhum dos dois candidatos, de modo que se torna urgente enfatizar a posição de neutralidade em termos de opções partidárias e eleitorais. Espero que esse pronunciamento seja feito ainda hoje (6-10-2010) e coloque com muita evidência que a posição da presidência do Regional Sul I da CNBB foi fruto de um equívoco, que, me parece, deveria ser esclarecido pelos próprios autores que elaboraram a declaração.

IHU On-Line – Como percebe o posicionamento de Dilma em relação ao aborto? Ela está tratando o tema de maneira diferente no segundo turno?

Luiz Demétrio Valentini – Penso que ela demorou a se dar conta da gravidade das acusações que eram feitas contra ela e da complexidade do assunto. Percebo que ela tem convicção de que o aborto é um problema de saúde e que não se reduz a isso. Então, deveria ter manifestado de maneira mais enfática o reconhecimento da defesa da vida desde a sua fecundação, como a Igreja afirma. Ela precisava perceber melhor a causa que está em jogo. Dilma tem a oportunidade de esclarecer melhor o seu posicionamento no segundo turno.

IHU On-Line – O que diferencia o posicionamento de Dilma e Serra em relação ao aborto?

Luiz Demétrio Valentini – Serra, como Ministro da Saúde, referendou medidas concretas de prática do aborto. De modo que, aqueles que de maneira tão enfática acusam a Dilma de abortista, deveriam se dar conta de que o outro candidato também teve um posicionamento, o qual pode ser, de acordo com o rigor dos acusadores, acusado de abortista.

IHU On-Line – Como entender que a opinião pública não coincide mais com a opinião publicada? Isso indica que tipo de mudança social?

Luiz Demétrio Valentini – Não é mais a grande imprensa que conduz o processo político. Alguns jornais armaram um esquema de denúncias para inviabilizar uma candidatura, de modo que tentaram, mas obtiveram resultados. Não foi por obra da grande imprensa que a candidatura Dilma diminuiu seu percentual. Dá para sentir que o povo brasileiro começa a formar a sua opinião a partir de fatos próximos e concretos que ele vivência. Quem está a favor da vida? Não são os que gritam contra o aborto e, sim, os que implementam políticas sociais que acabam beneficiando e trazendo mais dignidade para a vida das pessoas. Em termos econômicos, sociais e culturais, o povo está aprendendo a discernir a partir das realidades que ele percebe. Esse é um fato promissor.

Independente do resultado dessas eleições, penso que está indicado um trabalho de cidadania promissor: incentivar o povo a formar a sua opinião a partir, não do que dizem os grandes jornais, mas, a partir de experiências concretas que o povo experimenta e o onde ele se sente sujeito e, não mais, objeto de manobra política.

IHU On-Line – O senhor acredita mesmo que a grande imprensa perdeu o poder de criar opinião pública? O caso Erenice parece ter sido o responsável pela queda de Dilma na reta final?

Luiz Demétrio Valentini – Sem dúvida esse caso ainda conseguiu influenciar a candidatura de Dilma, sobretudo, a partir de situações concretas, visuais. Evidente, o jornal que denunciou tinha “boas intenções” e queria desestabilizar uma candidatura. A grande imprensa ainda é atora. Não sou contra a imprensa, pelo contrário, quanto mais se difunde a possibilidade de comunicação, mais ela está ao alcance da participação popular. A grande imprensa ainda tem a sua parcela de influência, mas não é mais a mesma que forma a opinião pública

IHU On-Line – E as pesquisas eleitorais interferem na formação de opinião e decisão de voto para muitos brasileiros?

Luiz Demétrio Valentini – São instrumentos importantes e indispensáveis, contanto que sejam feitos sem tendências. Foi clara a tentativa de, ao longo do processo eleitoral, apresentar estatísticas que favoreciam mais um candidato do que outro. Houve tentativa de distorcer o resultado das pesquisas, ainda mais quando há institutos de pesquisas que estão comprometidos com uma posição eleitoral.

IHU On-Line – Que fatos relevantes o senhor destaca nesta campanha eleitoral?

Luiz Demétrio Valentini – Penso que a presença da internet é um fator que não estava na contabilidade de ninguém, mas que está emergindo e traz sérias preocupações. Somente o exercício esclarecido da cidadania pode enfrentar os problemas suscitados por esse novo meio de comunicação que possibilita difundir largamente denúncias injustas. Não se trata de coibir, mas de neutralizar a informação com a apresentação de conteúdos verdadeiros, mostrando e desautorizando quem difunde inverdades, posições inventadas e acusações gratuitas.

IHU On-Line - O que leva o senhor a acreditar que estamos caminhando rumo a um processo político promissor no Brasil?

Luiz Demétrio Valentini – Questiono firmemente a tentativa de manipular o outro. O voto é um instrumento melhor, um aprimoramento democrático, quando o eleitor percebe que são eleitos aqueles indicados pelo voto. Por isso, toda a legislação deve fortalecer a liberdade do voto. De modo que, a prática democrática do voto é o melhor instrumento que temos. Precisamos batalhar para que as campanhas sejam oportunidade de esclarecimento da consciência dos eleitores. A batalha pelo voto é a grande batalha pela democracia.

Fonte: IHU - Unisinos

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

ATÉ QUANDO? BASTA JÁ




Belo Horizonte tem um caso de estupro por dia


Somente no primeiro semestre deste ano, a Polícia Civil de Belo Horizonte registrou 184 casos de estupro, o que equivale a um caso por dia. Os números, que fazem parte de uma estatística da Secretaria de Defesa Social (Seds), representam um aumento de 87,75% se comparado ao registrado nesse mesmo período do ano passado, quando 98 ocorrências chegaram ao conhecimento das autoridades.
O aumento, segundo a delegada Margaret de Freitas, da Delegacia Especializada de Crimes contra a Mulher, pode estar relacionado a dois fatores: coragem das vítimas para denunciar as agressões, ou a uma mudança do Código Penal, que, desde agosto do ano passado, considera, por exemplo, o atentado violento ao pudor como crime de estupro. Além disso, antes dessa mudança, somente as mulheres eram consideradas vítimas de estupro e, hoje, com a nova legislação, os homens também fazem parte da estatística.

Sendo assim, ainda segundo a delegada, o aumento no número de casos não deve causar um alarde entre as mulheres, principais vítimas desse tipo de crime. No entanto, ela ressalta a importância de que elas fiquem em alerta para evitar situações de risco, como, por exemplo, andar sozinhas em locais ermos e perigosos.

Para a delegada, os números registrados este ano poderiam ser ainda maiores se todas as vítimas denunciassem seus agressores. “Ainda percebemos que, por medo, muitas das vítimas deixam de relatar o caso à polícia.

Fonte: http://www.otempo.com.br/

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Seminário em Salvador (BA): MULHERES NA BATALHA PELA CIDADANIA. DIALOGANDO SOBRE A MERCANTILIZAÇÃO DOS CORPOS



Em comemoração aos 10 anos, o Projeto Força Feminina realiza o Seminário: Mulheres na Batalha pela Cidadania: Dialogando sobre a Mercantilização dos Corpos

O seminário tem como objetivo possibilitar à sociedade o conhecimento da realidade, dos desafios e contrastes em que estão inseridas as mulheres em situação de prostituição e sensibilizar a organismos públicos, sociais, eclesiais e acadêmicos para tal questão. Tem como principais eixos temáticos as questões de gênero, o contexto da Prostituição e a Cidadania.

Acontecerá nos dia 10, 11 e 12 de novembro de 2010.

Incio das inscrições - 01 de outubro (1kg de alimento não-perecível).
Enviar ficha de inscrição para o e-mail: 10anospffinscricao@gmail.com  até o dia 05 de novembro.

Maiores Informações: (71) 3322-5432
Blog: http://mulheresecidadania.wordpress.com
secretariapff@oblatas.org.br

Matéria não existe, tudo é energia


Leonardo Boff

O título deste artigo diz uma obviedade para quem entendeu minimamente a teoria da relatividade de Einstein pela qual se afirma ser matéria e energia equivalentes. Matéria é energia altamente condensada que pode ser liberada como o mostrou, lamentavelmente, a bomba atômica. O caminho da ciência percorreu, mais ou menos, o seguinte percurso: da matéria chegou ao átomo, do átomo, às partículas subatômicas, das partículas subatômicas, aos “pacotes de onda” energética, dos pacotes de onda, às supercordas vibratórias, em 11 dimensões ou mais, representadas como música e cor. Assim um elétron vibra mais ou menos quinhentos trilhões de vezes por segundo. Vibração produz som e cor. O universo seria, pois, uma sinfonia de sons e cores. Das supercordas chegou-se, por fim, à energia de fundo, ao vácuo quântico.

Neste contexto, sempre lembro de uma frase dita por W.Heisenberg, um dos pais da mecânica quântica, num semestre que deu na Universidade de Munique em 1968, que me foi dado seguir e que ainda me soa aos ouvidos : “O universo não é feito por coisas mas por redes de energia vibracional, emergindo de algo ainda mais profundo e sutil”. Portanto, a matéria perdeu seu foco central em favor da energia que se organiza em campos e redes.

Que é esse”algo mais profundo e sutil” de onde tudo emerge? Os físicos quânticos e astrofísicos chamaram de “energia de fundo” ou “vácuo quântico”, expressão inadequada porque diz o contrário do que a palavra “vazio” significa. O vácuo representa a plenitude de todas as possíveis energias e suas eventuais densificações nos seres. Dai se preferir hoje a expressão pregnant void “o vácuo prenhe” ou a“fonte originária de todo o ser” Não é algo que possa ser representado nas categorias convencionais de espaço-tempo, pois é algo anterior a tudo o que existe, anterior ao espaço-tempo e às quatro energias fundamentais, a gravitacional, a eletromagnética, a nuclear fraca e forte.

Astrofísicos imaginam-no como uma espécie de vasto oceano, sem margens, ilimitado, inefável, indescritível e misterioso no qual, como num útero infinito, estão hospedadas todas as possibilidades e virtualidades de ser. De lá emergiu, sem que possamos saber porquê e como, aquele pontozinho extremamente prenhe de energia, inimaginavelmente quente que depois explodiu (big bang) dando origem ao nosso universo. Nada impede que daquela energia de fundo tenham surgido outros pontos, gestando também outras singularidades e outros universos paralelos ou em outra dimensão.

Com o surgimento do universo, irrompeu simultaneamente o espaço-tempo. O tempo é o movimento da flutuação das energias e da expansão da matéria. O espaço não é o vazio estático dentro do qual tudo acontece mas aquele processo continuamente aberto que permite as redes de energia e os seres se manifestarem. A estabilidade da matéria pressupõe a presença de uma poderosíssima energia subjacente que a mantém neste estado. Na verdade, nós percebemos a matéria como algo sólido porque as vibrações da energia são tão rápidas que não alcançamos percebê-las com os sentidos corporais. Mas para isso nos ajuda a física quântica, exatamente porque se ocupa das partículas e das redes de energia, que nos rasgam esta visão diferente da realidade.

A energia é e está em tudo. Sem energia nada poderia subsistir. Como seres conscientes e espirituais, somos uma realização complexíssima, sutil e extremamente interativa de energia.

Que é essa energia de fundo que se manifesta sob tantas formas? Não há nenhuma teoria científica que a defina. De mais a mais, precisamos da energia para definir a energia. Não há como escapar desta redundância, notada já por Max Planck.

Esta Energia talvez constitua a melhor metáfora daquilo que significa Deus, cujos nomes variam, mas que sinalizam sempre a mesma Energia subjacente. Já o Tao Te Ching (§ 4) dizia o mesmo do Tao: ”o Tao é um vazio em turbilhão, sempre em ação e inexaurível. É um abismo insondável, origem de todas as coisas e unifica o mundo”.

A singularidade do ser humano é poder entrar em contacto consciente com esta Energia. Ele pode invocá-la, acolhê-la e percebê-la na forma de vida, de irradiação e de entusiasmo.

Fonte: http://www.alainet.org/

Balanço inicial do primeiro turno

Por Emir Sader

A esquerda teve o melhor resultado eleitoral de sua história: Dilma em primeiro lugar, governadores no Rio Grande do Sul, na Bahia, em Pernambuco, no Ceará, no Espírito Santo, Sergipe, Acre, boas possibilidades no Distrito Federal, possibilidades ainda no Pará, limpa impressionante e renovação com grande bancada no Senado, maiores aumentos nas bancadas parlamentares na Câmara.

A frustração veio da expectativa criada pelas pesquisas de uma eventual vitória no primeiro turno para presidente. Uma análise mais precisa é necessária, a começar pelo altíssimo numero de abstenções e também dos votos nulos e brancos que, somados, superam um quarto do eleitorado. Mas também dos efeitos das campanhas de difamação – sobre o aborto, luta contra a ditadura, etc., assim como o efeito que o caso da Erenice efetivamente teve para diminuir o resultado final da Dilma.

A votação da Marina certamente influenciou. A leitura desse eleitorado é complexa, nem de longe se trata de onda ecológica no Brasil – as outras votações dos verdes foram inexpressivas. Juntaram-se varias coisas, desde votos verdes, esquerda light, até votos anti-Dilma, votos desencantados com o Serra, entre outros. Mas o montante alto requer uma análise mais precisa.

Para o segundo turno contam esses votos: mais da metade concentrados em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, além do DF, onde ela ficou em primeiro lugar. Qualquer que seja a decisão de apoio no segundo turno – a convocação de assembléias para definir deve confirmar a tendência a abstenção, tornando mais difícil a operação política da direção de apoiar Serra -, esse eleitorado se orientará, em grande medida, não pela decisão partidária, ficando disponível para os outros candidatos. Em 2006, nem o PSol conseguiu que seus votos deixassem de ir para outros candidatos, desobedecendo a orientação do voto em branco.

É uma ilusão considerar que o segundo turno é outra eleição. É a continuação do primeiro, em novas condições – de bipolarização. A campanha deve ser dirigida diretamente por Lula, deve ser centrada na comparação dos governos do FHC e do Lula, deve ter uma estratégia específica para o eleitorado da Marina e deve multiplicar os comícios e outros atos de massa – um diferencial importante entre as duas candidaturas.

Em 2006 o segundo turno foi muito importante para dar um caráter mais definido à polarização com os tucanos, o mesmo deve se dar agora. Que ele multiplique a votação e a mobilização, para tornar mais forte ainda a vitória da Dilma. Ela é favorita, mas devemos precaver-nos das manobras dos adversários, do uso da imprensa, das campanhas difamatórias.

Pode ser um segundo turno de polarização mais clara também, porque os debates diluíam os temas, na medida em que havia um coro de 3 candidatos colocando ênfase nas denúncias. Não soubemos colocar como agenda central o fato de que o Brasil se tornou menos injusto, menos desigual, com Lula, e que esse é o caminho central a seguir.

Outros temas do primeiro turno abordaremos em outros artigos. Este é para abrir a discussão com todos.





Fonte: www.cartamaior.com.br