quinta-feira, 21 de julho de 2016

Queimada por ex e após 224 cirurgias, jovem combate violência

Bárbara Penna, vítima de violência doméstica, foi queimada e jogada da janela pelo ex-companheiro (Foto: Rafaella Fraga/G1)
 Espancada, queimada e jogada da janela pelo ex-companheiro em 2013, em Porto Alegre, Bárbara Penna, 21, já passou por 224 cirurgias –e precisa de mais sete. Seus dois filhos e um vizinho que tentou salvá-los morreram asfixiados no incêndio.


O agressor, João Guatimozin Moojen Neto, 25, está preso, mas ainda não foi julgado –ele confessou o crime. Um instituto com o nome dela será lançado para ajudar mulheres vítimas de violência doméstica e sua história irá virar documentário.

Nasci em Goiânia e me mudei para Porto Alegre aos quatro anos, por causa do trabalho do meu pai, advogado.

Conheci o João em 2011, aos 16, pelo Orkut. Tinha acabado de perder meu pai e estava grávida de seis meses da minha filha, que o João registrou no nome dele. Vivia em situação precária com a minha mãe, e ela me expulsou de casa devido à gravidez.

Conheci a mãe dele, e ela me deu a primeira roupinha para a minha filha, quando eu já estava quase dando à luz. Fui acolhida. Pensei: “É essa família que eu quero”.

Ele começou a demonstrar muito ciúmes depois que ganhei minha filha porque emagreci. Deixava de ir à escola e de trabalhar para me vigiar.
As primeiras agressões eram verbais. Ele me humilhava. Dizia que merecia ficar feia e quebrava minha chapinha. Terminamos várias vezes, mas eu não tinha para onde ir.

Meu segundo filho nasceu prematuro de sete meses em 2013. Ele não me batia grávida, mas me dava beliscões.

Ele reclamava até do trajeto para buscar minha filha, Isadora, que ficava na creche porque eu passava o dia todo no hospital. Meu filho ficou dois meses na UTI. Ele não aceitava que eu tinha que sair.

Ele deixou a casa da mãe ao nos separarmos e foi morar com a avó, no apartamento onde tudo aconteceu. Ele usava drogas e escondia isso.

Lembro que me ligou para ir ao apartamento, quando a avó estava fora, porque queria ver os filhos. O Henrique tinha três meses. “Ele está mudando, quer ficar com os filhos.” Não vi maldade e fui.

A AGRESSÃO

Discutimos. Ele quis voltar e fui dormir. Era madrugada, meus filhos já estavam dormindo no quarto. Fui para a sala deitar no sofá-cama. Acordei com ele me espancando, meu nariz sangrava. Ele me arrastou pelo cabelo.

Tentei ligar para a polícia, e ele quebrou o telefone. “Para! Eu te perdoo.” Falei isso para ele se acalmar, para eu pensar em como salvar meus filhos. “Cala a boca que eu vou te matar”, ele respondeu.

Ele me obrigou a deitar de bruços e sentou nas minhas costas. Puxava minha cabeça para quebrar meu pescoço. Desmaiei e acordei com o calor. Ele jogou álcool na minha cara e riscou o fósforo.

Levantei desesperada e ele me empurrou de volta para as chamas do sofá. Eu gritava. Consegui levantar e vi ele espalhar álcool pela casa.

Gritei por socorro. Fui na janela, em chamas, e ele me jogou de lá. Embaixo, caída, gritava pelos meus filhos e vi ele se aproximando. Gritei para tirarem ele de perto. Ele viu que eu estava viva e me acusou de tentar matar todos.

Fui colocada na ambulância com ele, que ficou rindo. Ele não tinha fratura, nada. Cheguei ao hospital, dei meu depoimento, e ele confessou.

Tive 40% do corpo queimado. Calcanhares, tornozelos e vértebras ficaram quebrados, e o crânio, afundado. Sofri duas paradas cardíacas.

Eu passei por 224 cirurgias e faltam, no mínimo, sete. Fiquei em coma por quase dois meses, tive infecção generalizada. Soube da morte dos meus filhos pouco antes de ter alta, quatro meses depois.

Quando perguntei, me disseram que eles estavam bem. Achei que logo veria eles, por isso sobrevivi. Se tivessem me falado antes, não teria forças.

A família dele nunca pediu desculpa ou ofereceu ajuda. Ele está preso, ainda não foi julgado. Vi ele em duas audiências, e ele mostrou arrependimento. Não aceitaria desculpas. Sou ameaçada de morte pelo pai dele. Por isso, estou sempre com alguém.

RECUPERAÇÃO

A cirurgia que mais preciso é para pôr prótese de cerâmica –que o SUS não fornece– no fêmur, para poder voltar a caminhar e trabalhar.

Preciso reconstituir a orelha direita, colocar fluído na cabeça para voltar a nascer cabelo, de um transplante de córnea, porque perdi 60% da visão do olho direito, e de reparação das queimaduras.

Descobri que não sou a única e decidi não ser mais uma. Um documentário sobre mim está sendo feito. Em setembro farei palestra ao lado da Maria da Penha [cujo caso inspirou lei homônima], num congresso em Salvador.

Lá, será lançado o Instituto Bárbara Penna (IBP) para auxiliar mulheres como eu.

Quero Justiça pelos meus filhos, pelo vizinho que morreu e por mulheres e crianças que sofrem e não têm voz. Tem dias que só quero ficar deitada chorando, mas consigo ter força por todas nós.

Fonte: Folha de S.Paulo

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