Bárbara Penna, vítima de
violência doméstica, foi queimada e jogada da janela pelo ex-companheiro (Foto:
Rafaella Fraga/G1)
O agressor, João Guatimozin
Moojen Neto, 25, está preso, mas ainda não foi julgado –ele confessou o crime.
Um instituto com o nome dela será lançado para ajudar mulheres vítimas de
violência doméstica e sua história irá virar documentário.
Nasci em Goiânia e me mudei para
Porto Alegre aos quatro anos, por causa do trabalho do meu pai, advogado.
Conheci o João em 2011, aos 16,
pelo Orkut. Tinha acabado de perder meu pai e estava grávida de seis meses da
minha filha, que o João registrou no nome dele. Vivia em situação precária com
a minha mãe, e ela me expulsou de casa devido à gravidez.
Conheci a mãe dele, e ela me deu
a primeira roupinha para a minha filha, quando eu já estava quase dando à luz.
Fui acolhida. Pensei: “É essa família que eu quero”.
Ele começou a demonstrar muito
ciúmes depois que ganhei minha filha porque emagreci. Deixava de ir à escola e
de trabalhar para me vigiar.
As primeiras agressões eram
verbais. Ele me humilhava. Dizia que merecia ficar feia e quebrava minha
chapinha. Terminamos várias vezes, mas eu não tinha para onde ir.
Meu segundo filho nasceu
prematuro de sete meses em 2013. Ele não me batia grávida, mas me dava
beliscões.
Ele reclamava até do trajeto para
buscar minha filha, Isadora, que ficava na creche porque eu passava o dia todo
no hospital. Meu filho ficou dois meses na UTI. Ele não aceitava que eu tinha
que sair.
Ele deixou a casa da mãe ao nos
separarmos e foi morar com a avó, no apartamento onde tudo aconteceu. Ele usava
drogas e escondia isso.
Lembro que me ligou para ir ao
apartamento, quando a avó estava fora, porque queria ver os filhos. O Henrique
tinha três meses. “Ele está mudando, quer ficar com os filhos.” Não vi maldade
e fui.
A AGRESSÃO
Discutimos. Ele quis voltar e fui
dormir. Era madrugada, meus filhos já estavam dormindo no quarto. Fui para a
sala deitar no sofá-cama. Acordei com ele me espancando, meu nariz sangrava.
Ele me arrastou pelo cabelo.
Tentei ligar para a polícia, e
ele quebrou o telefone. “Para! Eu te perdoo.” Falei isso para ele se acalmar,
para eu pensar em como salvar meus filhos. “Cala a boca que eu vou te matar”,
ele respondeu.
Ele me obrigou a deitar de bruços
e sentou nas minhas costas. Puxava minha cabeça para quebrar meu pescoço.
Desmaiei e acordei com o calor. Ele jogou álcool na minha cara e riscou o
fósforo.
Levantei desesperada e ele me
empurrou de volta para as chamas do sofá. Eu gritava. Consegui levantar e vi
ele espalhar álcool pela casa.
Gritei por socorro. Fui na
janela, em chamas, e ele me jogou de lá. Embaixo, caída, gritava pelos meus
filhos e vi ele se aproximando. Gritei para tirarem ele de perto. Ele viu que eu
estava viva e me acusou de tentar matar todos.
Fui colocada na ambulância com
ele, que ficou rindo. Ele não tinha fratura, nada. Cheguei ao hospital, dei meu
depoimento, e ele confessou.
Tive 40% do corpo queimado.
Calcanhares, tornozelos e vértebras ficaram quebrados, e o crânio, afundado.
Sofri duas paradas cardíacas.
Eu passei por 224 cirurgias e
faltam, no mínimo, sete. Fiquei em coma por quase dois meses, tive infecção
generalizada. Soube da morte dos meus filhos pouco antes de ter alta, quatro meses
depois.
Quando perguntei, me disseram que
eles estavam bem. Achei que logo veria eles, por isso sobrevivi. Se tivessem me
falado antes, não teria forças.
A família dele nunca pediu
desculpa ou ofereceu ajuda. Ele está preso, ainda não foi julgado. Vi ele em
duas audiências, e ele mostrou arrependimento. Não aceitaria desculpas. Sou
ameaçada de morte pelo pai dele. Por isso, estou sempre com alguém.
RECUPERAÇÃO
A cirurgia que mais preciso é
para pôr prótese de cerâmica –que o SUS não fornece– no fêmur, para poder
voltar a caminhar e trabalhar.
Preciso reconstituir a orelha
direita, colocar fluído na cabeça para voltar a nascer cabelo, de um
transplante de córnea, porque perdi 60% da visão do olho direito, e de
reparação das queimaduras.
Descobri que não sou a única e
decidi não ser mais uma. Um documentário sobre mim está sendo feito. Em
setembro farei palestra ao lado da Maria da Penha [cujo caso inspirou lei
homônima], num congresso em Salvador.
Lá, será lançado o Instituto
Bárbara Penna (IBP) para auxiliar mulheres como eu.
Quero Justiça pelos meus filhos,
pelo vizinho que morreu e por mulheres e crianças que sofrem e não têm voz. Tem
dias que só quero ficar deitada chorando, mas consigo ter força por todas nós.
Fonte: Folha de S.Paulo
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