“Não é possível contar a história
da Ressurreição sem falar também de ‘Maria, a de Magdala’”. Foi essa mulher
que, depois de ir ao túmulo onde Jesus havia sido depositado depois da
crucificação, “viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo e saiu correndo”,
como relata o Evangelho, para se encontrar os discípulos e lhes contar a grande
notícia.
Segundo Chris Schenk,
diretora-executiva da FutureChurch (futurechurch.org), organização
norte-americana de renovação da Igreja, essa é a grande importância e o legado
de Maria Madalena, uma das primeiras místicas do cristianismo que viveu “a
experiência da Ressurreição”.
Em entrevista por e-mail à IHU
On-Line, Chris busca desmontar por inteiro qualquer referência negativa a Maria
Madalena: “Não há nada nas Escrituras que sustente a ideia de que ela era uma
prostituta” e, “se Maria de Magdala fosse a esposa de Jesus e a mãe de seu
filho, é altamente improvável que esses textos teriam omitido esses fatos
importantes”.
Ao contrário, para a religiosa da
congregação das Irmãs de São José, Madalena foi a principal testemunha da
Ressurreição e “uma líder feminina que entendeu a missão de Jesus melhor do que
os discípulos homens”. “Curiosamente – afirma –, a Igreja Oriental nunca a
identificou como uma prostituta, mas honrou-a ao longo da história como ‘a
Apóstola dos Apóstolos’”.
Chris Schenk, CSJ, é religiosa da
congregação das Irmãs de São José e diretora-executiva da FutureChurch
(futurechurch.org), organização norte-americana de renovação da Igreja, que
atua pela plena participação de todos católicos e católicas em todos os
aspectos da vida e do ministério da Igreja.
É mestre em Obstetrícia e
Teologia e, com a assistência da equipe da FutureChurch, desenvolve e
administra programas nacionais de base, incluindo questões como a mulher na
liderança da Igreja e no mundo, o futuro do ministério sacerdotal e a situação
das paróquias dos EUA. Durante os últimos 15 anos, a FutureChurch tem
trabalhado para restaurar a consciência sobre Santa Maria de Magdala como a
primeira testemunha da Ressurreição e uma respeitada líder da Igreja primitiva.
Em 2011, mais de 340 celebrações de Santa Maria de Magdala foram realizadas,
incluindo 36 celebrações internacionais, inclusive no Brasil. Em 2007 e 2008,
Schenk coordenou uma ação internacional para “pôr novamente as mulheres no
quadro bíblico” no Sínodo sobre a Palavra. Isso resultou no maior número
mulheres da história a participar de um sínodo do Vaticano, em um total de
seis, que atuaram como consultoras teológicas para os padres sinodais.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que sabemos sobre
a vida de Maria Madalena? Quem foi essa mulher que seguiu Jesus, alcunhada com
expressões tão díspares quanto “prostituta e esposa de Jesus” e “discípula
amada e apóstola dos apóstolos”?
Chris Schenk – Mesmo que Maria de
Magdala seja a segunda mulher mais frequentemente nomeada no Novo Testamento
depois de Maria, a mãe de Jesus, o que sabemos sobre ela é bastante limitado,
estando confinado aos textos dos Evangelhos canônicos e ao que pode ser
deduzido de como ela é retratada em uma série de textos canônicos extras. No
entanto, é impressionante o quanto os estudiosos bíblicos podem nos dizer sobre
ela, mesmo a partir desses dados esparsos. Por exemplo, todos os quatro
Evangelhos retratam-na como líder do grupo de mulheres que testemunhou por
primeiro os eventos que cercam a Ressurreição. Todos os quatro descrevem-na
exatamente com a mesma frase: “Maria, a de Magdala”. Os estudiosos chamam isso
de atestado múltiplo, o que significa que há evidências históricas confiáveis
de que ela existiu e que não é possível contar a história da Ressurreição sem
falar também de “Maria, a de Magdala”.
Em Lucas 8, 1-3 ficamos sabendo
que, com Joana, esposa de um alto funcionário de Herodes, Cuza, e Susana, Maria
de Magdala “e muitas outras mulheres” acompanhavam Jesus e os discípulos homens
pela Galileia e “os ajudavam com seus bens” . Esse pequeno texto nos diz muito
mais do que pode parecer, a princípio, para os nossos ouvidos do século XXI,
que não entendem os costumes sociais que cercavam as mulheres no judaísmo
palestino do primeiro século.
Para começar, as mulheres muito
raramente eram nomeadas em textos antigos. Se elas são nomeadas é porque tinham
alguma proeminência social e, mesmo assim, na maioria das situações, elas são
nomeadas em relação aos homens presentes em suas vidas, tais como seus maridos,
pais ou irmãos. As mulheres eram consideradas como parte da família patriarcal,
e era raro para elas ter uma identidade separada da de um parente do sexo
masculino. Assim, vemos Joana, a esposa do alto funcionário de Herodes, Cuza.
Herodes é o rei. Joana faz parte de uma família rica pertencente a Cuza.
Mas quando Maria de Magdala é
identificada, ela é nomeada pelo povoado de onde ela veio, não em relação a um
parente do sexo masculino. Os estudiosos bíblicos acreditam que isso significa
que Maria de Magdala era uma mulher rica de recursos independentes. E, com
Joana e Susana (sobre quem, infelizmente, sabemos muito pouco), essas mulheres
eram apoiadoras financeiras proeminentes da missão de Jesus na Galileia.
Assim começou uma longa história
de patrocínio das mulheres que ajudou o cristianismo a se espalhar de forma
relativamente rápida por todo o mundo mediterrâneo. Por exemplo, sabemos que
Paulo tinha muitas benfeitoras ricas, como Lídia e Febe, que apoiavam
financeiramente o seu ministério e o apresentaram a uma ampla gama de relações
sociais no mundo dos gentios que, de outras formas, ele não teria tido acesso.
Inclusão de mulheres
A inclusão de mulheres por parte
de Jesus em seu discipulado itinerante pela Galileia não é nada menos do que
notável. No judaísmo palestino, os judeus observantes homens não falavam
publicamente com as mulheres de fora do seu círculo de parentesco, e muito
menos lhes era permitido viajar com eles em público em uma comitiva de gênero
misto. Embora a observância dos costumes judaicos fosse provavelmente menos
estrita na Galileia do que em Jerusalém, eu acredito que a paixão de Jesus por
proclamar o reino de Deus de justiça e de relações justas era tal que
transcendia costumes, e ele sabia que a sua missão dada por Deus estava voltada
para as mulheres assim como para os homens.
As discípulas de Jesus muitas
vezes ultrapassaram seus irmãos discípulos em termos de fidelidade à sua
pessoa, particularmente em eventos em torno da paixão e morte dele. Enquanto os
Evangelhos nos dizem que os discípulos homens fugiram para a Galileia, as
mulheres ficaram do lado de Jesus ao longo da crucificação, morte, sepultamento
e Ressurreição. É por isso que todos os quatro Evangelhos mostram as mulheres
como as primeiras testemunhas. Elas sabiam onde Jesus havia sido sepultado. E
as mulheres foram, então, incumbidas a “ir e a contar aos seus irmãos” a boa
notícia da vitória de Jesus sobre a morte.
O fato de a mensagem da
Ressurreição ter sido confiada por primeiro às mulheres é considerado pelos
estudiosos das Escrituras como uma forte prova da historicidade dos relatos da
Ressurreição. Se os relatos da Ressurreição de Jesus tivessem sido fabricados,
as mulheres nunca teriam sido escolhidas como testemunhas, já que a lei judaica
não reconhecia o testemunho de mulheres.
Escritos cristãos extracanônicos
antigos mostram comunidades de fé inteiras crescendo em torno do ministério de
Maria de Magdala, nos quais ela é retratada como alguém que compreende a
mensagem de Jesus melhor do que Pedro e os discípulos homens. Os estudiosos nos
dizem que esses escritos não são sobre as pessoas históricas de Maria e de
Pedro, mas refletem, sim, tensões sobre os papeis de liderança das mulheres na
Igreja primitiva. Líderes proeminentes como Maria e Pedro foram evocados para
justificar pontos de vista opostos.
O que não é contestado é a
representação de Maria de Magdala como uma importante mulher líder e testemunha
das primeiras igrejas cristãs.
IHU On-Line – Em seu artigo Mary
of Magdala, Apostle to the Apostles , você diz, entre outras coisas, que Maria
Madalena “não era uma prostituta”. Em sua opinião, o que levou a essa confusão
em torno da figura de Maria Madalena?
Chris Schenk – Uma explicação é
uma leitura errônea comum do Evangelho de Lucas, que nos diz “sete demônios
saíram dela” (Lucas 8, 1-3). Para os ouvidos do primeiro século, isso
significava apenas que Maria tinha sido curada de uma doença grave, e não que
ela era pecadora. Segundo biblistas como a Ir. Mary Thompson, a doença era
comumente atribuída ao trabalho dos espíritos maus, e não associada com a
pecaminosidade pessoal. O número sete simboliza que a sua doença era crônica ou
muito grave.
Além disso, como o conhecimento
das muitas discípulas de Jesus desapareceu da memória histórica, suas histórias
se misturaram e se borraram. A terna unção de Maria de Betânia antes da paixão
de Jesus estava ligada à mulher “conhecida por ser uma pecadora”, cujas
lágrimas lavaram e ungiram os pés de Jesus na casa de Simão. Os textos de unção
combinaram todas essas mulheres em uma só pecadora público-genérica:
“Magdalena”. A identificação equivocada de Maria como uma pecadora pública
reformada alcançou um status oficial com uma poderosa homilia sobre o perdão do
Papa Gregório Magno (540-604).
Doravante, Maria de Magdala se
tornou conhecida no Ocidente não como a forte mulher líder que acompanhou Jesus
através de uma morte tortuosa, que testemunhou por primeiro a sua Ressurreição
e proclamou o Salvador Ressuscitado à Igreja primitiva, mas como uma mulher
devassa com necessidade de arrependimento e de uma vida de penitência escondida
(e de preferência em silêncio). Curiosamente, a Igreja Oriental nunca a identificou
como uma prostituta, mas honrou-a ao longo da história como “a apóstola dos
apóstolos”.
IHU On-Line – Por que podemos
falar de Maria Madalena como uma “mística”, com tão poucos elementos bíblicos
(pelo menos nos Evangelhos canônicos) sobre essa mulher de Magdala? Qual seria
a “mística” de Maria Madalena?
Chris Schenk – Embora não
saibamos exatamente como foi a experiência da Ressurreição para Maria de
Magdala, sabemos que ela teve uma experiência tão poderosa do Cristo
ressuscitado que a levou a correr para contar aos seus discípulos irmãos: “Eu
vi o Senhor”. Talvez bastante compreensivelmente, eles não acreditaram nela à
primeira vista. Mas, qualquer que tenha sido a experiência de Maria, eu gosto
de pensar que ela era uma mulher profundamente mudada, e que a mudança
observável provavelmente preparou o caminho para que os outros discípulos se
abrissem para receber as suas próprias experiências do Cristo ressuscitado.
Parece claro para mim que, embora
os discípulos tenham experimentado uma “corporalidade” de Cristo nessas
experiências da Ressurreição, não era a mesma de uma ressuscitação de uma
pessoa morta. Jesus estava vivo de fato e se deu a conhecer a eles, mas ele
também estava mudado o suficiente, tanto que eles não o reconheceram à primeira
vista. O Evangelho de João nos diz que Maria primeiramente o confundiu com o
jardineiro e, só depois de ouvir Jesus chamar o seu nome e literalmente
“virar-se” [para trás], é que ela o reconheceu. Os discípulos de Emaús (Lucas
24, 13-35) não reconheceram Jesus ao longo de toda aquela longa jornada,
somente no partir do pão. Assim, qualquer que tenha sido a experiência da
Ressurreição, ela não foi um reconhecimento direto, mas envolveu algum sentido
liminar e místico para além das nossas capacidades perceptivas usuais. É dessa
forma que eu acredito que Maria de Magdala pode ser considerada uma mística.
IHU On-Line – Nesse sentido, qual
é o significado mais profundo desse relato do momento mais memorável da
experiência mística de Maria Madalena, ou seja, o fato de ela ter sido a
primeira pessoa – e mulher – a testemunhar a Ressurreição?
Chris Schenk – Assim como muitas
mulheres antes de mim, eu experimentei uma “noite escura do patriarcado” depois
de perceber o quão íntima e profundamente toda a história ocidental (a única
história com a qual estou familiarizada) tornou as contribuições das mulheres
tudo, menos invisíveis.
O fato de Deus ter confiado por
primeiro a proclamação da Ressurreição a uma mulher me diz que, embora os seres
humanos discriminem, Deus não discrimina. Eu considero a inclusão das mulheres
no discipulado de Jesus na Galileia e o delicado equilíbrio de gêneros por
parte de Deus no evento da Ressurreição, que modificou o cosmos, profundamente
consoladores, especialmente agora, quando vemos um aparente ressurgimento do
medo do feminino entre muitos líderes homens da Igreja institucional.
IHU On-Line – Na história da
Igreja, outra Maria, a mãe de Jesus, ocupa um lugar central há séculos –
especialmente na América Latina. Que semelhanças e diferenças você vê entre
estas duas grandes figuras femininas do cristianismo, Maria, a mãe de Jesus, e
Maria Madalena?
Chris Schenk – Nossa... Esse é um
assunto que merece uma discussão muito mais longa e estudada do que a breve
resposta que eu sou capaz de dar aqui. Basta dizer que – assim como o
testemunho das primeiras líderes bíblicas independentes como Maria de Magdala,
Febe, Lídia, Ninfa, Prisca e até mesmo a Maria de Nazaré histórica foi ou
suprimido ou apagado da memória histórica –, elas foram substituídas por homens
líderes da Igreja que levantaram uma reflexão teológica sobre Maria como Virgem
Mãe por honra e reconhecimento.
Em Mary, the feminine face of the
Church, Rosemary Ruether compara a Maria bíblica com Maria de Magdala e as
outras discípulas que, como vimos, desempenham um papel central e às vezes não
convencional nos Evangelhos. Embora haja muitas evidências no Novo Testamento
sobre o papel de Maria de Magdala e das outras discípulas, a tradição da Igreja
glorificou Maria, a mãe de Jesus, como a mulher fiel que permaneceu lealmente
ao seu lado. Muitos estudiosos acreditam que o papel de Maria de Magdala foi
suprimido porque ela apresentava um modelo de liderança feminina independente
que os posteriores homens líderes da Igreja queriam evitar. Eles queriam evitar
esse modelo por causa da tensão na Igreja primitiva em torno do fato de
mulheres cristãs exercerem a liderança pública em uma cultura greco-romana que
acreditava que a liderança feminina só era apropriada em ambientes privados.
O culto à Virgem Maria
O culto à Virgem Maria ganhou
proeminência no século IV, quando o cristianismo estava se tornando a religião
obrigatória do Império Romano, cujo povo adorava Deus há muito tempo tanto na
metáfora masculina como feminina. Muitos estudiosos encontraram semelhanças
entre o culto à Maria e o culto à Grande Deusa Mãe (Ísis, Ártemis), proeminente
no mundo mediterrâneo no qual o cristianismo rapidamente se espalhou. A
glorificação e a veneração a Maria foram ao encontro de profundas necessidades
espirituais e psicológicas para um povo cujos corações estavam acostumados a
adorar a Deus com um rosto feminino. Estudiosos identificam muitas formas
concretas pelas quais essa adaptação aconteceu. Lagos e nascentes onde as
divindades femininas eram honradas passaram a ser associadas a Maria, a Virgem
Mãe. Santuários e templos à Deusa foram rededicados a Maria, Mãe de Deus.
Finalmente, como a teóloga Elizabeth Johnson observa, “não foi por acidente que
a doutrina do século V da Theotokos [Mãe de Deus] foi proclamada em Éfeso,
cidade famosa pela sua adoração entusiástica da deusa grega Diana” .
Esse fenômeno foi visto mais
recentemente, quando consideramos como a veneração de Nossa Senhora de
Guadalupe se espalhou rapidamente por todo o México, cujos povos nativos haviam
sido devastados muito recentemente pela conquista e pelas doenças dos invasores
espanhóis do século XVII. A compreensão indígena do sagrado não tinha nenhuma
categoria para qualquer ser divino que não incluísse também o feminino.
Tepeyec, o local da revelação guadalupana, era o antigo lugar da grande deusa
da terra Tonanzin. Tonanzin significa “mãe” na história nativa Nahuatl.
Finalmente, os povos nativos encontraram um ser divino com o qual eles poderiam
se relacionar. O Pe. Virgilio Elizondo fez esta tradução da mensagem de Nossa
Senhora de Guadalupe por meio de Juan Diego para o povo recentemente derrotado:
“Saibas e entendas tu, o menor dos meus filhos, que eu sou sempre Virgem Maria,
Mãe do verdadeiro Deus por quem se vive. Desejo vivamente que me seja erguido
aqui uma casita, para nele mostrar e dar todo o meu amor, compaixão, auxílio e
defesa a ti, a todos vós, a todos os moradores desta terra e aos demais que me
amam, que me invocam e em mim confiam. Ouvirei ali os seus lamentos e remediarei
todas as suas misérias, penas e dores” .
Elizabeth Johnson, CSJ, fala de
forma muito bela ao observar que uma das razões pelas quais Maria tem sido tão
importante na história da Igreja é que: “Maria tem sido um ícone de Deus. Para
inúmeros fiéis, ela tem funcionado no sentido de revelar o amor divino como
misericordioso, próximo, interessado, sempre pronto a ouvir e a responder às
necessidades humanas, confiável e profundamente atrativo, e tem feito isso em
um grau impossível quando se pensa em Deus simplesmente como um homem ou homens
de poder. Consequentemente, em devoção a ela como uma mãe compassiva que não
vai deixar que um de seus filhos se perca, o que realmente está sendo mediado é
uma experiência mais atraente de Deus?”
Então, embora seja uma tragédia
da história que, pelo menos até recentemente, as discípulas de Jesus e de São
Paulo ou foram apagadas da memória histórica ou degradadas a prostitutas em
favor do modelo totalmente puro e, no fim das contas, inacessível de Maria, a
virgem-mãe, o outro lado da moeda é que, de alguma maneira, Deus encontrou uma
forma de preservar o acesso humano ao divino feminino na experiência cristã. É
claro que o ensino oficial da Igreja nunca afirmou que Maria é divina, mas as
reflexões de muitos teólogos e as experiências de oração dos fiéis muitas vezes
sugerem que outra coisa está em ação.
De fato, Johnson encontra na
tradição mariana um “filão de ouro que pode ser ‘explorado’, a fim de recuperar
o imaginário e a linguagem femininas sobre o santo mistério de Deus”. Na
tradição mariana, sugere ela, “onde quer que a ultimidade do divino seja
evocada nas Escrituras, na doutrina ou na liturgia ou onde quer que a
ultimidade da confiança do fiel seja convocada, podemos supor que a realidade de
Deus está sendo nomeada em metáforas femininas” .
IHU On-Line – Como Maria Madalena
nos ajuda a pensar a liderança das mulheres na Igreja e na sociedade de hoje? É
possível chegar à igualdade de gênero na Igreja Católica?
Chris Schenk – Talvez o aspecto
mais importante da recuperação da memória histórica da liderança de Santa Maria
de Magdala é que as fiéis contemporâneas podem, pela primeira vez, se ver nas
histórias do Evangelho e na história da Igreja primitiva.
Quando eu era criança, eu tinha a
impressão, assim como quase todo mundo que eu conhecia, que era Jesus e os 12
homens que viajavam ao redor da Galileia fazendo o bem. Eu nunca via ninguém
que se parecesse comigo nos Evangelhos. As mulheres pareciam ser todas as
prostitutas, pecadoras, habitadas por demônios ou uma Mãe virgem. Nenhum desses
modelos a serem seguidos era muito atraente. Fiquei escandalizada quando eu
descobri, por meio dos meus estudos bíblicos, que Maria de Magdala foi a
primeira testemunha da Ressurreição e que não há nada nas Escrituras que
sustente a ideia de que ela era uma prostituta. Parecia uma grande injustiça o
fato de ser assim que uma grande mulher de fé como ela era lembrada na história
da Igreja, pelo menos na Igreja latina. E eu resolvi fazer algo a respeito.
Então, se nós, como Igreja,
podemos começar a ver que Jesus (e mais tarde São Paulo) incluiu mulheres que
eram líderes no seu discipulado mais próximo, isso leva à pergunta: “Bem, por
que a Igreja não pode incluir mulheres como líderes hoje?”. Atualmente, a Igreja
ensina que as mulheres são iguais. No entanto, nenhuma estrutura da Igreja lhes
permite exercer essa igualdade de forma alguma. Só homens podem eleger o Papa,
liderar dioceses, pastorear paróquias e pregar na Missa. Isso é uma grande
perda para a comunidade de fiéis, já que necessariamente sempre ouvimos o
Evangelho através da lente da experiência masculina. Estamos perdendo a
oportunidade de ouvir as grandes verdades da nossa fé através das lentes da
experiência feminina.
Todas as decisões na governança
da Igreja exigem a ordenação, e a Igreja ensina que as mulheres não podem ser
ordenadas. Portanto, temos ensinamentos conflitantes aqui. Eles não podem estar
ambos certos. É por isso que eu acredito que, no fim, teremos a igualdade
feminina na Igreja. Mas será uma longa luta e ela só virá através da graça de
Deus em ação, convertendo os homens tomadores de decisão (lembre-se, até São
Paulo se converteu) e sustentando as dezenas de milhares de mulheres e homens
que trabalham para essa igualdade de muitas e variadas formas nos nossos dias.
IHU On-Line – Como vimos, é
impossível entender Maria Madalena sem levar em conta sua relação com Jesus. O
que sabemos sobre a relação de Jesus com as mulheres em geral? Que sementes de
“mística feminina” já estão presentes na vida de Jesus ou na vida das mulheres
que o seguiram?
Chris Schenk – Isso é algo
interessante para se refletir. A partir dos Evangelhos, vemos que Jesus tinha
muitas amizades com mulheres, e não apenas com Maria de Magdala. Certamente,
Maria e Marta de Betânia eram amigas queridas, semelhante a uma família para
ele. Maria de Betânia assumiu o papel de estudante rabínico (tradicionalmente
reservado aos homens), sentando-se aos pés de Jesus para ouvir e aprender. Ele
se recusou a mandá-la embora, não obstante Marta tenha protestado. “Maria
escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”, diz Jesus (Lucas 10,
38-42). O Evangelho de João mostra Marta fazendo uma profissão de fé semelhante
à de Pedro quando Jesus a ordena a acreditar que seu irmão vai ressuscitar:
“Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele
que deve vir ao mundo” (João 11, 27).
O autor joanino também mostra que
Jesus se alimentou com a conversa teológica e a subsequente conversão da mulher
samaritana: “Eu tenho um alimento para comer, que vós não conheceis” (João 4,
32).
A mulher da unção – seja ela
Maria de Betânia, no Evangelho de João, ou a discípula anônima vista em Mateus
e Marcos – certamente entendeu a missão messiânica de Jesus melhor do que os
discípulos homens que a criticaram. A fé da mulher de que Jesus estava de fato
entrando em seu reino se mostrou pelo fato de ela ungir a cabeça de Jesus, um
ato semelhante à unção realizada pelo profeta Samuel, significando a realeza de
Davi. O gesto profético e amoroso dessa mulher deve ter sido muito
reconfortante para Jesus enquanto ele enfrentava a sua paixão e morte.
Não me sinto confortável com a
frase “mística feminina” neste contexto, já que a mística é mística e, em si
mesma, não tem gênero. Dito isso, o encontro humano com o divino provavelmente
pode ser influenciado pelo gênero do ser humano que só pode expressar tal
encontro por meio do veículo da sua humanidade masculina ou feminina. Por
exemplo, a mística São João da Cruz é expressa de forma diferente do que a de
Santa Teresa de Ávila. Ambos têm encontros místicos com o divino que expressam
em uma linguagem única, influenciada pela totalidade da sua humanidade, o que
inclui o seu gênero.
Nos Evangelhos, vemos muitos
exemplos de encontros de Jesus com o Divino. O Evangelho de Lucas (Lucas 4,
18-19) revela que Jesus modelou a sua missão a partir dos escritos dos
profetas. Primeiro, ele anuncia a sua missão de Deus na sinagoga da sua cidade
natal de Nazaré, citando Isaías 61, 1,2: “O Espírito do Senhor está sobre mim,
pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Nova aos pobres:
enviou-me para proclamar a libertação aos presos (…) para dar liberdade aos
oprimidos”. Isso nos diz que Jesus foi profundamente influenciado pelos
ensinamentos religiosos da sua própria tradição e encontrou a sua verdadeira
identidade por meio do que poderia ser chamado de um encontro místico com a
Justiça Divina, mediada pelos escritos de Isaías. Jesus passou o resto de sua
vida pública sendo fiel ao seu chamado a proclamar o reino de Deus onde a
justiça e a relação justa prevalecem, por fim, entre pobres e ricos, homens e
mulheres, soberano e sujeito, forte e fraco.
IHU On-Line – Outra figura de
destaque na história do cristianismo é Paulo de Tarso. Em sua opinião, quais as
semelhanças ou diferenças entre esse grande apóstolo da Igreja primitiva e a
“apóstola dos apóstolos”, Maria Madalena?
Chris Schenk – Tanto Maria de
Magdala quanto Paulo tiveram experiências do Cristo Ressuscitado que mudaram as
suas vidas. Essa é a grande semelhança.
A diferença é que as viagens e as
cartas missionárias de Paulo às primeiras comunidades em todo o mundo mediterrâneo
foram preservadas e fornecem um excelente retrato dos desafios reais
enfrentados pelos primeiros cristãos. Eles são os primeiros escritos cristãos
que temos.
Infelizmente, não temos nenhum
registro direto semelhante do que aconteceu na vida e no testemunho
subsequentes de Santa Maria de Magdala. Só podemos deduzir de fontes
extracanônicas que ela era lembrada em algumas comunidades primitivas como uma
proeminente líder mulher e discípula que compreendeu a missão de Jesus melhor
do que os seus irmãos.
As cartas de Paulo também
fornecem informações valiosas sobre a liderança coigual nas comunidades cristãs
primitivas. Romanos 16 nos fala sobre os “colaboradores em Cristo” de Paulo, o
casal Prisca e Áquila. O fato de Prisca ser nomeada primeira em quatro das seis
vezes em que o casal é citado no Novo Testamento nos diz que ela provavelmente
era a mais proeminente da dupla. Prisca e Áquila fundaram comunidades em
Corinto, Éfeso e Roma que serviram como base de evangelização em cada uma
dessas grandes cidades. Com Paulo, eles podem ser legitimamente chamados de
“apóstolos aos gentios”, porque, como o próprio Paulo diz: “Eu lhes sou
agradecido, e não somente eu, mas também todas as Igrejas fundadas entre os
gentios” (Romanos 16, 04). Paulo louva outro casal de missionários, Júnias e
seu marido Andrônico, como “apóstolos notáveis” (Romanos 16, 7). Júnia é a
única mulher no Novo Testamento a quem é dado o título de “apóstola”.
IHU On-Line – Maria Madalena e
Jesus coexistem no imaginário coletivo como um exemplo de um “amor proibido”,
especialmente devido ao “beijo na boca” narrado nos Evangelhos apócrifos ou à
dúvida sobre quem é a mulher que derrama “um perfume de nardo puro” nos pés de
Jesus. Como você analisa, inspirada em Madalena, a conexão entre erotismo,
sensualidade e mística?
Chris Schenk – Como disse
anteriormente, a minha interpretação dos textos sobre a unção não se baseia em
um erotismo místico, mas no significado profético da unção sobre a cabeça, como
Samuel fez quando ungiu o rei Davi.
Todos os quatro Evangelhos falam
sobre uma mulher que unge Jesus com um caro unguento perfumado. Em Mateus e
Marcos, a mulher unge a cabeça de Jesus, evocando o profeta Samuel. Quando ela
é criticada, Jesus a defende: “Onde for anunciado o Evangelho, no mundo
inteiro, será mencionado também, em sua memória, o que ela fez” [Marcos 14, 9].
Infelizmente, essa mulher jamais é lembrada, já que, nas leituras do Domingo de
Ramos, onde esse texto se encontra, ele é ou omitido ou tornado opcional.
Lucas retrata a mulher como uma
pecadora pública, cuja unção dos pés de Jesus significa a sua grande fé e
perdão. João mostra Maria ungindo os pés de Jesus no ambiente íntimo de
Betânia. Como o lava-pés era um ritual devocional central na comunidade
joanina, não é de se estranhar que João combina a história de Lucas da unção
dos pés de Jesus com antigas tradições de unção da sua cabeça. Em Mateus,
Marcos e João, a unção acontece pouco antes da prisão e paixão de Jesus.
Mas o que a unção significa? A
tradição mais antiga, que evoca a unção profética de Samuel, é a pista. Essa
discípula fiel entendeu a passagem de Jesus pela paixão e morte como a sua
entrada real ao reino messiânico onde a liderança servidora reinará para
sempre. O ato dela deve ter sido profundamente consolador para Jesus, enquanto
ele enfrentava a efusão final para a vida do mundo.
Nas palavras de Isaías: “Eis o
meu servo, dou-lhe o meu apoio. É o meu escolhido, alegria do meu coração. Pus
nele o meu espírito, ele vai levar o direito às nações”. Para os seguidores de
Jesus, a lavagem e a unção dos pés é uma estrada real que leva à vitória da
Justiça.
A publicação em 2002 de O Código
Da Vinci inflamou uma ampla polêmica em torno do verdadeiro papel de Maria de
Magdala. Infelizmente, o livro de Dan Brown, embora sendo uma narrativa
ficcional envolvente, fez um desserviço à Maria de Magdala histórica e a outras
líderes mulheres da Igreja primitiva. Apesar de O Código Da Vinci transmitir um
belo ideal da unidade essencial do masculino e feminino, ele é, em última análise,
subversivo à liderança plena e igualitária das mulheres na Igreja, porque se
centra na ficção do estado marital de Maria, em vez de se centrar no fato da
sua liderança em proclamar a Ressurreição de Jesus.
Não há dados históricos ou
bíblicos para sustentar a especulação de que Maria de Magdala era casada com
Jesus. A controvérsia de que os escritores antigos não mencionam o seu
casamento e sua prole por medo da perseguição judaica realmente não se
sustenta, porque o Evangelho de João e grande parte da literatura apócrifa
foram escritos depois da queda de Jerusalém, quando não haveria nada a temer
das autoridades judaicas. Se Maria de Magdala fosse a esposa de Jesus e a mãe
de seu filho, é altamente improvável que esses textos teriam omitido esses fatos
importantes, especialmente porque ela é retratada proeminentemente tanto como a
principal testemunha da Ressurreição quanto uma líder feminina que, de muitas
formas, entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens.
Se Jesus foi casado, não foi com
Maria de Magdala, porque então ela teria sido conhecida como “Maria, a esposa
de Jesus”, e não Maria de Magdala. Como vimos, convenções literárias e sociais
na Antiguidade ditavam que, quando as mulheres eram mencionados (uma ocorrência
muito rara), elas eram quase sempre nomeadas pela sua relação com a família
patriarcal, por exemplo: “Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes”
(Lucas 8, 1-3). De forma atípica, Maria de Magdala foi nomeada de acordo com a
cidade da qual ela provinha (não pela sua relação com um homem).
Mística, erotismo e sensualidade
Minha opinião sobre a conexão
entre erotismo e mística não se inspira naquilo que se pode saber da relação de
Maria de Magdala com Jesus, já que os dados históricos sobre um relacionamento
romântico é, no máximo, tênue.
Dito isso, eu acredito que há, de
fato, uma conexão entre erotismo e mística, e essa conexão pode ser facilmente
vista em muitos dos escritos e das experiências dos grandes místicos, como João
da Cruz e Teresa de Ávila.
A experiência do mistério do amor
de Deus é uma experiência profundamente humana. Somos Espíritos encarnados.
Outra forma de dizer isso, como um fisioterapeuta amigo meu disse uma vez, é
perceber que “nossos corpos são a parte mais densa do nosso Espírito”. Disso
segue-se que, em qualquer encontro com o divino, nossos corpos vão refletir
isso de alguma forma.
Para aqueles abençoados com
experiências consoladoras do amor de Deus, pode não ser incomum encontrar
nossos sentidos corporais tão cheios e consumados quanto depois de uma
expressão amorosa do amor sexual íntimo. Isso não quer dizer que a experiência
mística é o mesmo que o orgasmo sexual, mas sim que há uma satisfação na
totalidade do nosso eu que se parece com o grande mistério e prazer da satisfação
sexual humana. Alguns acham que essa satisfação divina é ainda mais
profundamente satisfatória.
As escrituras geralmente usam
metáforas esponsais para descrever o amor de Deus pelo seu povo. Certamente,
esse amor mais poderoso dos amores humanos é uma metáfora apropriada para
descrever o amor insuperável de Deus por cada pessoa e pelo mundo.
IHU On-Line – Você é
diretora-executiva da FutureChurch, com sede em Cleveland, que iniciou em 1997
uma celebração especial da festa de Maria de Magdala, no dia 22 de julho. Por
que essa data? Como é essa celebração e quais são seu significado e seu
propósito mais profundos?
Chris Schenk – Nós escolhemos o
dia 22 de julho porque é o dia da festa de Santa Maria de Magdala, celebrada
pela Igreja universal. As celebrações surgiram por causa da minha paixão por
esclarecer de uma vez por todas que Maria de Magdala não foi uma prostituta,
mas sim a primeira testemunha da Ressurreição.
As celebrações são organizadas
para apresentar aos católicos comuns o estudo bíblico contemporâneo sobre Santa
Maria de Magdala e de outras mulheres nas Escrituras. As definições da
cerimônia de oração também proporcionam um lugar em que mulheres competentes
podem pregar e presidir em funções litúrgicas visíveis.
O significado e propósito mais
profundos dessas celebrações é que tanto homens como mulheres aprendam sobre a
liderança das mulheres nos Evangelhos e experimentem o fato de mulheres
servirem em papéis de liderança sagrada, alguns pela primeira vez. Quando
começamos essas celebrações em Cleveland, Ohio, uma amiga trouxe o seu grupo de
mulheres das Alcoólicas Anônimas. Algumas dessas mulheres estavam em lágrimas
durante toda a celebração, porque era a primeira vez que se experimentavam como
igualmente santas e amadas por Deus em comparação com seus irmãos.
Foi assim que eu soube que
estávamos tocando algo muito profundo na psique feminina e, por extensão, na
psique masculina. Como nós, mulheres, raramente nos vemos nas Escrituras e
quase nunca vemos mulheres servindo em papéis sagrados no altar, nós muitas
vezes inconscientemente interiorizamos que temos menos valor e somos menos
amadas por Deus do que os nossos irmãos.
Eu acho que a Igreja Católica
jamais será curada do sexismo e da misoginia enquanto tanto as mulheres como os
homens experimentem o ministério a partir de mulheres e de homens. Todos nós
precisamos do ministério de ambos os gêneros.
IHU On-Line – Que outras mulheres
místicas você destacaria a partir das Escrituras ou da história do
cristianismo? Como essas mulheres nos ajudam a pensar a mística feminina na
contemporaneidade?
Chris Schenk – Esse é um assunto
muito extenso para abordar em profundidade aqui. Mas basta dizer que, ao longo
da história, as mulheres muitas vezes exerceram a liderança espiritual que lhes
era negada na Igreja institucional escrevendo sobre seus encontros místicos com
um Deus amoroso que conforta, consola e traz justiça.
Vemos isso nos escritos do século
XII de Hildegard de Bingen, que era uma visionária, vidente e curadora. Ela
ficava assombrada com a corrupção do seu próprio tempo: “Este tempo é um tempo
afeminado, porque a revelação da justiça de Deus é fraca. Mas a força da
justiça de Deus está se manifestando, uma guerreira lutando contra a injustiça,
para que esta possa cair derrotada” (Carta 23). Hildegard entendeu-se como essa
guerreira feminina, a personificação da justiça de Deus.
Teresa de Ávila foi uma
proeminente mística espanhola do século XVI que foi ameaçada pela Inquisição
por três vezes. Quando as pessoas citavam a prescrição paulina de que as
mulheres devem ficar em silêncio e nunca ter a pretensão de ensinar na Igreja
(1 Tim 2, 11-14), ela contestava com palavras que ela havia recebido de Jesus
em oração: “Diga-lhes que não sigam apenas uma parte da Escritura sozinha (…) e
pergunte-lhes se poderão, por ventura, atar minhas mãos” (Testemunhos
Espirituais, 15).
No final do século XIV, em um
tempo em que a guerra e a peste assolavam toda a Europa, Julian de Norwich
trouxe uma mensagem reconfortante para as pessoas aterrorizadas pela morte
súbita: Deus não odeia os pecadores, mas só tem amor e compaixão por eles.
Julian foi uma mística que experimentou uma cura milagrosa e teve visões que
lhe deram intuições sobre o amor de Jesus. Ela escreveu sobre isso em um livro
chamado Showings. Era um risco escrever sobre o amor de Deus em vez dos pecados
das pessoas, porque, naqueles dias, a Igreja considerava a minimização do
pecado uma heresia punível com a morte. Grande estudiosa e teóloga, Julian
também foi uma mulher corajosa e criativa que confiava completamente em um Deus
amoroso.
As mulheres de hoje têm acesso à
mesma formação teológica e bíblica que os homens. Isso permite que os fiéis dos
nossos dias apreendam o Deus-mistério através das lentes da experiência
feminina em uma linguagem que possa ser entendida tanto por homens como por
mulheres. Esse é um grande dom para a Igreja e está, de fato, abrindo novas
formas de compreensão e de apreciação do Mistério divino que, afinal de contas,
sempre será um mistério. Essa é para mim uma das coisas favoritas sobre Deus...
Sempre haverá mais para aprender, explorar e amar.
IHU On-Line – Em sua opinião,
considerando a atual situação social, socioeconômica e política, qual é o papel
da mística e da espiritualidade, especialmente feminina?
Chris Schenk – Eu acredito que,
como as mulheres muitas vezes têm experiência pessoal do que significa ser
suprimidas, oprimidas e deprimidas (para citar uma amiga minha), elas entendem
muito bem a importância de testemunhar o Deus de justiça e Jesus, que veio para
exaltar os humildes e libertar os oprimidos.
Se alguma vez for dada às
mulheres a oportunidade de pregar regularmente, eu suspeito que poderemos ouvir
muito mais sobre a paixão de Jesus pelo reino justo de Deus do que nós
atualmente ouvimos a partir da maioria dos púlpitos, em que os homilistas muitas
vezes pregam chavões piedosos, em vez de proclamar boas novas aos pobres.
A mística feminina, como qualquer
mística (e a mística é a experiência da maioria dos cristãos mais
comprometidos, embora eles nunca a nomeiem dessa forma), é chamada a ajudar a
trazer o reino justo de Deus aqui na terra, como no céu. Se você não acredita
em mim, apenas reveja a própria oração de Jesus, o Pai Nosso, que diz isso de
forma mais eloquente do que eu jamais poderia dizer.
A mística, então, também é
chamada a ser profeta. E o profeta não pode sobreviver sem uma comunicação
mística regular com Aquele que nos ama para além de toda a nossa compreensão e
que nos fortalece para além de todas as nossas fraquezas.
Fonte: (Por Moisés Sbardelotto) Ihu
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