53% das mulheres entrevistadas já
sofreram abuso sexual ou moral no ginecologista. Durante três meses, nossas
repórteres apuraram histórias de abuso em consultas ginecológicas.
Do Catraca Livre
Em 2014, Luisa* mudou de cidade e
passou a se consultar com sua ginecologista aos sábados, quando visitava os
pais em sua antiga casa. Um dia, a médica deixou de atender aos fins de semana
e indicou seu marido para substituí-la. A jovem, que não costumava se consultar
com homens, acabou aceitando a sugestão.
Logo no início da consulta, o
clima já estava estranho e o ginecologista questionou se ela tinha namorado.
Luisa* respondeu que sim, que era noiva, mas o profissional insistiu: “quantas
vezes vocês fazem sexo por semana?”. Em seguida, o médico pediu que ela
colocasse o avental com a abertura nas costas e “brincou” que o procedimento
era feito de forma diferente pois “gostava de ver a bunda de suas pacientes”.
Durante a consulta, o
ginecologista acariciou os seios da jovem, falando termos técnicos para tentar
confundi-la. E o pior ainda estava por vir. “Quando ele examinou minha vagina,
começou a me masturbar e disse que o modo como eu depilava meus pelos pubianos
era coisa de ‘mulher que gostava de sexo’”, relata.
Luisa* levantou da maca
rapidamente e colocou sua roupa. Na saída, o ginecologista a chantageou: “Quero
que fique claro que o que se passou aqui foi uma relação de médico e paciente.
Você vai sair daqui e vai viver sua vida sem falar nada. Depois, se quiser
voltar daqui um ano, estarei aqui. Melhor fazer dessa forma, já que vai ser a
sua palavra contra a minha”.
“Saí de lá arrasada e chorei dias
seguidos. Retomar a rotina sexual com meu noivo foi bastante difícil e passei a
ter fobia de ficar numa sala fechada sozinha com um homem que não conheço”,
conta a vítima.
O abuso relatado pela jovem não
representa um caso isolado. Luisa* é uma das 374 mulheres (53%), de um total de
700 participantes, que afirmam já terem sofrido abuso sexual ou moral em
consultas com ginecologistas, de acordo com levantamento on-line realizado pelo
Catraca Livre. As entrevistadas responderam uma série de questões a respeito da
conduta de seus médicos entre os dias 15 de abril e 5 de maio de 2016.
A pesquisa foi realizada com
leitoras de todo o Brasil, que enviaram relatos de cidades como Natal (RN),
Fortaleza (CE), Salvador (BA), Teresina (PI), Rio de Janeiro (RJ), Niterói
(RJ), São Paulo (SP), Contagem (MG), Belo Horizonte (MG), Londrina (PR),
Joinville (SC) e Pelotas (RS).
As histórias, contadas em
anonimato, trazem comportamentos que caracterizam condutas constrangedoras e
abusivas, como cantadas, frases de cunho sexual e até estupro. As situações
refletem a violência de gênero e o machismo enraizados na sociedade brasileira:
“ele dava um tapa na minha bunda para eu relaxar”, “durante o exame
endovaginal, ele se colocou entre minhas pernas e fazia movimentos como se
segurasse seu pênis, e não o aparelho” e “quando eu estava anestesiada, pois
tinha acabado de dar à luz, o médico colocou o dedo no meu ânus e chamou mais
médicos para fazer isso” são apenas alguns dos casos denunciados pelas
pacientes.
As situações, porém, não se
limitam ao assédio sexual. Tratamentos inadequados e agressivos ou comentários
humilhantes também foram relatados pelas vítimas. Maria Eduarda*, por exemplo,
é uma das muitas mulheres que saíram das consultas indignadas com a grosseria e
com a falta de interesse de seus ginecologistas. Ela conta que, certa vez, uma
médica inseriu um aparelho em sua vagina durante a consulta. Ao apresentar
sinais de desconforto com a situação, a profissional contestou. “Ela disse para
eu ficar quieta, porque ‘onde já tinha entrado um pênis, entraria aquele
instrumento fácil’”, recorda.
Embora os casos de abuso sejam
frequentes, é importante ressaltar que as pacientes não devem ter medo ou
receio de se consultarem com ginecologistas, sejam profissionais homens ou
mulheres. Pelo contrário: cada caso é um caso, mas, de modo geral, o ideal é
que a paciente esteja com seus exames de rotina em dia e agende uma consulta
ginecológica ao menos uma vez por ano. Acompanhamentos médicos e exames
preventivos realizados anualmente conseguem detectar várias doenças em fase
inicial, dando a chance de tratá-las sem maiores complicações.
O depoimento relatado abaixo é
real e foi enviado por uma leitora do Catraca Livre. Os desenhos, no entanto,
são meramente ilustrativos.
Será que fui vítima de abuso?
Medo, culpabilização e
silenciamento. Essas são as principais razões pelas quais grande parte das
mulheres que passa por situações de violência não denuncia seus médicos e
agressores. Segundo o levantamento, apenas 4% das entrevistadas chegaram a
fazer alguma denúncia sobre o crime. Muitas, inclusive, demoraram anos para
reconhecer e entender que foram vítimas de abuso sexual ou moral, enquanto
outras ficaram constrangidas no momento, mas não perceberam a gravidade da
conduta do profissional.
É o caso de Ana Carolina*, que
descobriu depois de muito tempo que tinha sido vítima de abuso sexual, quando
já nem ia mais no mesmo médico. Aos 16 anos, a jovem se consultava com um
ginecologista que ficava acariciando seu clítoris enquanto pedia para ela
“relaxar” antes de iniciar a consulta. Anos mais tarde, em uma conversa com sua
mãe e sua avó, a garota comentou sobre o incômodo que sentia com esse e outros
procedimentos do antigo médico. Foi dessa forma que descobriu o abuso. “Minha
avó não acreditou em mim e até hoje se consulta com esse senhor”, diz.
Mas o que pode ser caracterizado
como assédio moral ou sexual? De acordo com a psicóloga Arielle Sagrillo
Scarpati, doutoranda em psicologia forense na Universidade de Kent, na
Inglaterra, em ambos os casos a vítima é coibida e os abusos podem acontecer
simultaneamente. “O assédio sexual tem componente sexual — como o próprio nome
sugere —, enquanto o assédio moral tem como objetivo principal a humilhação e
diminuição da autoestima da vítima e não envolve, necessariamente, investidas
sexuais”, ressalta.
De todo modo, qualquer forma de
assédio constrange, humilha e amedronta. E suas consequências são inúmeras.
Para a psicóloga, embora cada mulher lide com a situação de maneira particular,
o que se percebe é que, neste “jogo” de poder, as vítimas acabam submetidas a
um estado de silenciamento e sob o domínio da autoridade de seu agressor. Por
isso, a importância de que, diante de uma denúncia, essas pessoas tenham seu
sofrimento e dor reconhecidos, legitimados e acolhidos.
Assim como Luisa*, Mariana* é uma
das muitas jovens que se sentiram culpadas pelo assédio sofrido. “Durante o
exame de toque, o médico olhava fixamente para mim com um sorriso sarcástico, perguntando
se eu estava gostando. Fiquei extremamente constrangida e me sentindo um lixo.
Fui embora chorando, envergonhada e nunca mais voltei naquela unidade de saúde.
Nunca contei para ninguém por achar que a culpa era minha. Se fosse hoje, eu
agiria diferente”, conta.
Seu relato é mais recorrente do
que se imagina e os impactos podem ser ainda mais graves. “Como consequência da
exposição a esse tipo de violência, muitas mulheres desenvolvem quadros de
transtornos psíquicos e alimentares, tais como anorexia, bulimia, fobias,
ansiedade, prejuízo da concentração, transtornos de pânico, distúrbios do sono
e depressão”, explica Arielle. Além disso, algumas vítimas se queixam de
problemas com a própria sexualidade, dores de cabeça, transtornos de ordem gastrointestinais
ou dores crônicas.
Na pesquisa, muitas das
participantes afirmaram que foram vítimas de assédio logo em suas primeiras
experiências no ginecologista. Quanto a isso, Ana Paula Meirelles Lewin,
Defensora Pública e Coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa
dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (NUDEM),
defende que é preciso empoderar as garotas desde cedo e desmistificar algumas
questões, pois a sexualidade ainda é tratada como tabu. “Ainda hoje, é muito
complicado para as meninas falarem sobre sua primeira experiência sexual, o que
é uma herança do patriarcado. Se a própria garota nunca se tocou, como ela pode
saber se um toque é abusivo ou não?”, reflete a advogada.
Diferenciar a conduta ética do
ginecologista de um possível caso de abuso nem sempre é fácil, especialmente em
um contexto médico, no qual deveria existir uma relação de confiança entre
paciente e profissional. Mas Arielle ressalta que, se em algum momento a mulher
se sentir desconfortável, ela deve parar e prestar atenção. “Veja os sinais de
alerta, como se o seu médico conta piadas ou histórias de cunho sexual durante
a consulta, te olha de uma forma desconfortável, pergunta sobre sua vida
amorosa de maneira excessiva, proíbe a presença de acompanhantes dentro da sala
ou se pede que você tire a roupa e coloque o avental desnecessariamente”,
afirma.
O machismo nas consultas
ginecológicas
A médica Halana Faria, mestranda
na Faculdade de Saúde Pública da USP, é uma dos 28.280 profissionais com
especialidade em ginecologia e obstetrícia no país, segundo o levantamento
Demografia Médica no Brasil 2015 do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do
Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) divulgado em novembro do
ano passado. Por lidar diariamente com a saúde íntima da mulher, ela sabe o
peso e a responsabilidade que sua profissão carrega. Halana integra a equipe do
Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, uma ONG que desde 1985 desenvolve um
trabalho de atenção primária à saúde feminina.
Um dos objetivos da ONG é
promover uma relação horizontal e respeitosa com a mulher, tanto que na sala de
consulta não há uma mesa separando a médica da paciente. “A ideia é construir
autonomia, desenvolvendo noções de autocuidado”, explica. “Eu atendo muitas
mulheres que nos procuram porque sentem-se desconfortáveis com o tipo de
atendimento e abordagem à sua saúde, ainda muito heteronormativo, paternalista,
medicalizado e pouco aberto às reais demandas das mulheres. Elas ressentem-se
de terem suas queixas desconsideradas, de serem julgadas moralmente ou até
mesmo de serem infantilizadas e consideradas pouco aptas para decidirem e
cuidarem de si mesmas”.
Entre as pacientes que mais
procuram o atendimento da ONG, estão mulheres cujos corpos, orientações sexuais
e escolhas são constantemente julgados, quando não aceitos pela sociedade. São
pessoas que não se sentem acolhidas pelo médico por serem gordas, transexuais,
lésbicas ou bissexuais, por não quererem ter filhos ou também por serem
praticantes do poliamor. “Gorda não faz nada direito mesmo”, “gente gorda não
pode reclamar de nada na saúde” e “você, como lésbica, deveria experimentar uma
rola” foram algumas das frases ouvidas por pacientes que enviaram seus relatos.
O fato é que, enquanto os médicos
e as próprias universidades que formam estes profissionais evitarem a reflexão
e o debate, e continuarem sendo coniventes com o machismo e a violência contra
a mulher, ainda ouviremos muitos outros relatos como esses. “Tenho a impressão
de que quando se aborda esse tema na universidade, parte-se sempre do
pressuposto da necessidade de proteção do próprio médico”, opina Halana. “Por
exemplo, ensina-se que homens médicos tenham a presença de uma enfermeira na
hora de um exame ginecológico, com o discurso de proteger o médico, para que
ele tenha uma testemunha de que não atuou com desrespeito. Nunca vi essa
discussão ser feita do ponto de vista da mulher. Infelizmente, a ginecologia
como ‘ciência da mulher’ constrói-se a partir de ideias masculinas, moralistas
e muitas vezes misóginas”.
A médica também lamenta a relação
entre “doutor” e paciente nas salas de consulta, uma interação muitas vezes
frígida marcada pela expressão de poder e superioridade por parte do
profissional, e submissão e silenciamento por parte da vítima. “Parece haver
nas falas médicas uma negação de acesso à informação, que permanece sob
monopólio médico enquanto às mulheres cabe obedecer ordens. Respeita-se pouco o
direito à autonomia e decisão informada. Acredito que seja nesse clima de
submissão e desrespeito que muitas mulheres percebam a assistência como um
abuso. Não quero acreditar que médicos sejam abusadores, mas acho que a maneira
como reproduzem a prática assistencial precisa ser repensada”.
O médico me assediou, e agora?
Na ocorrência de um abuso sexual
ou moral, uma das maiores dificuldades é comprovar o crime, já que geralmente
ele ocorre em uma sala fechada e sem testemunhas. Devido a esses fatores, a
denúncia acaba sendo a palavra da vítima contra a do médico, que sempre vai
justificar que a conduta faz parte do procedimento normal nas consultas,
desestimulando as mulheres a tomarem qualquer providência.
Para a defensora pública Ana
Paula Lewin, embora judicialmente seja difícil comprovar que houve assédio, é
muito importante que as mulheres procurem ajuda em todas as instâncias. “Essas
denúncias devem ser tomadas não só na esfera do judiciário, como registrar um
boletim de ocorrência e buscar condenação criminal e indenização do
ginecologista, mas também, e principalmente, um registro nos órgãos de classe —
como o CFM e o Conselho Regional de Medicina (CRM) —, para que os médicos sejam
responsabilizados dentro do seu conselho”.
Caso o atendimento não tenha
ocorrido em uma clínica, mas sim em um hospital, a advogada ressalta que as
vítimas podem relatar o caso à ouvidoria do local e também fazer uma denúncia
no Ministério da Saúde. Após o registro, o ginecologista será analisado sob o
ponto de vista do código de ética médico e dos conselhos federal e regional.
Ana Paula ainda destaca que, se a
denúncia for comprovada, o médico pode sofrer diversas penalidades, na forma de
uma advertência ou suspensão, até mesmo a cassação da licença para continuar
clinicando. “Além disso, ele também pode ser condenado criminalmente e a pena
pode variar desde uma multa a algo mais grave, como prisão em regime fechado,
caso seja considerado um crime de estupro. Com base nisso, a mulher pode pedir uma
indenização pelos danos morais sofridos”, finaliza a defensora pública.
O Catraca Livre tentou entrar em
contato com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
(Febrasgo) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) para compreender o
posicionamento dos órgãos a respeito dos procedimentos realizados após
denúncias de abuso durante consultas médicas.
Em nota, o CFM afirmou que todas
as denúncias por desvios ético-profissionais contra médicos, inclusive as por
assédio sexual, podem ser apresentadas aos Conselhos Regionais de Medicina
(CRMs) dos locais onde os fatos aconteceram. Eles afirmam que, entre 2010 e
2015, houve 18 cassações de exercício profissional de médicos após eles terem
sido denunciados por assédio sexual. Confira a nota na íntegra abaixo. Já a
Febrasgo não se posicionou até o fechamento desta reportagem.
Esclarecimento do CFM ao Catraca
Livre:
Todas as denúncias por desvios
ético-profissionais contra médicos, inclusive as por assédio sexual, podem ser
apresentadas aos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) dos locais onde os
fatos aconteceram. Denúncias feitas pela imprensa ou outros meios, como Polícia
e Ministério Público, também geram ação ex-officio dos CRMs.
Em decorrência, os CRMs instauram
processos de sindicância para apuração preliminar. Se os indícios de
irregularidades forem confirmados, determina-se a abertura de um processo
ético-profissional.
Após, a fase de instrução do
processo, os casos são submetidos a julgamento e, se houver condenação, o
médico acusado fica sujeito a penalidades que vão da advertência à cassação,
previstas na Lei Federal 3.268/1957.
Independentemente do resultado
final do processo, o médico ou o paciente podem recorrer ao Conselho Federal de
Medicina (CFM) para uma nova avaliação. Trata-se da ampla defesa. Nesta etapa,
os casos são reavaliados e também julgados.
Com relação às denúncias por
assédio sexual, o CFM informa que, em instância recursal, com trânsito em
julgado, houve 18 cassações de exercício profissional no período de 2010 a
2015.
O “médico das estrelas” é um
estuprador
A empresária Vanuzia Lopes, de 56
anos, é uma mulher de luta. Foram necessárias mais de duas décadas de esforço
para que Vana — como prefere ser chamada — conseguisse ver na cadeia o médico
que a havia estuprado e eliminado todas suas chances de ser mãe biológica. Em
1993, ela e o marido, que já tinham uma filha adotiva, procuraram um
especialista referência em reprodução assistida para que ela conseguisse
engravidar.
Já na clínica, na terceira
tentativa de inseminação, a paciente foi sedada antes do procedimento começar.
Só que, daquela vez, seu corpo resistiu à sedação, e Vana acabou despertando
durante o processo. Confusa e ainda lenta por causa dos efeitos do medicamento,
a empresária demorou um pouco para entender o que estava acontecendo:
assustada, percebeu que o médico estava deitado sobre ela, nu. Ele havia
acabado de ejacular.
Naquela época, o profissional, o
renomado Roger Abdelmassih, era procurado por famílias de famosos que tentavam
ter filhos – como a de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, e do humorista Tom
Cavalcante. Na década de 90, ele chegou a ser o nome mais conhecido entre os
especialistas em fertilização in vitro no Brasil.
Após o episódio, além do
psicológico totalmente afetado e do término do casamento, Vana contraiu uma
bactéria que lhe causou uma grave infecção, acabando de vez com suas chances de
ser mãe biológica. “Tive peritonite aguda, perdi as trompas e parte do ovário.
Foi gravíssimo, eu quase morri”, conta. Antes de ser internada, ela juntou
forças e conseguiu ir à delegacia para fazer um Boletim de Ocorrência. Depois
de ouvir seu relato, o delegado se pronunciou, desacreditado do crime: “Então
você está dizendo que o ‘médico das estrelas’ te estuprou?”, disse, em tom de
deboche.
A falta de amparo dos órgãos de
proteção à vítima a que recorreu resultaria, no futuro, em novos crimes
cometidos pelo estuprador. O caso evidencia como as autoridades e instituições
são permissivas no que diz respeito ao estupro e a outras formas de assédio
sexual. “Houve um descaso. Se tivessem agido naquela época, outras mulheres não
teriam sido violentadas”, opina Vana.
Embora seja um fato isolado, a
conduta de Abdelmassih tornou-se um dos casos mais emblemáticos da medicina
brasileira, ao mesmo tempo em que suas vítimas deram um importante passo ao
denunciar como ainda alguns médicos, médicas e a própria justiça são agentes e
cúmplices da perpetuação e da impunidade da violência contra a mulher.
Depois de ter abusado dezenas de
mulheres, o ex-médico foi finalmente preso em 2014, condenado a 181 anos de
prisão por cometer crimes sexuais e de manipulação genética contra 37 mulheres.
Recentemente, ele foi indiciado pela suspeita de ter cometido mais ataques
sexuais contra outras 37 mulheres. Hoje, Abdelmassih está detido em uma cela na
Penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo.
A saga vivida pela empresária nas
últimas décadas foi relatada em um livro lançado em 2015, o “Bem-vindo ao
inferno – A história de Vana Lopes, a vítima que caçou o médico estuprador
Roger Abdelmassih”. “Eu engordei 70 quilos depois do estupro. Agora emagreci. O
livro que lancei é também uma recuperação da minha autoestima”, diz. Vana conta
que parte da renda arrecadada com o livro está sendo usada para ajudar pessoas
que foram vítimas de violência sexual. Nos últimos meses, ela tem auxiliado
mulheres que sofreram abuso nas consultas de um nutrólogo que atua em
Florianópolis, em Santa Catarina.
Além disso, a empresária criou um
grupo chamado Vítimas Unidas, que reúne pessoas solidárias para apoiar vítimas
e ajudar a denunciar casos de abuso. “Não somos coitadinhas pedindo
misericórdia. Somos fortes”, diz. A página no Facebook do grupo conta, atualmente,
com mais de 75 mil membros. Por lá, os participantes debatem casos de estupro
que são noticiados pela mídia, dão dicas de páginas e instituições de direitos
humanos e acompanham o caso de pessoas que fazem denúncias. “Estar ao lado e
colaborar com outras vítimas é a única maneira de superar meus traumas”,
completa.
Devido a traumas como este — mais
frequentes do que imaginamos —, muitas pacientes sentem-se desamparadas e
acabam postergando sua ida a uma nova consulta ginecológica, em detrimento de
sua saúde e bem-estar.
A boa notícia é que, com a ajuda
das redes sociais, cada vez mais mulheres estão se dando conta e verbalizando
situações de abuso. Para a médica Halana de Faria, o número crescente de
pessoas insatisfeitas nas consultas demonstra que é preciso repensar a formação
médica, desde que ela seja feita com a participação das mulheres. “As redes
sociais abrem uma possibilidade de interação sem precedentes para que pacientes
relatem situações de abuso e organizem-se”, finaliza.
* Os nomes foram alterados para
proteger a identidade das vítimas.
O que a lei brasileira diz sobre
estupro
De acordo com a Lei 12.015 de
2009, o crime de estupro se configura se o autor: “Constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que
com ele se pratique outro ato libidinoso”.
É preciso haver conjunção carnal
para ser crime de estupro?
Qualquer ato com sentido sexual
praticado com alguém sem seu consentimento, até mesmo um toque íntimo ou um
beijo à força, hoje é considerado estupro pela lei.
Pena
Para qualquer um desses casos, a
pena vai de 6 a 10 anos de reclusão. Casos de aumento da pena: se a vítima é
maior de 14 e menor de 18 anos – de 8 a 12 anos de reclusão; se resultar em
morte – de 12 a 30 anos de reclusão.
Fonte: Catraca Livre
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