Quem pensa que o debate sobre as
diaconisas pertença somente à Igreja das origens, se engana. Durante o
Comunismo, para a sobrevivência do catolicismo se usaram métodos não convencionais,
até o ponto de ordenar sacerdotes homens e mulheres.
A reportagem é de Simone M.
Varisco, publicada por Caffè Storia, 25-05-2016. A tradução é de Benno
Dischinger.
É a história da Igreja
clandestina checoslovaca e de um dos seus membros mais controversos, a saber,
Ludmila Javorová. Quando, em 1948, o comunismo ateu tomou o poder na
Checoslováquia, para os cristãos do País iniciou uma das épocas da mais cruenta
perseguição. Condenada à clandestinidade, a Igreja católica se organizou para
resistir. Fundado no final dos anos sessenta, o grupo Koinotés – nome derivado
de koinonia, palavra grega que significa “comunhão” – constitui um dos ramos da
Igreja clandestina na Checoslováquia comunista. Não podendo atuar publicamente,
Koinonés se confiou a estruturas informais e a singulares personalidades
eclesiásticas. Chegaram a fazer parte do movimento 15 bispos ordenados
secretamente e uns 160 sacerdotes. Trabalhadores de dia e cristãos clandestinos
de noite, os membros de Koinonés o núcleo de uma Igreja formada por grupos
particulares de sacerdotes e fiéis reunidos em torno dos próprios bispos. Entre
estes, os bispos Peter Dobovsky, Jan Blaha e, sobretudo o controverso Felix
Maria Davidek.
Leitor entusiasmado do cientista
e teólogo jesuíta Teilhard de Chardin, bem como de Karl Rahner, de Yves Congar
e de Henri-Marie de Lubac, cujo pensamento teria jogado um papel-chave nas
elaborações teológicas do Concílio Vaticano II, Felix Maria Davidek se tornou
conhecido sobretudo após a sua morte, ocorrida em agosto de 1988, por causa das
suas ordenações sacerdotais, bem diversas do que convencionais.
Com a intenção de limitar as
suspeitas do regime comunista, Davidek ordenou sacerdotes homens casados,
primeiro enquadrando-os na Igreja católica de rito grego, onde a existência de
padres casados é admitida. Mas, com a dissolução da Igreja greco-católica,
forçadamente incorporada pelo regime comunista na ortodoxa, Davidek não hesitou
em ordenar sacerdotes casados biritualistas latino-bizantinos e até mesmo
bispos casados.
No decurso dos anos Davidek se
lançou além, chegando a ordenar também um pequeno grupo de mulheres. Não
simples diaconisas, e sim verdadeiras e próprias sacerdotisas encarregadas de
desenvolver sua atividade pastoral entre as mulheres, em particular nos cárceres
femininos, onde religiosas e leigas foram aprisionadas em grande número. A
ordenação de mulheres rachou Koinotés como nem sequer o Comunismo tinha
conseguido fazer. Em dezembro de 1970, colocada em votação a questão num sínodo
pastoral convocado para a ocasião, metade dos membros votou contra a decisão de
Davidek. Não obstante isso, poucos dias após o bispo ordenou sacerdotisa
Ludmila Javorová, que já era seu vigário geral.
Nascida numa família católica, na
vida de Ludmila a vocação religiosa – difícil de realizar durante a época
comunista – e aquela para o magistério se misturaram com os horrores da guerra,
concretizados na perda do irmão mais velho e na invalidez de outro.
Adaptando-se a trabalhar como civil, Javorová não perdeu a ocasião de colaborar
com a Igreja católica clandestina com Koinótés, sobretudo após o encontro com o
bispo Davidek, amigo de família.
De professora de religião, a
mulher se tornou primeiro responsável pela segurança dos encontros do grupo e
depois vigário geral do bispo. Até dezembro de 1970, quando para Ludmila chegou
também o sacerdócio. “Um dom que não pode ser restituído”, dirá anos depois a
mulher.
A notícia da ordenação de homens
casados e de mulheres não tardou em chegar a Roma. No verão de 1977, John
Bukovsky, padre verbita e futuro núncio apostólico na România e na Rússia, foi
enviado à Checoslováquia para indagar. A realidade das ordenações foi
confirmada, mas não sua validade. Remédios extremos para os males extremos de
uma Igreja perseguida? Certamente remédios ilegítimos, cabendo ao bispo
clandestino Blaha – responsável pela ordenação sacerdotal do próprio Davidek –
e à Santa Sé tomarem posição.
João Paulo II, que ainda como
cardeal havia ordenado padres clandestinos para a martirizada Checoslováquia,
se pronunciou em 1994 com a Carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis, na qual,
“a fim de eliminar toda dúvida sobre uma questão de grande importância,
atinente à própria divina constituição da Igreja”, declarou “que a Igreja não
tem de nenhum modo a faculdade de conferir às mulheres a ordenação sacerdotal e
que esta sentença deve ser observada de modo definitivo por todos os fiéis da
Igreja”.
Foram necessários anos para
resolver as irregularidades de alguns dos ordenados da Igreja checa. Aos 11 de
fevereiro de 2000 chegou o pronunciamento da Congregação para a Doutrina da Fé,
da qual era prefeito o então cardeal Joseph Ratzinger. Já após a queda da
cortina de ferro, João Paulo II havia proibido a Ludmila Javorová de
desenvolver qualquer função sacerdotal e em 1997 havia regularizado a posição
de 22 sacerdotes latinos casados, autorizando-os a passarem ao rito bizantino
eslavo. Destes sacerdotes, 18 foram ordenados sub conditione na abadia
pré-monstratense de Zeliv.
Permaneceu aberta a questão dos
sacerdotes que escolheram não aceitar as normas aprovadas pelo Santo Padre,
considerando já terem sido validamente ordenados e, sobretudo aquela dos bispos
casados, cuja posição era inconciliável tanto com a lei canônica da Igreja
católica, tanto de rito latino quanto oriental, como também com a tradição das
Igrejas orientais, que não admitem a compatibilidade do estado matrimonial com
o ofício episcopal. No documento da Congregação não se faz referência às
mulheres ordenadas.
Em 2011 Koinótés foi premiada
pela Fundação Herbert Haag pela “liberdade na Igreja”. A receber o prêmio em
nome do grupo foi a própria Javorová. Presente à cerimônia esteve também Hans
Küng, teólogo suíço castigado por João Paulo II com a cassação do mandato
canônico, que voltou a fazer falar de si há poucos dias por haver recebido do
Papa Francisco uma carta que responde à solicitação de “uma livre discussão
sobre o dogma da infalibilidade” papal. Ludmila Javorová ensinou gramática até
os 81 anos. Agora com 84 anos, católica, vive em Brno e é um membro ativo de
sua paróquia.
Fonte: Ihu
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