O estupro coletivo sofrido por
uma adolescente de 16 anos no Rio levantou uma questão: vivemos uma cultura do
estupro? Para responder, o jornal “O Estado de S.Paulo” falou com a professora
de Antropologia da USP Heloisa Buarque de Almeida, que coordenou o programa USP
Diversidade quando vieram a público os casos de estupro na Faculdade de
Medicina. Hoje ela participa da rede Não Cala.
Nós vivemos numa cultura de
estupro? O que isso significa?
Para entender o que isso tem a
ver com o Brasil, é preciso pensar no tipo de produção cultural que a gente
tem, que por um lado naturaliza a desigualdade entre homens e mulheres e por
outro torna as mulheres objetos e traz a ideia de que o homem não consegue se
conter. Como se o homem fosse uma espécie de bicho descontrolado. O que não é
verdade porque, se fosse assim, todos os homens seriam predadores sexuais. Um
caso clássico é o de uma propaganda de cerveja do carnaval do ano passado que
dizia “deixei o não em casa”, que sugere que a mulher diz ‘não’, mas no fundo
quer dizer ‘sim’.
As pesquisas com violência contra
as mulheres mostram que o estupro é muito mais comum do que a gente imagina,
acontece de modo muito mais corriqueiro. Estudo recente do Ipea calculou que
10% a no máximo 30% dos casos são de fato denunciados. Isso porque vivemos numa
sociedade que nutre a ideia que se uma menina denuncia um estupro, a primeira
coisa que acontece é cair a culpa sobre ela. Sabem que vão perguntar: mas você
estava bêbada ou de minissaia. Isso é naturalizado em várias produções
culturais. Temos músicas que descrevem cenas que parecem estupros e tocam como
se fosse normal.
Muita gente tem dito: em vez de
ensinar a menina a não ser estuprada, tem de ensinar os meninos a não estuprar.
É só uma questão de educação?
A primeira coisa que tem de
acontecer é punir os agressores. Hoje pune-se muito pouco esse tipo de caso.
Muitos dos BOs que fizemos de casos na Universidade de São Paulo nem sequer
foram investigados. Mas não basta punir. Educação é fundamental. É urgente
falar de gênero na escola. Quando um menino pequeno está na escola, chora, e o
pai fala: ‘homem não chora, bata no menino que bateu em você’, ele aprende que
não pode expressar seu sentimento a não ser pela agressão. É ainda dominante
uma cultura que os meninos têm de saber se defender. A gente ensina a se
expressar pela violência. Tem de educar os meninos a ser amigos das meninas.
E isso aparece também no discurso
de artistas, políticos.
É assustador que esse caso venha
à tona num dia em que vemos o Alexandre Frota, que contou como piada na TV uma
cena de estupro, indo ao Ministério da Educação. O que ele fez na TV foi um
exemplo clássico de cultura do estupro. O que ele pode propor sobre educação?
Outro exemplo foi quando o deputado Jair Bolsonaro falou para a deputada Maria
do Rosário, que ela não merecia ser estuprada. Como se estupro fosse um elogio.
Ele naturalizou o estupro como se fosse algo que as mulheres merecessem. Por
isso é urgente problematizar a violência contra a mulher.
Fonte: UOL
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