domingo, 29 de maio de 2016

Eremitas, as mulheres do deserto

Elas se chamavam Macrina, Paula, Sabiniana, Teodora, Olímpia, Eugenia, Marcela, Vitalina e muitas outras ainda. O seu número era considerável: o testemunho de Paládio, autor da História Nausíaca, do século IV, indica o seu número em até mesmo 3.000. Só no mosteiro egípcio de Tabennisi, contavam-se nada menos do que 400 coabitantes juntas. São as Madres do deserto. A versão "rosa" do mais célebre e famoso movimento monástico iniciado por Antônio (250-356), egípcio, que se estabeleceu não muito longe do Sinai.


A reportagem é de Lorenzo Fazzini, publicada no jornal Avvenire, 24-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Um fenômeno pouco conhecido, o das mulheres que deixaram tudo para buscar a Deus na solidão de um deserto. Uma experiência que, infelizmente, ao longo dos anos, foi posta entre parênteses também no mundo cristão, como aconteceu com outras experiências religiosas femininas.

E que, em vez disso, possui uma peculiaridade própria profunda, também para hoje, como testemunha Gabriele Ziegler no seu recente texto Madri del deserto. Eremite del primo Cristianesimo (Libreria Editrice Vaticana, 160 páginas).

São muitas as novidades que Ziegler evidencia na sua pesquisa. Acima de tudo, ela traça os elementos característicos e plausivelmente unitários dessas mulheres eméritas: entre eles, a capacidade, embora vivendo uma experiência de isolamento, de serem solidárias na sua busca ascética de Deus: "As Madres do deserto não eram combatentes solitárias; ao contrário, estavam em relação com as irmãs e se aconselhavam com elas".

Franqueza e perspicácia nas relações com seus pares do sexo masculino caracterizavam essas figuras femininas, que poderíamos definir como viris, exceto pelo fato de que esse termo ainda as encapsularia em clichês típicos de uma visão masculina.

No entanto, um exemplo disso é este trecho tirado dos testemunhos sobre Sarrha, mulher que, afirma a coleção de vidas femininas Meterikon, "viveu na luxúria durante 15 anos", depois foi eremita no Nilo durante 60 anos: "Segundo a natureza, sou mulher, mas não o sou nos pensamentos", disse ela em um debate com dois homens. Uma maneira de afirmar a paridade de valores intelectuais em relação aos Padres.

O conhecido monge e escritor Anselm Grün assinala, no seu prefácio, que a experiência das eremitas constituiu uma ruptura (para melhor) no mundo antigo na questão da igualdade de gêneros: "Em relação aos filósofos gregos, que desconheciam às mulheres a capacidade de filosofar, os Padres da Igreja e os primeiros monges reconhecem nas mulheres a mesma energia necessária para a ascese".

Outro elemento unificante dessa experiência era a qualificação que era atribuída a essas mulheres: quem escolhia a ermida era chamada de "amma", ou "uma mulher sábia que pode acompanhar as outras no percurso de vida. As Madres do deserto se tornaram algo como parteiras espirituais que ajudaram outras a amadurecer na alma e a fazer o seu caminho de vida", escreve Ziegler.

Um exemplo dessa estatura humana e espiritual é encontrada em Olímpia: como jovem noiva de Nebridius, tesoureiro do imperador Teodósio, ela foi ordenada diaconisa com menos de 40 anos. Foi discípula de João Crisóstomo e manteve com ele inúmeros intercâmbios epistolares.

Falávamos antes de algumas características dessas mulheres embebidas de modernidade. Dentre elas, destaca-se o elemento de uma sexualidade reconciliada. Testemunha disso, por exemplo, é o caso de Paulo, o primeiríssimo eremita, que se estabeleceu no Monte Gherit, perto do Mar Vermelho, que viveu entre 228 e 341: quando ficou paralisado, foi cuidado e auxiliados apenas por mulheres. "Desse modo – escreve Ziegler – ele esclarece que a plena castidade não envolve a tentativa de se isolar de todo tipo de sexualidade". autora observa como "as Madres do deserto não admitiram que uma mulher fosse considerada, a priori, como uma tentadora, como Eva. Sustentadas pela sua experiência e pelo debate com mulheres provadas pelo deserto, elas demonstraram que essa funesta identificação não é verdadeira".

E até mesmo a abstinência sexual não era considerada como um absoluto imprescindível: "Qualquer forma de ascese não tem valor em si mesma: o parâmetro para uma vida que seja sustentável e que nos torne sustentáveis para os outros é o do amor".

Ainda sobre as experiências do deserto e da vida dos Padres, é preciso assinalar outro livro muito recente, editado pelo escritor Ermanno Cavazzoni (a partir de seu Il poema dei lunatici, Federico Fellini produziu o filme La voce della luna): Gli eremiti del deserto (Quodlibet, 144 páginas), leva o leitor, especialmente o pós-secular, ou seja, aquele que olha com desencanto para o mundo, a redescobrir a capacidade mística daqueles homens que abandonaram o mundo para buscar a Deus de forma solitária.

Aqui, também, os números nos falam de um povo: só no deserto etíope, contavam-se 600, enquanto 5.000 eram os estimados na região de Alexandria do Egito.

Os Padres do deserto se tornaram, desse modo, presenças magnéticas para o povo (Hilarion, por exemplo, gozava de uma fama em todo o Oriente, a tal ponto que "não conseguia ficar escondido. Muitos o conheciam por ouvir dizer ou pessoalmente") em termos de ajudas, milagres e capacidade de se tornar pontes com o divino. Com um "anticarreirismo" eclesiástico preciso, que tem traços realmente curiosos e interessantes.

Amônio, quando quiseram torná-lo bispo da cidade, pegou algumas tesouras e cortou-se uma orelha: "Vejam que eu não posso ser bispo, porque a lei proíbe fazer sacerdote quem não tem uma orelha". Mas as pessoas voltaram à pressão, e ele chegou a dizer que também se cortaria a língua se tentassem fazê-lo subir à dignidade episcopal.


Quando se falar de Padres, também se descobrem elementos de grande modernidade: lendo episódios da vida de Antônio, descobre-se que eles consideravam as tentações de caráter sexual como menos perigosas, enquanto o caruncho da soberba era o perigo de que a alma mais deveria se proteger.

Fonte: Ihu

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