Reação. Várias manifestações
ganharam as ruas do país depois de o estupro coletivo ter vindo à tona
“Ele não é seu marido?Então, como ele te
estuprou?”. Acuada pela desconfiança, cansada por ter que ir à delegacia por
três dias para finalizar o registro da ocorrência e machucada física e
emocionalmente pelo cárcere privado, a doméstica Camila*, 41, chegou a pensar
em desistir da denúncia. “Teve hora em que me senti culpada. Era como se eu
tivesse que implorar por uma medida protetiva para estranhos, que só queriam
saber daquilo que interessava a eles”, desabafou.
A percepção dela em relação ao
trato com a mulher que registra uma queixa é a mesma da adolescente de 16 anos
vítima de um estupro coletivo no Rio de Janeiro no mês passado: o machismo é
predominante. No caso carioca, o delegado Alessandro Thiers foi substituído por
Cristiana Bento. A jovem havia reclamado da forma como o depoimento foi
conduzido, e sua então defensora, Eloisa Samy, alegou que Thiers tratava o caso
de forma machista e misógina.
Em Minas, policiais civis e
militares recebem treinamentos sobre a forma de abordagem às vítimas de crimes
sexuais. No entanto, a teoria parece não ser absorvida como deveria, e prova
disso é o tipo de pensamento expresso em redes sociais. Em uma rápida busca
pelo Facebook em grupos de militares foi possível localizar seis perfis de
agentes, de mais fácil identificação devido às fotos com o uso de farda, com
comentários jocosos e machistas, até mesmo de mulheres. “Se ficar grávida dos
30 (vítima carioca informou que havia 33 estupradores), o filho com certeza é
de cadinho. Cadinho de um, cadinho de outro”, dizia um dos comentários (veja
outros ao lado).
Para a desembargadora Kárin
Emmerich, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJM), a cultura machista só
poderá ser vencida com processos de educação e de formação continuada.
“Não é só da polícia (o machismo).
O que a gente vê, de modo geral, é que todos os segmentos estão despreparados
para lidar com a vítima do estupro. Porque existe um olhar pronto de que a
vítima é a culpada por estar de roupa curta ou estar andando à noite na rua,
entre outras situações. É preciso trabalhar isso”, disse.
Saiba Mais. Segundo a PM, “todos
recebem treinamento teórico bienal quanto aos procedimentos adotados para lidar
com vítimas de todos os tipos de crimes, inclusive, os sexuais”. Detalhes não
foram informados.
A Polícia Civil tem um curso de
formação em direitos humanos de 40 horas. Ao longo da carreira, outras
capacitações são oferecidas ao menos uma vez por ano, segundo a delegada e
professora da Academia de Polícia Civil (Acadepol), Silvana Fiorillo.
* nome fictício
Posição
Redes sociais. As assessorias de
imprensa das polícias Militar e Civil informaram que não monitoram os perfis
individuais de cada policial e que eles não representam as opiniões das
corporações.
Judiciário deve ser referência de vítimas
A conselheira Daldice Santana
defende mudanças também no Judiciário, para que ele se torne referência em
acolhimento de mulheres vítimas de violência.
“A Justiça também precisa rever
seus conceitos. No caso da adolescente do Rio de Janeiro, se o vídeo não
tivesse sido divulgado, não ficaríamos sabendo. E isso mostra que as
instituições não estão sendo referência de acolhimento e segurança. E para que
sejam é preciso saber atender e conduzir casos dessa natureza”, destacou
Daldice, à frente do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica e
Familiar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A necessidade de melhorias na
capacitação de juízes e promotores na abordagem de mulheres foi um dos temas de
curso sobre feminicídio nessa semana no Tribunal de Justiça (TJMG), em parceria
com o Ministério Público (MPMG). (JC)
Procedimentos
Primeiro contato. O policial deve
tranquilizar a mulher e demonstrar preocupação com sua situação física e
psicológica. Se houver necessidade, ela deve ser levada ao médico. Em caso de
violência sexual contra pessoa adulta, deverá ser respeitada sua opinião se
houver recusa em prosseguir com as providências policiais.
Interrogatório. A orientação é
que o policial deve permitir que a vítima fale livremente. Nesse contato
inicial, deve-se ouvir de maneira cuidadosa e respeitar os limites da mulher,
incluindo a dificuldade de relatar os fatos e os sentimentos. Deve-se
resguardar a vítima de curiosos e da imprensa.
Exame. É importante que a vítima
seja encaminhada a médicos-legistas para a coleta de provas. Quando possível,
se houver cena do crime, é preciso enviar uma equipe pericial ao local.
Padronização. O Ministério da
Justiça informou que propôs aos Estados a padronização do atendimento às
mulheres em todas as delegacias do país. Não há data para a medida ser adotada.
Fonte: O Tempo
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