Cresci ouvindo que mulher tinha que se vestir de um jeito e não de
outro. Que não podia rebolar muito. Que vestido curto era coisa de puta. Que
dependendo da minha atitude, da minha roupa a noite, eu estaria pedindo pra ser
estuprada. Que assobios e gritos de "gostosa" de homens na rua, era
coisa boa, que deveria me deixar com a autoestima no topo...
*Texto escrito por Gabi Barbosa,
no Superela.
Aos 10 anos, quase conheci o que
era estupro. Um cara estranho e horroroso que era "amigo" do meu avô
me deu um abraço diferente. E eu tentei sair e ele me segurou. Depois não sei o
que deu nele, ele soltou os braços um pouco, pra dar uma respirada bem funda.
Eu saí correndo dali. Acho que dei foi muita sorte.
Fiquei na calçada do lado de fora
da casa, escondida. Quando o carro do meu avô vinha ao longe, eu me joguei na
frente do portão e falei "Vô, seu amigo me abraçou!". E meu Avô, mais
que revoltado, foi logo dizendo: "Me conte exatamente o que esse
desgraçado te fez, minha filha!". E então eu relatei que ele me abraçou
"diferente", com força e eu quis sair e ele segurou mais, mas que
depois me soltou. Nunca tinha visto meu avô tão transtornado.
A mulher que nos ajudava na
limpeza da casa, que estava lavando roupa, não viu nada. Minha avó não estava
em casa. Meu avô disse para eu ficar no no portão, do lado de dentro. Trancou o
carro e foi pra dentro de casa. Eu nunca vi meu avô bater em ninguém como bateu
naquele homem. Ali, naquele dia, eu tive uma sorte grande na vida. Ele poderia
ter feito o pior. Eu era muito nova e ingênua pra entender o que tinha quase
acontecido.
Mais tarde, aos 22, eu tive um ex
que tentou fazer sexo a força comigo dias antes de tomar um pé meu. Aqui em
Porto Alegre, já fui encochada por um cara no ônibus. A sorte é que aqui,
quando a gente reclama com eles, logo surgem 3 ou 4 pra colocar ele pra fora do
ônibus. E podem contar nos dedos de uma mão só, meninas e mulheres, a partir
dos 8, 10 anos, que não têm uma história dessas pra contar.
Cresci ouvindo que mulher tinha
que se vestir de um jeito e não de outro. Que não podia rebolar muito. Que
vestido curto era coisa de puta. Que dependendo da minha atitude, da minha
roupa a noite, eu estaria pedindo pra ser estuprada. Que assobios e gritos de
"gostosa" de homens na rua, era coisa boa, que deveria me deixar com
a autoestima no topo. Que "mulher que dá na primeira noite" é puta.
Que "puta não merece respeito". Que se eu for estuprada, "a
culpa é minha por causa da roupa, do horário ou de onde eu estava".
Eu me visto como eu quiser, como
me sentir bem. Não preciso fazer esforço pra rebolar enquanto ando, é algo
natural do meu corpo de mulher. Vestido curto é lindo e feminino e eu amo. A
minha roupa não justifica a falta de caráter de um homem se achar no
"direito" de me estuprar. Cantadas pela rua são desnecessárias e constrangedoras
e eu odeio isso. Mulher que dá na primeira noite é segura de si e bem
resolvida. Puta merece tanto respeito quanto as demais mulheres. Se eu for
estuprada é apenas resultado de uma sociedade machista que cria monstros.
A maioria fica impune. Feminismo
não é o contrário de machismo, nunca foi. Feminismo é a luta pelo respeito à
mulher. E sim, nós, mulheres, não somos pedaços de carne ambulantes. Vivemos a
noite pelas ruas, com medo de sermos a próxima. Culpa da nossa cultura
machista. Culpa de quem propaga coisas como "ela estava de saia curta,
pediu". Nada que façamos justifica um estupro. Nada. Quando estupradores
são presos, nos sentimos vingadas. Na prisão eles sentem o que sentimos todos
os dias.
Vejam cinco atitudes que mostram
o que é a cultura do estupro:
1. Achar que mulher de biquíni "está pedindo"
Ontem eu vi um instagran,
@supergatasbrasil, são fotos de mulheres de biquíni, em poses sensuais,
realmente elas são lindas. O que me assustou foram comentários como "Da
vontade de meter tudo dentro desse cu gostoso". E tinha comentários muito
piores, não consegui continuar lendo.
2. Dizer que a culpa é da mulher
Sobre a menina de 16 anos que foi
estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro, já tiveram comentários como
"ela estava em um baile funk", "ela bebeu", "ela
deveria estar estudando".
3. Achar legal e engraçado se for em tom de piada
Se a pessoa for famosa, como
Alexandre Frota, ela conta em um programa como o 'Agora é tarde', que estuprou
uma mãe de santo até ela desmaiar e é aplaudida. Somos vistas como objetos o
tempo todo.
4. Objetificar a mulher
Já viu propaganda de cerveja com
homem pelado? E com mulher pelada? Elas estão ou de biquíni ou de saia curta.
Sempre. Você vê mulheres compartilhando conteúdo de homens transando em grupo
ou nus no whats? E homens compartilhando esse tipo de conteúdo?
5. Perpetuar a ideia de que "só é estupro se for
desconhecido"
Pode ser um desconhecido, pode
ser o namorado, pode ser um peguete, pode ser o crush, pode ser o marido;
independente de quem seja. Se a mulher não quis e o homem fez, é estupro. O machismo estampado na cultura do estupro
perpetua o conceito errado de que a culpa é da mulher.
***
Isso é apenas parte do que é a
cultura do estupro. Ela é difundida com piadinhas na escola, no trabalho, nas
reuniões com amigos. Foram feministas
norte-americanas que usaram esse termo lá por 1973. Já naquela época, elas
tentavam acabar com esse tipo de comportamento. Homem estupra "pra mostrar
que é homem, matador, comedor". Mulher é estuprada "por que pediu,
estava no lugar e horário errados".
Quando saímos de casa de saia
curta, no verão ou mesmo no inverno, com meia calça, ficamos felizes e nos
sentimos bem femininas. Mas os olhares pelas ruas, sem respeito e com ousadia,
como se fossem donos dos nossos corpos e estivéssemos fazendo algo errado, nos
fazem sentirmos como criminosas. Com medo de ser a próxima por causa da roupa.
Aprendemos desde pequena que
nosso comportamento faz o homem ter tal atitude. Está na hora disso acabar. Dia
desses li "não ensinem suas filhas a usar roupas longas, ensinem seus
filhos a respeitar as mulheres".
É por aí.
Fonte: Superela
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