O país tem um Governo que se
autodesigna “feminista”. Que quer impor quotas nas maiores empresas
obrigando-as a ter 40% de mulheres a mandar. E pressionar os casais a partilhar
mais as licenças parentais.
Um folheto que promove Estocolmo
como destino turístico e de negócios fala da reconhecida qualidade do ar que
aqui se respira e das águas límpidas dos lagos. Explica que esta é uma capital
com muito talento, uma cidade “aberta” e cosmopolita. Fala da moda, da
gastronomia, das lojas de design e de como é seguro viver aqui. E mais isto:
“50% da população é solteira, por isso há uma forte possibilidade de encontrar
a sua alma gémea em Estocolmo!”
A frase que segue o ponto de
exclamação acrescenta que esta é “a cidade ideal para constituir família”.
Afinal, “os pais têm direito a 480 dias de licença parental por cada filho e as
crianças pequenas têm acesso a jardins de infância subsidiados”. E posto isto:
“Bem-vindo a Estocolmo!”
Sim, falar de licenças parentais
é suficientemente “sexy” para se colocar em duas páginas destinadas aos
visitantes estrangeiros num texto da responsabilidade da agência pública que
faz a promoção da cidade. Pelo menos na Suécia é.
O país que ocupa o 4.º lugar (em
142) no ranking do Fórum Económico Mundial que mede a igualdade de género
(depois da Islândia, da Finlândia e da Noruega) era, nos anos 60 do século
passado, um dos que tinham piores taxas de natalidade na Europa. Hoje é dos que
têm das mais elevadas — Portugal é a que tem a mais baixa da União Europeia dos
28. O que é que igualdade de género tem que ver com os bebés que nascem? E com
a performance económica de um país?
“A nossa ideia sobre a igualdade
de género é que é uma questão de direitos, sem dúvida, mas é também algo que
permite uma série de ganhos sociais, que permite atingir vários objectivos”,
diz a muito pragmática ministra sueca para a Igualdade, Åsa Regnér, numa tarde
chuvosa de Abril num encontro com um grupo de jornalistas estrangeiros na sede
do seu ministério. “Desde logo, o objectivo do crescimento económico. A
possibilidade de usar toda a competência e capacidade da mão-de-obra existente
— e havendo mais mulheres a sair das universidades com graus académicos, mais
do que homens, temos de fazer uso desse investimento que se está a fazer nelas.
Isto é bom para os indivíduos, mas também para toda a sociedade.”
Depois, quando podem escolher, em
situação de igualdade, “homens e mulheres estudam, trabalham… e também têm mais
filhos do que nos países do Sul da Europa, que se dizem orientados para a
família”, prossegue a ministra que tem a seu cargo ainda as pastas das Crianças
e dos Idosos. É consensual que, sem uma situação demográfica positiva,
dificilmente há crescimento económico.
Nos anos 70, quando a Suécia
começou a construir “o seu famoso Estado social”, muitas das decisões partiam
desta ideia: era preciso que as mulheres entrassem em força no mercado de
trabalho, “a indústria precisava muito de mão-de-obra, o sector público
também”. Estava em jogo o crescimento económico. E hoje, com o país a revelar a
sua “resiliência” face aos últimos anos de crise na Europa — a palavra
“resiliência” é da OCDE —, a necessidade permanece: “Precisamos de muita gente
a trabalhar, para que possam tomar decisões nas suas vidas e desenvolverem-se
como indivíduos, mas também para poderem pagar impostos, porque todo o nosso
modelo se baseia nos impostos”, diz a ministra. Há um site governamental que
explica, com graça, que “a Suécia é tão conhecida pelos elevados impostos como
pelos móveis Ikea e os Abba”, sendo que a Skatteverket, a agência responsável
por taxar os contribuintes, é a segunda instituição pública mais apreciada pela
população depois da que trata das questões relacionadas com os consumidores.
Os suecos pagam muito (os
impostos representam 44,2% do PIB, 32,4% em Portugal). Mas acham que recebem
bastante.
No Centro Täppan, um
jardim-de-infância de Estocolmo conhecido pelo seu “trabalho na área da
igualdade de género” com as crianças, quase não há carrinhos e não se avistam
Barbies. Aqui, aposta-se em brinquedos “mais neutros” do ponto de vista do
género, explica Yvonne Häll, a coordenadora da instituição que todos os dias
recebe 80 crianças entre os 12 meses e os cinco anos.
Yvonne Häll mostra como se
trabalham “outros materiais” — panos, papel, madeiras, adereços vários, de
chapéus a sapatos antigos, de vestidos de bailarina a fatos de pirata. Faz
parte de um plano: “Encorajamos as crianças a ter tolerância e respeito umas
pelas outras. Não construímos espaços para rapazes ou para raparigas.
Utilizamos diferentes tipos de materiais e tentamos que as crianças os
explorem. Se um rapaz veste um vestido, a menina não diz: ‘Ah, não podes usar
isso porque és rapaz’ — aqui eles não têm essa atitude, são crianças muito
pequenas, não trazem isso com elas, e nós não alimentamos estereótipos.”
A ideia é libertar as crianças
das expectativas e das exigências que a sociedade tem, tradicionalmente, em
relação a rapazes, por um lado, e raparigas, por outro. E se o menino chega a
casa e diz aos pais que andou a experimentar vestidos, não lhe vêm pedir
explicações?
A educadora de infância sorri:
“Imaginem um círculo onde estão várias qualidades que uma pessoa pode ter: a
bondade, a inteligência, etc… aqui, queremos oferecer a cada criança todas as
boas qualidades. Não dizemos assim: ‘Esta qualidade é de menina e esta de
menino.’ Damos tudo a todos e eles farão depois as suas escolhas sobre o que
querem ser. Quando se explica isto aos pais, ninguém contesta. Porque é
simples.”
No máximo, uma família com mais
rendimentos, e apenas um filho, paga 131 euros de mensalidade no Centro Täppan.
A tabela é a mesma para qualquer “pré-escola” — förskola — do país. Quantos mais
filhos uma família tem, menos paga. O quarto filho tem direito a frequentar
gratuitamente. Famílias com baixos rendimentos não pagam nada. Mais de metade
das crianças de um ano e 90% das de cinco anos frequentam um
jardim-de-infância.
Nas últimas quatro décadas tem-se
canalizado muito do muito dinheiro que os suecos pagam em impostos precisamente
para apoiar as famílias — o que permitiu às mulheres ir trabalhar, sem pensar
em deixar de ter filhos.
Alguns resultados: o país tem a
maior taxa (80%) de emprego da União Europeia e a maior taxa de emprego
feminino (77,6%). É também dos que têm maior representação de mulheres na
política e no Governo — apesar de nunca ter imposto quotas aos partidos.
Assiste ao nascimento de mais 30 mil bebés por ano do que Portugal (tendo menos
de dez milhões de habitantes). E é um dos países onde homens e mulheres mais
partilham os cuidados com as crianças (por exemplo, na hora de contar o número
de pais e mães que em 2013 tiraram dias, pagos, para ficar com os filhos
doentes, 57% foram mulheres e 43% homens).
Conseguiu-se outra coisa: “A
possibilidade de as crianças terem os dois pais presentes e não apenas um
deles, o que é importante”, diz Åsa Regnér. Que avisa, contudo: “Parece que
estamos no paraíso da igualdade, mas não.”
Ouviremos isto várias vezes nesta
viagem a Estocolmo. “A sociedade sueca ainda é uma sociedade desigual…”, diz
Annika Creutzer, 60 anos, colunista, especialista em Finanças pessoais e também
“mãe solteira, adoptiva, de uma menina chinesa”.
“Há discriminação. Há diferenças
salariais. Há a violência doméstica. Não! Isto não é o paraíso da igualdade”,
declara enfaticamente Gudrun Schyman, 66 anos, secretária-geral do partido FI
(sigla para Iniciativa Feminina) que, por pouco, não elegeu, nas últimas
eleições, no ano passado, o seu primeiro deputado para o Parlamento nacional. A
imprensa estrangeira deu destaque a este pequeno partido com dez anos de vida
durante uma campanha eleitoral onde o debate sobre a igualdade de género foi
intenso.
O Eurobarómetro, que
periodicamente analisa a opinião dos europeus sobre os mais diversos assuntos,
também mostra esta aparente contradição: no país que aparece sistematicamente
entre os primeiros no ranking mundial da igualdade, 72% da população acha que a
desigualdade de género está disseminada na sociedade. É mais do que os 63% de
insatisfeitos registados em Portugal, que está mais de 30 lugares abaixo no
dito ranking.
Foi neste cenário que Stefan
Löfven, 57 anos, o novo primeiro-ministro, que tomou posse no final do ano,
declarou solenemente no Parlamento que a Suécia teria um “Governo feminista”.
Constituído por 12 mulheres e 12
homens, resultado de uma coligação entre o Partido Social Democrata e os
Verdes, o novo “Governo feminista” já anunciou várias medidas. Em primeiro
lugar, se, ao longo deste ano, as maiores companhias suecas listadas na bolsa
não garantirem que os seus conselhos de administração têm, pelo menos, 40% de
mulheres, em 2016 sairá uma lei que as obriga a ter.
Actualmente, a Suécia já é dos
países com maior peso de mulheres nas administrações das grandes companhias do
mercado bolsista (mais de 28% segundo dados da Comissão Europeia, contra 9% em
Portugal, por exemplo). Mas o Governo acha que isso é escandalosamente pouco.
“Vá, aproveitem agora! Vão buscar todo esse talento feminino!”, diz a sorrir
Åsa Regnér. Não disfarça a ironia.
Sim, é o Governo a intrometer-se
no sector privado. E isso não é pacífico, como nota Kristina Fjelkestam,
directora do departamento de estudos de género na Universidade de Estocolmo.
Mas outras medidas pró-igualdade não o foram no passado. “Às vezes, não se pode
esperar pela mudança da consciência social”, diz a investigadora.
Às vezes, os políticos têm de
caminhar “à frente” da população, diz também Niklas Lofgren, especialista em
políticas de família, na Agência para a Segurança Social Sueca. E têm mesmo
caminhado em alguns aspectos, na opinião de Annika Creutzer.
Niklas Lofgren mostra um cartaz
de um homem supermusculado, cabeleira e bigodes enormes, ruivo — um Viking,
portanto —, a segurar nos braços um bebé. Em letras grandes, vermelhas, lê-se:
“Papá em licença parental!”
Muitos suecos lembram-se bem
deste cartaz (que faz a capa desta edição da Revista 2). Foi lançado na década
de 70 do século passado, quando a Suécia se tornou o primeiro país do mundo a
acabar com a “licença de maternidade”, a criar a mais neutra “licença parental”
de seis meses, paga a 90%, e a dizer que esta devia ser repartida entre homens
e mulheres. O sorriso do bebé no cartaz mostrava como isso era bom também para
a criança.
O cartaz, hoje, suscita risos,
mas não mais do que isso — a campanha não teve grande sucesso, concede Lofgren,
45 anos, pai de dois filhos. Em 1993, quase metade dos pais não gozaram “um
único dia de licença”.
Em 1995, o Governo decidiu criar
“a quota do pai”. Ou seja, se o recém-papá não gozasse, pelo menos, um mês da
licença parental que, até ali, era quase um exclusivo feminino, esse mês
subsidiado perdia-se. Houve quem achasse que era uma intromissão do Estado, que
deviam ser pais e mães a escolher como faziam com os bebés. Havia mesmo quem
dissesse que se estava a prejudicar as mulheres. Em 1996, o número de homens a
não gozar nenhum dia de licença desceu para menos de 15%.
Em 2002, o Governo sueco deu mais
um passo: a “quota intransmissível” cresceu para dois meses. E é assim até
hoje: a licença parental é de 480 dias (uma licença longa comparada com a
prática europeia), a maioria pagos a 80% do salário; dois meses são destinados
a ser gozados pelo pai e outros dois pela mãe, os restantes 12 podem ser
repartidos pelos dois membros do casal (a mesma regra aplica-se a casais de
pessoas do mesmo sexo com filhos), por inteiro ou em part-time, até a criança
fazer 8 anos.
O impacto da nova “quota” voltou
a ser evidente. Em 2014, mais de 90% dos pais homens usaram a licença parental.
Em média, 88 dias, se se fizer as contas aos dias usufruídos até 2013 pelos que
foram pais em 2008. (Em Portugal, 42% dos beneficiários de algum tipo de
licença parental, incluindo os 10 dias “exclusivos do pai” já são homens, fez
saber a Segurança Social portuguesa, mas os que dividem a licença de 150
dias/180 com as mulheres rondam os 24%, sem contar com funcionários públicos,
faz saber o Observatório das Políticas de Família).
Para ministra para a Igualdade
sueca, os níveis de partilha no seu país sabem a pouco. É que, feitas as
contas, ainda só um quarto dos dias de licença parental que o Estado paga
anualmente é pago a homens. Por isso, o “Governo feminista” prepara-se para
agir de novo. Ainda este ano apresentará uma proposta de lei que aumenta de
dois para três meses as quotas intransmissíveis. “Temos dados para dizer que,
se tivermos uma partilha maior da licença parental, também teremos uma partilha
maior do trabalho doméstico e dos cuidados com as crianças”, diz a ministra
para a Igualdade.
Não é consensual, uma vez mais.
“Para os partidos conservadores, não deveria haver sequer uma parte da licença
só para a mãe e outra só para o pai”, refere Niklas Lofgren. E a nova medida não
deverá trazer ao Executivo muitos votos, sublinha. E mais crianças, trará?
Lofgren reconhece que não são só as políticas natalistas e igualitárias que
levam as pessoas a ter filhos. O ambiente económico ajuda.
Para a filha mais velha, Juno,
hoje com cinco anos, Karin recorreu a uma clínica na Dinamarca onde se faz
inseminação artificial. Os mais novos, Tore (um rapaz que está agora com três
anos e meio) e Mika (uma menina de três meses), nasceram depois de uma
inseminação feita num hospital sueco.
Legalmente, Karin e Sara são
ambas mães das três crianças, exactamente com os mesmos direitos e deveres. “As
crianças chamam-nos às duas ‘mãe’. Ou ‘mãe Sara’ ou ‘mãe Karin’. Um dia, quando
fizerem 18 anos, poderão, se quiserem, ter acesso à identidade dos dadores. Nós
não sabemos quem são.”
Karin trabalha no Ministério dos
Negócios Estrangeiros, 40 horas por semana, que é “o horário normal”, e Sara
numa empresa de marketing britânica que tem uma filial em Estocolmo. Os seus
salários juntos somam 9062 euros por mês. Depois dos impostos, ficam com pouco
menos de 6200 euros. Acrescentam a isto o abono de família das três crianças,
cerca de 400 euros mensais livres de impostos — para explicar que o abono de
família é universal, para todas as crianças, independentemente de quanto ganham
os pais, Niklas Lofgren da Segurança Social gosta de utilizar uma expressão:
“Até os filhos do rei recebem.”
Quando os miúdos forem mais
velhos, terão acesso a escola gratuita, a refeições gratuitas e a actividades
extracurriculares a baixo custo. Se quiserem, Sara e Karin poderão ainda
contratar uma empregada doméstica, para ajudar nas tarefas caseiras, e terão
benefícios fiscais por isso.
Recentemente, Karin e Sara
decidiram acrescentar um piso à casa — para dar mais conforto à família cada
vez mais numerosa. E para já é aqui, nesta casa luminosa com vista para um
pequeno quintal com relva, que passam bastante tempo. Têm dividido entre as
duas as licenças parentais de cada criança e, quando a de Mika se esgotar
(neste momento é Karin quem está a gozar a sua parte, tendo Sara, a que deu à
luz, voltado ao trabalho), planeiam passar a trabalhar em part-time durante uns
tempos. “Pode ser trabalhar a 80% ou a 90%, só o suficiente para podermos ir
alternando os dias: num dia, uma de nós sai um pouco mais cedo para ir buscar
as crianças à escola; noutro dia, outra”, diz Karin.
“Na Suécia, as empresas esperam
que as mulheres tirem licenças longas, ninguém estranha”, explica ainda. “E
tens o direito de trabalhar em part-time, para estar mais com os filhos, sem
que seja feita qualquer pergunta. É um bom sítio para se ter filhos: as
crianças têm acesso a cuidados médicos gratuitos (até aos 20 anos), incluindo
dentários. E pela Juno e pelo Tore pagamos 200 euros por mês” no pré-escolar.
A maioria das “pré-escolas”
pertencem aos municípios, mas também há várias geridas por cooperativas de
pais. Karin pertence à direcção daquela onde tem os filhos, a poucos minutos de
casa.
Por lei, explica, todas as
“pré-escolas” têm de estar preparadas para abrir às 6h30 da manhã e para
acolher as crianças até às 18h30. Os meninos comem, brincam e fazem a sesta no
jardim-de-infância — sendo que na Suécia é hábito que mesmo no pico do Inverno,
com neve e temperaturas abaixo de zero, as crianças durmam ao ar livre, “muito
embrulhadas em sacos-cama”.
Na prática, as direcções falam
com cada um dos pais para saber quais são as suas reais necessidades em termos
de horários. E não é suposto que uma criança fique 12 horas na escola — também
isso não é “bem visto”.
“Há esta ideia de que ser uma boa
mãe é não deixar as crianças no infantário muito tempo. Algumas até contratam
amas para as irem buscar às três da tarde. Há uma pressão enorme, a pressão de
ser supermãe”, lamenta a especialista em finanças pessoais, Annika Creutzer.
Então e os superpais — esses
homens suecos que aparecem retratados nas revistas internacionais com os bebés
a tiracolo enquanto aspiram a casa? Não sentem a pressão?
“As medidas adoptadas [nas
últimas décadas] tornaram mais fácil às mulheres conciliar a vida profissional
e familiar, mas não desafiaram verdadeiramente a distribuição do trabalho não
pago entre homens e mulheres”, diz a perita em igualdade de género Anita
Nyberg, investigadora na Universidade de Estocolmo. A estatística mostra que
desde 1990 elas reduziram o seu trabalho não remunerado em média uma hora por
semana e eles dedicam-lhe mais… oito minutos.
O que significa ser homem, hoje,
na Suécia, é uma pergunta que provoca um ataque de tosse a Fredrik Sörebo, 55
anos. O que mudou na ideia de masculinidade no país que sempre aparece no topo
dos rankings da igualdade? “Ahhh, esse assunto é tão difícil!”
Sörebo é responsável pelo
Mansjouren, em Estocolmo — uma espécie de gabinete de apoio para homens em
dificuldades, seja porque estão envolvidos em episódios de violência doméstica,
como agressores ou vítimas, e procuram ajuda, seja porque precisam de um
psicólogo mas não o conseguem pagar no mercado privado, ou porque se divorciam
e não chegam a acordo em relação à partilha dos filhos, e precisam de
aconselhamento legal.
Depois da tosse, Sörebo arrisca:
“É claro que fui educado numa época completamente diferente desta, tenho 55
anos. Posso dizer ‘ah, sou tão neutro’, mas é claro que… não esperem que seja
perfeito… Estudei Psicologia na universidade. Acabei há apenas uns anos.
Estudei com pessoas com metade da minha idade. E sim, somos diferentes, mas não
tão diferentes assim. Às vezes, assisto aos debates oficiais e uau… ‘Estamos
assim tão mal?’”
A Suécia foi no passado um país
de agricultores — os homens tratavam de planear as colheitas para garantir
comida à mesa nos rigorosos meses de Inverno, elas cuidavam da casa e dos
filhos. Mas, em relativamente pouco tempo, o tema igualdade de género tornou-se
omnipresente — já se disse, a ministra para a Igualdade acha que,
“absolutamente sim”, o desenvolvimento económico do país deve muito ao que foi
feito nessa área. E talvez por isso o “discurso oficial” a que se refere Sörebo
esteja tão centrado no que está mal.
Mesmo comparando com outros países
nórdicos, o debate na Suécia em torno das questões de género “é muito mais
radical e foca-se mais nas desigualdades que restam no que nos progressos
feitos”, explicou, numa entrevista ao Wall Street Journal, Lena Wängnerud,
professora de Ciência Política na Universidade de Gotemburgo.
Fredrik Sörebo tem dificuldade em
perceber: “Sinceramente, não acho que haja enormes diferenças entre os homens e
as mulheres na Suécia. A minha ex-mulher é uma mulher de negócios muito bem
sucedida. E a minha actual mulher tem uma empresa… Tenho dois filhos que me
parecem muito normais — e eles seriam os primeiros a criticar-me se achassem
que eu era um homem da idade da pedra… posso não ser um homem perfeito, mas
acredito no julgamento deles.”
Mesmo que à sua volta Sörebo não
as sinta, as diferenças estão expressas nalguns indicadores que alimentam o
debate. O Eurostat diz que em média as mulheres na União Europeia ganham por
hora menos 16% do que os homens. Na Suécia, o hiato é de 15% e em Portugal de
13%. Dados de 2013. Estes cálculos limitam-se a comparar o preço por hora de
trabalho — não têm em conta o tipo de trabalho, a experiência e o nível de
escolaridade do trabalhador, por exemplo, alerta Annika Creutzer. Se esses
factores forem tidos em conta, a diferença é de 7%, segundo os últimos dados do
instituto sueco de estatística.
Sendo “um hiato salarial mais
pequeno do que outros países têm, a verdade é que existe e está ao mesmo nível
há dez anos”, lamenta Åsa Regnér. E não há “paraíso da igualdade” que aguente o
facto de haver diferenças salariais exclusivamente baseadas no género e
sectores do mercado de trabalho onde a segregação é evidente — 77% dos
professores do ensino superior são homens, 93% das educadoras de infância são
mulheres. Em profissões predominantemente masculinas ganha-se melhor, naquelas
onde dominam as mulheres, pior, sublinha.
“Isto tem consequências para o
resto da vida”, prossegue Åsa Regnér. “No que diz respeito às pensões de
reforma, por exemplo, as mulheres recebem cerca de 60% das pensões dos homens.”
Simplesmente porque salários mais baixos, e mais tempo em casa, significam
contribuições mais baixas. “Quando vemos as diferenças salariais entre homens e
mulheres antes do nascimento do primeiro filho, as diferenças nem são enormes.
O nascimento do primeiro filho é o momento-chave.”
Para lidar com o problema, o
“Governo feminista” vai obrigar os empregadores a analisarem anualmente os
salários que pagam a homens e a mulheres e a tornarem transparentes as suas
políticas salariais. Se detectarem diferenças, devem explicá-las nas inspecções
periódicas de que são alvo — a discriminação com base no género é proibida.
Outro nó difícil de desatar é o
da violência. O país não se saiu bem numa mega-sondagem divulgada no ano
passado pela Agência Europeia para os Direitos Fundamentais: 46% das suecas
inquiridas disseram já ter sido vítimas de violência. É das maiores
percentagens da União Europeia. Outros países igualmente conhecidos pelos bons
indicadores relacionados com a igualdade de género saíram-se ainda pior:
Dinamarca, 52%, Finlândia, 47%…
Alguns investigadores alertaram
na altura para a possibilidade de os dados poderem reflectir uma maior
consciência do abuso nestes países. Seja como for, outros números não deixam
margem para dúvidas: em média, 17 suecas por ano são mortas por pessoas com
quem tinham uma relação íntima — em Portugal, no ano passado, foram 35. “Nos
últimos 15 anos investimos em legislação, em casas de abrigo, em educação, na
formação das autoridades, no sistema judicial, nos hospitais, para que prestem
um bom serviço às vítimas de violência doméstica”, diz Åsa Regnér. “É preciso
fazer muito mais.” A começar nas escolas. Åsa Regnér quer reforçar os
currículos nestas áreas.
O “Governo feminista” tem mais
planos, inclusive além-fronteiras. Anunciou uma “agenda feminista” para a
política externa. Os direitos humanos em geral e os das mulheres em particular
devem estar presentes quando o Estado sueco debater com outros países política
e negócios, quando cooperar em cenários de conflito e ajudar na reconstrução.
O feminismo está na ordem do dia.
“É óptimo que os meus colegas de Governo acordem de manhã e se sintam
feministas. Mas é óptimo também que ao longo do resto do dia trabalhem de forma
feminista, e deverão fazê-lo”, diz Åsa Regnér. No final da legislatura, os
suecos avaliarão. “E vai ter de se perceber qual a diferença entre um governo
feminista e outro governo qualquer.”
Fonte: Por Andréia Sanches Do
Publico
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