Nós, homens, pensaríamos duas
vezes antes de fazermos comentários machistas, preconceituosos e violentos se
tivéssemos medo de sermos criticados, repreendidos e humilhados publicamente
por outros homens em um almoço de família, no intervalo das aulas da faculdade,
na mesa de bar. E, é claro, também nas conversas, publicações, curtidas e
compartilhamentos no Facebook, Twitter e WhatsApp.
Por Leonardo Sakamoto
Ficamos chocados com a
viralização e a espetacularização de imagens de violência sexual contra
mulheres. No ambiente digital, a sensação de anonimato e o sentimento de
impunidade diante da tela do computador ou do smartphone contribuem para o
cenário, mas há algo mais embaixo.
O discurso violento e opressor –
mais palatável e que mexe com nossos sentimentos mais primitivos e simples –
ecoa e repercute. Esse discurso basta em si mesmo. Não precisa de nada mais do
que si próprio para ser ouvido, entendido e absorvido. Faz sucesso. Cola
rápido, cola fácil, tornando-se vetor para alcançar fama em um ambiente onde
grassa a ignorância sobre o tema.
Precisamos qualificar o debate
público. E “qualificação'' não significa elitização, muito pelo contrário. Não
é tornar as conversas do dia a dia chatas, moralistas, hipercodificadas,
barrocas ou acadêmicas e sim ajudar o cidadão a perceber a complexidade do
mundo em que vive e a construir um novo sentido para as coisas. Um sentido que
não trate mulheres como objetos descartáveis à nossa disposição.
Essa qualificação, é claro, vem
de um processo que envolve escolas, famílias, sociedade civil e mídia. Em tese,
é um processo lento, porque passa pela formação de visão de mundo. Mas mulheres
continuam a ser assediadas, agredidas, estupradas e mortas simplesmente por
serem mulheres na segunda década do século 21. Portanto, não temos o luxo de
contar com esse tempo. Temos que promover essa mudança imediatamente.
Um estudo do Observatório Proxi
(Projeto Online contra a Xenofobia e a Intolerância), impulsionado pelo
Instituto de Direitos Humanos da Catalunha, na Espanha, afirmou que fomentar
diálogos construtivos em debates violentos e estimular a participação de outras
pessoas tolerantes e que respeitam os direitos humanos funciona.
Em uma sociedade historicamente
estruturada em torno da violência de gênero, nossa responsabilidade como homens
não é apenas evitar que nós mesmos sejamos vetores do sofrimento simbólico,
psicológico ou físico das mulheres cis e trans. Neste caso, não basta cada um
fazer sua parte para que o mundo se torne um lugar melhor.
Se você fica em silêncio diante
de situações de violência de gênero, sinto lhe informar que tem optado pela
saída fácil da delinquência social.
Sim, ao ver um colega relinchando
aberrações inconcebíveis na mesa do bar e não questioná-lo por isso, dando uma
risadinha de conta de boca; ao ouvir aquele tio misógino defender que “mulher
que se preze não usa saia curta'' e ficar em silêncio; ao assistir àquele
“humorista'' fazer apologia ao estupro e não mudar de canal ou enviar mensagem
protestando às autoridades; ou ao se deparar com um amigo compartilhando
histórias de violência sexual e sua única reação foi um beicinho de
desaprovação, você – em maior ou menor grau – está sendo cúmplice de tudo isso.
Nós, homens, temos a
responsabilidade de educarmos uns aos outros, desconstruindo nossa formação
machista, explicando o que está errado, impondo limites ao comportamento dos
outros quando esses foram violentos, denunciando se necessário for.
Não é censura, pelo contrário.
Esses são atos para ajudar a garantir que as mulheres possam desfrutar da mesmo
liberdade que nós temos – liberdade que nossos atos e palavras sistematicamente
negam a elas.
O constrangimento público é uma
arma poderosa e precisa ser usada insistentemente. As pessoas precisam entender
que o seu discurso e suas atitudes violentas não cabem mais no ambiente em que
estão.
Como já disse aqui antes, agimos
como inimigos até termos sido devidamente educados para o contrário. Não é um
processo fácil e demanda uma vida inteira de autocrítica, o que falo por
experiência própria. Mas necessário.
Pois é no momento em que pessoas
conscientes se calam, cansadas da opressão e da violência, que a opressão e a
violência encontram terreno sem resistência para avançar.
Fonte: Blog do Sakamoto
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