Debater a prostituição como
estruturante do patriarcado é tarefa do feminismo, e engloba também discutir
indústria do sexo, pornografia e tráfico de pessoas.
*Por Luiza Mançano
1. A prostituição NÃO é uma
escolha individual, ela é um modelo e um sistema que garante que o acesso dos
homens ao corpo das mulheres.
Não devemos, como feministas,
falar sobre prostituição como uma escolha individual, pois sabemos que no
patriarcado os homens controlam individual e coletivamente o trabalho, o corpo
e a sexualidade das mulheres, ainda mais em um contexto de extrema desigualdade
social e racial como no Brasil.
2. A prostituição está baseada em
um modelo de sexualidade, a partir de uma dupla moral
“A sexualidade masculina é viril,
e os homens teriam um desejo insaciável, enquanto as mulheres tem sua
sexualidade marcada pela passividade, vinculada mais à reprodução e não ao
prazer. A hipocrisia dessa dupla moral sempre tratou a prostituição como algo
necessário para preservar a virgindade das “moças de família” e garantir a
satisfação dos desejos “insaciáveis” dos homens casados.” [1]
3. A prostituição, como sistema,
está organizada para/pelos homens. Homens demandam sexo e homens controlam a prostituição
“Além da demanda por sexo, um
grupo de homens organiza a prostituição e se apropria de grande parte do que as
mulheres recebem. O mesmo se dá no casamento, onde a contribuição econômica das
mulheres é invisibilizada. São mecanismos para parecer que os homens são
provedores, no caso do casamento. E um mecanismo de controle e exploração, no
caso da prostituição. Mas o objetivo por trás dessa lógica é sempre que as
mulheres não tenham autonomia.” [extraído da cartilha da SOF: Prostituição –
uma abordagem feminista]
4. Corpos e sexualidade como
mercadoria
É uma contradição lutar contra o
neoliberalismo econômico e defender o neoliberalismo sexual, em que os homens
são clientes e sujeitos e podem aceder ao corpo das mulheres como mercadorias e
objetos. É falacioso colocar o debate da prostituição a partir de uma ideia
neoliberal de escolha individual em um marco de desigualdade econômica e de
direitos.
Considerando estes quatro pontos,
quero dizer que:
Debater a prostituição como
estruturante do patriarcado é tarefa do feminismo, e engloba também discutir
indústria do sexo, pornografia e tráfico de pessoas;
Nós temos o DEVER de mostrar o
que é a prostituição no Brasil, e ela não é uma escolha. É exploração de
crianças e mulheres, em sua maioria negras e pobres, que não têm acesso à
educação, à uma profissão e aposentadoria. [ver os depoimentos do vídeo Nosso
corpo nos pertence?] Usar o exemplo de alguém que decidiu se prostituir depois
de ter acesso à universidade, ter uma profissão e até mesmo fazer doutorado em
uma das universidades mais elitistas do país é no mínimo ingênuo, embora eu
acredite que a palavra certa seja desonestidade.
Na tentativa de glamourizar a
prostituição, vocês estão contribuindo para a marginalização de mulheres, primeiro
porque distorcem o que é a prostituição, segundo porque não incorporam o que
mulheres em situação de prostituição tem a dizer;
E pessoalmente eu fico INDIGNADA
que grupos que se dizem feministas se proponham a reforçar a prostituição e o
turismo sexual (!!) diante de um megaevento no país, em que ocorre o
aliciamento de mulheres e crianças, envolvendo coerção, estupro, tráfico.
Fico pensando qual o recado que
nós feministas temos a passar tanto para as mulheres e crianças exploradas
sexualmente, quanto para os homens brasileiros e estrangeiros. E eu espero
sinceramente de que não seja o recado de que as mulheres e crianças brasileiras
estão disponíveis para serem negociadas, exploradas e mercantilizadas.
O debate em torno da prostituição
envolve responsabilidade, ainda mais diante de um megaevento como as Olímpiadas
que se aproxima.
*Luiza Mançano é militante da
Marcha Mundial das Mulheres em São Paulo:
Fonte: Marcha Mundial das
Mulheres
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