Apenas uma mulher foi premiada
com o Oscar de direção em 87 anos. No ano passado, só 4% dos filmes americanos
foram dirigidos por mulheres –produtores de Hollywood preferem homens para
pilotar um filme.
Latinos e negros continuam
ausentes como protagonistas. O primeiro longa de ficção sobre Martin Luther
King (1929-1968), “Selma”, precisou de dinheiro francês e do apoio da
bilionária Oprah Winfrey para chegar às telas.
E galãs gays, alguns na primeira
fila da cerimônia, são instruídos por empresários e agentes a jamais sair do
armário para não perder papéis e cachês.
Os discursos engajados e
emocionados de vários premiados no domingo (22) à noite foram um raro desabafo
em uma indústria que se arrisca cada vez menos e que permitiu um êxodo de
talentos rumo às séries de TV.
Vários assuntos na pauta do país
ganharam a tribuna do horário nobre: racismo, encarceramento da população
negra, suicídios, homofobia, desigualdade salarial entre gêneros e reforma
imigratória. Tudo que não tem espaço para ser discutido em filmes de
super-heróis, sequências de velhos sucessos ou superproduções cheias de
explosões e tiros.
AMÉRICA PROFUNDA
Atores e atrizes, que não se
limitaram a agradecer suas famílias e equipes, perceberam uma virada cultural
em curso nos EUA.
Na semana passada, o ex-prefeito
de Nova York, Rudolph Giuliani, criticou o presidente Obama por “não amar a
América” e “sempre criticar o país quando pode, mais do que qualquer outro
presidente”.
Ser crítico com os EUA, depois de
uma década de patriotismo estridente e de “ou você está conosco ou contra nós”,
voltou a ser tolerado pelo establishment.
Há apenas uma década, uma das
atrizes americanas mais ativistas, Susan Sarandon, não fez nenhum comentário
político ao apresentar uma das premiações. O diretor Michael Moore, ao ganhar
seu Oscar, foi vaiado ao criticar a guerra do Iraque.
Os ventos mudaram. Boa parte da
plateia aplaudiu Laura Poitras ao discursar sobre Edward Snowden e seu premiado
“Citizenfour”. Agora são os conservadores, como Clint Eastwood, que ficam
calados com cara emburrada na plateia.
Mas apesar dos discursos
ativistas, a Academia de Cinema precisou dissimular a falta de diversidade em
seus quadros. Dos 20 indicados a prêmios de interpretação protagonistas ou
coadjuvantes, todos eram brancos.
Sua presidente é uma mulher
negra, assim como diversas atrizes que foram convidadas a apresentar prêmios
(nenhuma indicada).
O mestre de cerimônias, o ator
Neil Patrick Harris, foi o único ator abertamente gay no palco.
Ainda assim, Hollywood manteve
sua imagem de “progressista” e muito à esquerda do país como um todo. Para a
América profunda, das cidades pequenas e do interior, o Oscar é a reunião da
esquerda caviar, com seus vestidos milionários e discursos engajados.
Longe dos troféus, é “Sniper
Americano” que leva aplausos nas salas de cinema, fatura bilheteria recorde e
faz a alegria da indústria. Fora dos discursos, o engajamento ainda está nas
margens.
Fonte: Folha de SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário