"Sempre que tenho um momento
durante o dia, eu me conecto. Desde que eu acordo, até a hora de deitar. Acho
que me sinto sozinha, quando não estou na Internet, desconectada", diz
Sumire à AFP.
"Em todo lugar e a qualquer
hora, converso com meus amigos no Line", conta, referindo-se ao aplicativo
de troca de mensagens instantânea, no qual cerca de 90% dos estudantes
japoneses de Ensino Médio têm uma conta.
De acordo com uma pesquisa de
2013 feita pelo governo, 60% dos alunos do secundário, que tinham tido contato
com o mundo digital desde muito cedo, mostravam fortes sinais de dependência da
Internet. De lá para cá, o uso da Web explodiu, e o número de telas se
multiplicou junto com a oferta de equipamentos - smartphones, tablets, e-books,
entre outros -, agravando o problema.
O fenômeno preocupa os profissionais da Saúde.
Segundo um recente estudo do
Centro de Pesquisa sobre Saúde Mental de Xangai, que analisou dados cerebrais
de jovens viciados em tecnologia, essas práticas têm um impacto neurológico
comparável ao da dependência do álcool, ou da cocaína. Criou-se, inclusive, uma
especialidade médica dedicada a tratar os jovens do vício digital.
A questão é que, agora, a
dependência é ainda mais difícil de ser detectada.
"Com os smartphones, já não
é mais necessários se trancar no quarto [para acessar o computador]. Com isso,
fica mais difícil se dar conta de que alguém tem um problema", explica o
psiquiatra Takashi Sumioka, que oferece um programa de "desintoxicação
digital".
No tratamento, o médico pede aos
pacientes que redijam um diário "para que vejam até que ponto estão
dependentes do smartphone e da conexão à Internet". Ele conta que a
"cura" pode levar até seis meses.
O número de casos tratados por
esse especialista triplicou entre 2007 e 2013.
'Uma pessoa totalmente diferente'
"Esse tipo de obsessão é
provocado pelo temor de ser deixado de lado, ou até sofrer bullying em um
grupo, se você não responder as mensagens rápido o suficiente", explica o
doutor Sumioka.
Segundo ele, a necessidade incontrolável
de comprovar seu pertencimento a um grupo e de seguir suas regras mostra uma
característica da cultura japonesa, que tende a rejeitar o que é dissonante e
não estimula que alguém seja diferente dos demais.
"O Japão é uma sociedade
conformista. As pessoas não defendem necessariamente suas opiniões,
simplesmente seguem o grupo", comenta Sumioka.
Essa sociabilidade
"eletrônica" não equivale, porém, às interações humanas da vida real,
lembram os especialistas, que alertam para o risco de se privilegiar quase que
exclusivamente os contatos on-line.
Muitos japoneses se sentem,
agora, muito mais confortáveis nas conversas pela Internet do que fora dela,
aponta a professora de Informática Miki Endo, que organiza desde 2002 cursos
sobre o vício na Web.
Ela relata o caso de uma aluna de
22 anos.
"Depois da aula, ela me
pediu autorização para navegar na Internet, já que seus pais a proibiam de usar
em casa", conta Miki, que viu a jovem se transformar diante de seus olhos.
"Durante 10 minutos, ela era
uma pessoa totalmente diferente. Quando se conectou às redes sociais, ela
começou a falar em voz alta e a rir. Ela, que costumava ser muito introvertida,
parecia ter-se esquecido da minha presença", completou.
'Nunca saía do quarto'
No espaço de uma década, o vício
nas novas tecnologias mudou completamente de natureza. Antes, afetava os fãs de
videogames, como Masaki Shiratori, que, com 11 anos, passava os dias lutando na
Internet contra monstros imaginários.
Ao contrário dos jovens de hoje,
ele queria fugir da realidade e das obrigações da vida em sociedade.
Preso em seu console por até 20
horas diárias, travava combates no game on-line "Arado Senki"
("Dungeon Fighter Online"), não ia mais às aulas, parando apenas para
dormir, mergulhado em um universo muito mais acolhedor para ele do que a
escola.
"Nunca saía do quarto, a não
ser para ir ao banheiro", revela.
Masaki conseguiu largar o mundo
virtual e voltar à vida social apenas aos 14 anos, quando seus pais o
internaram.
Depois de anos de terapia e de sua
passagem por um instituto especial, o jovem, hoje com 20 anos, estuda
Informática em uma universidade perto de Tóquio. Agora, ele espera poder viver
de seus conhecimentos... mas no mundo real.
Fonte: AFP
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