Na Índia uma mulher pode ser
violentada e se transformar em uma heroína. Pode lutar pela igualdade no
trabalho e social, ser ministra de Estado e estrela de cinema. Porém, se ela
chegar a se casar com o homem errado, de outra religião ou, pior, de outra casta,
será muito provavelmente humilhada por seus familiares ou pelos familiares de
seu marido, e, cedo ou tarde, seu irmão, seus primos ou seus pais tratarão de
matá-la. “Pela honra”, como esses assassinatos são conhecidos, morrem pelo
menos mil mulheres por ano nesse país.
Alguns processos, como o do filho
do político DP Yadav, do estado de Uttar Pradesh, parecem alterar a Justiça
para proteger os criminosos. No caso de Nitish Kastara, que foi assassinado
pelo jovem Yadav e outros dois homens, o erro foi ser amigo de uma prima e
buscar sua companhia. Condenados a pena de morte há alguns anos, houve uma
revogação, sem justificativa aparente, e as penas são agora de 25 anos de
prisão.
A jovem residente no Canadá Jassi
Sidhu tinha 25 anos no ano 2000, quando visitou a Índia e acabou se casando com
um humilde condutor de rickshaw (de casta “inferior”). Sua família se opôs. Foi
assassinada a golpes e punhaladas em frente de seu marido (que sobreviveu ao
ataque). Durante mais de uma década, a polícia do estado de Punjab foi incapaz
de condenar, contando com evidências concretas, a mãe e o tio de Jassi; ambos
foram presos no final de 2011.
Essa tragédia familiar ocorre em
todos os estados do noroeste do país, porém começa a ser comum no sul,
principalmente em Tamil Nadu. O mesmo acontece em pequenas comunidades e grandes cidades, em que muitas jovens
esposas, algumas grávidas, morrem estranguladas e são cremadas por suas famílias
todos os dias do ano.
Jassi Sidhu foi assassinada a
golpes e punhaladas em frente ao marido
Há dois anos, uma decisão da
Corte Suprema estabeleceu que um assassinato por honra “é um dos poucos crimes
que deveriam ser castigados com pena de morte”.
Do amor e outros demônios
No mês de fevereiro, que outros
países conhecem como “do amor e da amizade”, os assassinatos aumentam, e as
proibições, ao que tudo indica, também. No último dia 7 de fevereiro, a Corte
Superior de Madrás, um dos mais antigos tribunais do sul do país, recebeu uma
petição para proibir casamentos de casais jovens que não contassem com a
aprovação dos pais de ambos. Um obscuro advogado, K. K. Ramesh, entrou com essa
petição diante do “alarmante aumento de casamentos por amor”, os assassinatos
pela honra, os divórcios e outros conflitos.
Nesses dias, em uma comunidade do
distrito de Mathura, a cerca de cem quilômetros de Nova Deli, a jovem estudante
Neeraj Kumari apanhou da mãe e do irmão, que não aprovavam seu noivado com um
vizinho e a haviam prometido para um jovem soldado. Logo após a surra, a mãe e
o irmão a encharcaram de querosene e a queimaram. Sem recuperar a consciência,
morreu na segunda-feira, dia 9 de fevereiro.
Na sexta-feira, dia 13 de
fevereiro, no distrito de Gurgaon, subúrbio de Nova Deli, uma mulher de 26 anos
apareceu enforcada no banheiro. Sua família alegou suicídio, porém a autopsia
demonstrou estrangulamento. No mesmo dia, em um distrito próximo de Gonda, uma
jovem de 16 anos apareceu na beira de um rio, estrangulada. Sua família nem
sequer relatou o caso e se negou a fazer um boletim de ocorrência na delegacia
de polícia. Em ambos os casos, a polícia investiga se foram assassinatos pela
honra.
Sem direitos nem proteção
Dez organizações não
governamentais organizaram uma pequena marcha na capital da Índia na tarde de
sábado de 14 de fevereiro, dia de São Valentim, para honrar as vítimas dos
assassinatos pela honra. Porém, também para reivindicar ações efetivas da
polícia, que muitas vezes tem um papel nefasto na morte dos jovens apaixonados.
Como aconteceu em julho de 2009,
quando Ved Pal foi preso em sua comunidade do estado de Haryana. Acusado
falsamente pela família de sua mulher Sonia, o jovem de 21 anos caminhava para
a delegacia de polícia rodeado por 15 agentes que, no maior escândalo dessa
categoria, não impediram que uma turba de parentes da sua mulher linchassem
Ved.
Asif Iqbal, que fundou a
organização Dhanak para a Humanidade, uma rede de proteção para jovens casais
que se casam sem ser da mesma religião ou casta, participou da marcha.
“Primeiro nós os ajudamos a se casarem, em seguida enviamos cópia da certidão
de casamento para o cartório de seu distrito e para a delegacia de polícia
local”.
Iqbal afirmou que em Dhanak há
pelo menos 500 casais que oferecem abrigo aos casais recém-casados.
"Porém, também trabalhamos com temas legais e sistêmicos, como a emenda às
leis sobre o casamento, e começamos um programa com os funcionários do registro
civil, que frequentemente jogam sujo e recusam pedidos de casamento por
diversas razões”.
Protesto realizado em 14 de
fevereiro, na Índia, pede o fim dos assassinatos pela honra no país
No evento também esteve presente
o famoso ativista Swami Agnivesh, que afirmou que essa falta de defesa é
ilegal, racista. Agnivesh lembrou que os policiais são quase todos de castas
“superiores” e muitas vezes se tornam cúmplices dos crimes que deveriam combater.
Em janeiro passado, no estado de
Punjab, por exemplo, um jovem casal de dalits (ou intocáveis) obteve proteção
da corte superior de seu distrito diante das ameaças de morte que receberam da
família da noiva. A polícia se negou a cumprir a ordem judicial, e no dia 5 de
janeiro Sandeep (24) e Khusboo (22) foram atacados por cinco homens armados com
espadas e facas. Ambos morreram.
Nem tudo é perdão com os pais
No dia 12 de novembro passado, o
programador Abhishek Seth e sua noiva Bhavna Yadav, estudante universitária,
casaram-se em segredo. Os pais da jovem haviam se oposto ao relacionamento do
casal porque ela vinha do estado de Rajasthan, e ele é de Punjab. De qualquer
forma, Bhavna pensou que poderia resolver o conflito, e avisaram a sua família do
casamento no dia seguinte.
O pai de Bhavna os convenceu ao
não tornar público o casamento até que pudessem arrumar tudo em uma cerimônia
apropriada. “Em seguida, ele a levou para sua casa. Eu aceitei a situação
porque o prestígio dessa família corria riscos. Não suspeitei de nada”,
relembrou Abhishek.
Porém, no dia 14 de novembro, sua
jovem mulher voltou para ele, denunciando maus-tratos de seus pais. Em seguida
um tio telefonou ameaçando-os de morte. De qualquer forma, quando seus sogros
chegaram para pedir desculpas e levaram sua mulher novamente, Abhishek
acreditou neles “ainda que ficasse claro que eles planejavam matá-la”.
Pais e tios a mataram a golpes e
em seguida a estrangularam. Dois dias depois cremaram seu corpo na sua
comunidade de origem e declararam “morte por causas naturais”. Porém o
programador denunciou o caso à polícia.
Em 19 de novembro, como consta em
boletim de ocorrência, a polícia prendeu os pais de Bhavna (o tio está
foragido). E o caso continua em curso.
Fonte: Opera Mundi
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