quinta-feira, 16 de abril de 2015

Crimes 'em defesa da honra' matam pelo menos mil mulheres por ano na Índia

Na Índia uma mulher pode ser violentada e se transformar em uma heroína. Pode lutar pela igualdade no trabalho e social, ser ministra de Estado e estrela de cinema. Porém, se ela chegar a se casar com o homem errado, de outra religião ou, pior, de outra casta, será muito provavelmente humilhada por seus familiares ou pelos familiares de seu marido, e, cedo ou tarde, seu irmão, seus primos ou seus pais tratarão de matá-la. “Pela honra”, como esses assassinatos são conhecidos, morrem pelo menos mil mulheres por ano nesse país.

Alguns processos, como o do filho do político DP Yadav, do estado de Uttar Pradesh, parecem alterar a Justiça para proteger os criminosos. No caso de Nitish Kastara, que foi assassinado pelo jovem Yadav e outros dois homens, o erro foi ser amigo de uma prima e buscar sua companhia. Condenados a pena de morte há alguns anos, houve uma revogação, sem justificativa aparente, e as penas são agora de 25 anos de prisão.
A jovem residente no Canadá Jassi Sidhu tinha 25 anos no ano 2000, quando visitou a Índia e acabou se casando com um humilde condutor de rickshaw (de casta “inferior”). Sua família se opôs. Foi assassinada a golpes e punhaladas em frente de seu marido (que sobreviveu ao ataque). Durante mais de uma década, a polícia do estado de Punjab foi incapaz de condenar, contando com evidências concretas, a mãe e o tio de Jassi; ambos foram presos no final de 2011.
Essa tragédia familiar ocorre em todos os estados do noroeste do país, porém começa a ser comum no sul, principalmente em Tamil Nadu. O mesmo acontece em pequenas comunidades e  grandes cidades, em que muitas jovens esposas, algumas grávidas, morrem estranguladas e são cremadas por suas famílias todos os dias do ano. 

Jassi Sidhu foi assassinada a golpes e punhaladas em frente ao marido

Há dois anos, uma decisão da Corte Suprema estabeleceu que um assassinato por honra “é um dos poucos crimes que deveriam ser castigados com pena de morte”.

Do amor e outros demônios

No mês de fevereiro, que outros países conhecem como “do amor e da amizade”, os assassinatos aumentam, e as proibições, ao que tudo indica, também. No último dia 7 de fevereiro, a Corte Superior de Madrás, um dos mais antigos tribunais do sul do país, recebeu uma petição para proibir casamentos de casais jovens que não contassem com a aprovação dos pais de ambos. Um obscuro advogado, K. K. Ramesh, entrou com essa petição diante do “alarmante aumento de casamentos por amor”, os assassinatos pela honra, os divórcios e outros conflitos.
Nesses dias, em uma comunidade do distrito de Mathura, a cerca de cem quilômetros de Nova Deli, a jovem estudante Neeraj Kumari apanhou da mãe e do irmão, que não aprovavam seu noivado com um vizinho e a haviam prometido para um jovem soldado. Logo após a surra, a mãe e o irmão a encharcaram de querosene e a queimaram. Sem recuperar a consciência, morreu na segunda-feira, dia 9 de fevereiro.
Na sexta-feira, dia 13 de fevereiro, no distrito de Gurgaon, subúrbio de Nova Deli, uma mulher de 26 anos apareceu enforcada no banheiro. Sua família alegou suicídio, porém a autopsia demonstrou estrangulamento. No mesmo dia, em um distrito próximo de Gonda, uma jovem de 16 anos apareceu na beira de um rio, estrangulada. Sua família nem sequer relatou o caso e se negou a fazer um boletim de ocorrência na delegacia de polícia. Em ambos os casos, a polícia investiga se foram assassinatos pela honra.


Sem direitos nem proteção

Dez organizações não governamentais organizaram uma pequena marcha na capital da Índia na tarde de sábado de 14 de fevereiro, dia de São Valentim, para honrar as vítimas dos assassinatos pela honra. Porém, também para reivindicar ações efetivas da polícia, que muitas vezes tem um papel nefasto na morte dos jovens apaixonados.

Como aconteceu em julho de 2009, quando Ved Pal foi preso em sua comunidade do estado de Haryana. Acusado falsamente pela família de sua mulher Sonia, o jovem de 21 anos caminhava para a delegacia de polícia rodeado por 15 agentes que, no maior escândalo dessa categoria, não impediram que uma turba de parentes da sua mulher linchassem Ved.
Asif Iqbal, que fundou a organização Dhanak para a Humanidade, uma rede de proteção para jovens casais que se casam sem ser da mesma religião ou casta, participou da marcha. “Primeiro nós os ajudamos a se casarem, em seguida enviamos cópia da certidão de casamento para o cartório de seu distrito e para a delegacia de polícia local”.
Iqbal afirmou que em Dhanak há pelo menos 500 casais que oferecem abrigo aos casais recém-casados. "Porém, também trabalhamos com temas legais e sistêmicos, como a emenda às leis sobre o casamento, e começamos um programa com os funcionários do registro civil, que frequentemente jogam sujo e recusam pedidos de casamento por diversas razões”.


Protesto realizado em 14 de fevereiro, na Índia, pede o fim dos assassinatos pela honra no país

No evento também esteve presente o famoso ativista Swami Agnivesh, que afirmou que essa falta de defesa é ilegal, racista. Agnivesh lembrou que os policiais são quase todos de castas “superiores” e muitas vezes se tornam cúmplices dos crimes que deveriam combater.
Em janeiro passado, no estado de Punjab, por exemplo, um jovem casal de dalits (ou intocáveis) obteve proteção da corte superior de seu distrito diante das ameaças de morte que receberam da família da noiva. A polícia se negou a cumprir a ordem judicial, e no dia 5 de janeiro Sandeep (24) e Khusboo (22) foram atacados por cinco homens armados com espadas e facas. Ambos morreram.

Nem tudo é perdão com os pais

No dia 12 de novembro passado, o programador Abhishek Seth e sua noiva Bhavna Yadav, estudante universitária, casaram-se em segredo. Os pais da jovem haviam se oposto ao relacionamento do casal porque ela vinha do estado de Rajasthan, e ele é de Punjab. De qualquer forma, Bhavna pensou que poderia resolver o conflito, e avisaram a sua família do casamento no dia seguinte.
O pai de Bhavna os convenceu ao não tornar público o casamento até que pudessem arrumar tudo em uma cerimônia apropriada. “Em seguida, ele a levou para sua casa. Eu aceitei a situação porque o prestígio dessa família corria riscos. Não suspeitei de nada”, relembrou Abhishek.
Porém, no dia 14 de novembro, sua jovem mulher voltou para ele, denunciando maus-tratos de seus pais. Em seguida um tio telefonou ameaçando-os de morte. De qualquer forma, quando seus sogros chegaram para pedir desculpas e levaram sua mulher novamente, Abhishek acreditou neles “ainda que ficasse claro que eles planejavam matá-la”.
Pais e tios a mataram a golpes e em seguida a estrangularam. Dois dias depois cremaram seu corpo na sua comunidade de origem e declararam “morte por causas naturais”. Porém o programador denunciou o caso à polícia.
Em 19 de novembro, como consta em boletim de ocorrência, a polícia prendeu os pais de Bhavna (o tio está foragido). E o caso continua em curso.

Fonte: Opera Mundi

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