segunda-feira, 13 de abril de 2015

Morre o grande escritor uruguaio Eduardo Galeano

"Se Eva tivesse escrito o Gênesis, como seria a primeira noite de amor do gênero humano? Eva teria começado a esclarecer que ela não nasceu de nenhuma costela, nem conheceu nenhuma cobra, nem ofereceu maçãs para ninguém, e que Deus nunca disse que parirá com dor e seu marido lhe dominará. Que todas essas histórias são puras mentiras que Adão disse à imprensa."

O escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor de "As Veias Abertas da América Latina", morreu nesta segunda-feira (13) aos 74 anos em Montevidéu. 
Galeano estava hospitalizado desde a última sexta-feira (10), em decorrência de um câncer no pulmão.
Considerado um dos mais importantes representantes da literatura latino-americana, o autor publicou "As Veias Abertas da América Latina" em 1971. O título, que analisa a história da América Latina desde a colonização, se transformou em um clássico da literatura política do continente.

Mulheres, por Eduardo Galeano

Charlotte

O que aconteceria se uma mulher despertasse uma manhã transformada em homem? E se a família não fosse o campo de treinamento onde o menino aprende a mandar e a menina a obedecer? E se houvesse creches? E se o marido participasse da limpeza e da cozinha? E se a inocência se fizesse dignidade? E se a razão e a emoção andassem de braços dados? E se os pregadores e os jornais dissessem a verdade? E se ninguém fosse propriedade de ninguém?
 Charlotte Gilman delira. A imprensa norte-americana a ataca, chamando-a de mãe desnaturada; e mais ferozmente a atacam os fantasmas que moram em sua alma e a mordem por dentro. São eles, os temíveis inimigos que Charlotte contém, que às vezes consegue derrubá-la. Mas ela cai e se levanta, e cai e novamente se levanta, e torna a se lançar pelo caminho. Esta tenaz caminhadora viaja sem descanso pelos Estados Unidos, e por escrito e por falado vai anunciando, nos começos do século XX, um mundo ao contrário.

 O trecho acima faz parte de uma coletânea intitulada Mulheres, de Eduardo Galeano, publicada pela L&PM Pocket, e que reúne textos selecionados pelo próprio autor dos seus livros, como a trilogia Memória do fogo (Os nascimentos, As caras e as máscaras e O século do vento), O livro dos abraços, As palavras andantes, Vagamundo, Dias e noites de amor e guerra e outros.

 Os textos constantes em Mulheres enfocam, de forma lírica e poética, às vezes triste e até engraçada, pequenas histórias de mulheres da América Latina ou ligadas a essa região. São pessoas célebres, algumas nem tanto ou ainda anônimas, não importa. São mulheres que, com sua vivência, deixaram marcas no dia a dia das pessoas com as quais conviveram e, por isso, devem ser lembradas.


Com a pena firme e a alma leve, Galeano toca o universo feminino de deusas de carne e osso, assim como o poeta gaúcho, da mulher companheira com "graça de garça para enfeitar a primavera e garra de fera para lutar a vida inteira". Fala de cientistas e militantes, de uma peregrina da revolução que "dedicou sua turbulenta vida a lutar contra o direito de propriedade do marido sobre a mulher, do patrão sobre o operário e do amo sobre o escravo", de rainhas da Mãe África e do império britânico, do clarão da noite e da escuridão de alguns dias.

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