Através do amor, a mística de
Teresa d'Ávila – a sua feliz contemplação, a sua oração – se torna uma ação e
cria uma dinâmica de onde brota a caridade.
A opinião é da romancista e
jornalista francesa Christiane Rancé, em artigo publicado no jornal L'Osservatore
Romano, 02-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É difícil resumir a
espiritualidade de Teresa d'Ávila, de tão rica e sutil. Mas o que se pode
dizer, para apresentá-la, é que ela encontra a sua força na ação. Teresa de
Jesus elaborou uma mística que respondia às urgências e aos perigos do seu
tempo, e que se articula em torno de três polos: a sua iluminada compreensão da
Encarnação e daquilo que ela envolve como resposta; a sua invenção – como se
diz da descoberta de um tesouro – do centro da alma como residência de Deus; e,
por fim, a oração como operação amorosa sobre o mundo.
"O mundo está em
chamas", escreve Teresa no primeiro capítulo do seu Caminho de perfeição.
E o mundo, acrescenta, precisa de amigos fortes (amigos fuertes). Contra qual
fogo Teresa d'Ávila quer agir? Aquele que devora Igreja por dentro, com as
ideias novas da Reforma e de outras correntes de pensamento que contestam a
Roma o seu dogma e a sua infalibilidade.
O que aconteceu é que a revolução
copernicana destruiu as bases do mundo antigo e difundiu nas mentes daquele
século XVI, o primeiro da era moderna, uma angústia geral: nem a Terra nem Deus
são mais os centros de um universo eterno e incorruptível que girava ao redor
deles.
Teresa varre magistralmente as interrogações
que essa descoberta vertiginosa coloca para as mentes da época. O que importa
se, por causa dessa teoria, Deus perdeu o seu lugar de residência? Basta buscar
o divino como transcendência pura, como experiência interior, responde Teresa.
O que importa, depois, se a Terra não é mais o lugar de um teocentrismo? Se
Deus é tudo, se "a máquina do mundo tem, por assim dizer, o seu centro por
toda parte e a sua circunferência em lugar algum", o centro do mundo está
lá onde está o homem, e Deus nele.
A citação de Nicolau de Cusa
retomada por Pascal não é uma alegoria; uma esfera de raio infinito,
efetivamente, tem o seu próprio centro por toda a parte. Seja qual for o ponto
em que se encontre essa esfera, de fato, se está a uma distância infinita da borda,
e isso em todas as direções do espaço. Assim, Deus, por residir no centro
secreto da alma, é sempre e inevitavelmente o centro do universo.
Essa é uma das fontes da
espiritualidade teresiana: a descoberta do centro da alma. Tomás Álvarez, no
Diccionario de Santa Teresa de Jesús, salienta a originalidade da madre sobre
essa noção que vai se tornar uma linha mestra da sua obra-prima, O Castelo
Interior. Esse centro da alma é "a sala principal, onde acontecem as
coisas mais secretas entre Deus e a alma".
Lá, no seu centro, Deus continua
morando e resplandecendo. É nesse centro que se celebra a união da alma com
Cristo, nosso Senhor, diz Teresa, para que a sua relação com ele seja
definitivamente estabelecida: "A alma está sempre com o seu Deus naquele
centro de que falei".
Essa concepção, indubitavelmente
singular, atrairia sobre ela as iras da Inquisição. Trata-se de "erro em
filosofia, sonho e fantasia em teologia", decretam os juízes. Quanto à
ideia de Deus que está nesse centro, ela é definida como uma heresia
revoltante.
Essa é a resposta puramente
genial de uma mulher que responde intuitivamente, a partir da sua alma, à
angústia geral que a revolução copernicana gera. Assim, ela consegue manter a
força de um divino pacificador.
Ela, que tem a vontade louca de
devolver a Deus o seu lugar – de fazer com que a sua alma, se se unir a Deus,
se torne novamente o centro do mundo –, consegue: a sua oração coloca novamente
o mundo no olhar divino e Deus no centro do universo. Rezando, Teresa coloca
novamente no seu lugar Cristo que vem.
Ironia do destino! Aquilo que
quase fez com que ela fosse definida como herética pela Inquisição – a noção do
centro da alma – é o que a torna tão necessária.
Teresa de Jesus foi canonizada
pela santidade da sua vida, pela criação do seu Carmelo e pela sua irredutível
fidelidade à Igreja. Mas o que a torna uma contemporânea nossa é essa invenção.
Bem mais do que a abertura individual de uma alma perdidamente fiel a Deus, é
aquela invenção que dá perpetuamente a Deus um futuro, não com um "penso,
logo existo", mas com um "creio, logo Ele é". Desse modo, ela
força o advento de um mundo do qual Jesus Cristo permanecerá como a inevitável
medida.
Teresa d'Ávila compreendeu a
atração pela matéria e as teorias contemporâneas dos seus semelhantes; daí a
sua aversão à falsa erudição, à pretensão do saber e aos anseios do espírito
nos seus conventos. "A alma não é o pensamento, nem a vontade é governada
por ele, o que seria má sina. Disso se conclui que o proveito da alma não está
em pensar muito, mas em amar muito", afirma.
Teresa se sentiu obrigada a amar
o dia em que a visão de um crucifixo a fez entender, de repente, o quanto Deus
a amava por ter lhe dado a própria vida na infâmia e na dor da cruz. Quanto a
amava por ter se feito tão semelhante à sua criatura a ponto de se encarnar no
ser mais fraco e mais humilde que existe, não em um príncipe, mas no filho de
um carpinteiro da periferia da Palestina.
A partir daquele momento, ela
compreendeu, num piscar de olhos, que nunca poderia acessar qualquer estado
superior de fé sem uma plena consciência e sem uma plena experiência desse
amor, através da fusão nele: ela se dá conta de que, para que Deus lhe
responda, ela deve se comprometer de modo equiparável ao amor que a sua Paixão
demonstrou.
Assim, a representação da
humanidade de Cristo naquilo que ela teve de mais paroxístico – a Paixão – a
abalava, e através dela e a partir dela que ela pode compreender plenamente o
que era a loucura e o escândalo do cristianismo: a encarnação.
"Ninguém vem ao Pai senão
por mim" (João 14, 6). Jesus é o rosto humano de Deus. Havia, talvez, uma
metáfora melhor do que essa verdade, que Teresa assimilará como uma hóstia, ou
seja, que a realidade de Deus, o seu ser é acessível só em Jesus e através de
Jesus?
No Livro da Vida, ela escreve que
Jesus é o verdadeiro livro onde ela descobriu todas as verdades. A visão
avassaladora do corpo sofredor de Jesus também lhe revelou, de modo fulgurante,
todas as promessas do mistério de Jesus homem-Deus e Deus-homem. A humanidade
de Cristo oferece uma possibilidade de união, de comunhão e de unidade de amor.
Por meio de Jesus, a atração
mútua entre Deus e a sua criação se formaliza. Quer pense na Paixão ou medite
sobre esse mistério, o orante se encontra aos pés de uma escada que leva a
Deus, uma escala como a de Jacó, uma escada de oração que deverá subir para
alcançar a união divina, "onde nada é comparável com os prazeres da
alma".
Daí a exortação de Teresa a
rezar. A oração, segundo ela, é"uma íntima relação de amizade, um
frequente entretenimento a sós com Aquele que sabemos que nos ama". É
preciso rezar porque a oração é o momento central da criação religiosa da qual
Jesus é o mestre. Rezar porque a oração é a linguagem da amizade, como o silêncio
é a de Deus.
Teresa assegura, assim, a
sobrevivência daquela formidável revolução teológica, teleológica e humana que
é a encarnação. Rezar e ir em frente: ir adelante. O seu lema retorna nada
menos do que 130 vezes na sua obra. Ir em frente no mundo e, ao mesmo tempo,
penetrar no mais profundo de si mesmos. Não podemos "esperar entrar no céu
sem antes entrar em nós mesmos", adverte.
O que a sua espiritualidade nos
ensina? Agindo de amor, assim como se diz "de instinto", a irradiação
infinita de cada um dos nossos atos se difunde na trama infinita do mundo.
Através do amor, a mística de Teresa – a sua feliz contemplação, a sua oração –
se torna uma ação e cria uma dinâmica de onde brota a caridade.
De fato, o que seria o Amor se se
contentasse consigo mesmo? Se não fosse dado à luz pela caridade? Se não se
encarnasse, por sua vez, no amor ao próximo? Não seria nada. Não seria nada
mais do que uma especulação vazia, o contrário mesmo da espiritualidade de
Teresa, que é uma mística da ação amorosa.
Fonte: Ihu
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