Que o mundo – e, especialmente, a
Internet– é um lugar mais hostil com as mulheres do que os homens pode parecer
uma obviedade. Mas, até que ponto pode chegar a entender isso alguém que não
vivenciou essa hostilidade?
Há duas semanas, contrariando o
que o crítico do EL PAÍS Carlos Boyero pensa, meu namorado e eu decidimos montar
um canal no YouTube* sobre videogames. Nós dois faríamos os vídeos, mas eu
colocaria a voz e ele se encarregaria da promoção e das redes sociais. Como eu
era a locutora dos vídeos, as pessoas assumiam que quem tuitava era uma moça,
apesar de ele sempre falar no plural. Uns dias depois, ele leu para mim uma
mensagem que achou desagradável, mas sem lhe dar maior importância. Essas
mensagens nunca deixaram de chegar. Estas são algumas das coisas que meu
namorado aprendeu sendo mulher na Internet.
1. O machismo é sutil, mas constante
“Não é que me tenham dito alguma
barbaridade”, admite. “É algo no tom com o qual se dirigem a você, que eu nunca
tinha notado.” Um pipocar de pequenos detalhes aos quais não estava acostumado.
Às vezes, os cumprimentos vinham acompanhados de uma pequena alfinetada, “como
se fosse para você não os levar muito a sério” – algo comum na chamada “sedução
científica” –, ou uma referência à “bonita voz” dos vídeos. Em sua experiência
como homem, nunca tinha sentido a condescendência do paternalismo que muitas vezes
tinge as inter-relações com mulheres. “Quando você é um cara, falam com você
com mais respeito, como a um igual.”
2. Se acreditam que você é um homem, te dão muito mais importância
Uma das coisas que mais notou
desde o princípio foi o interesse que despertava, ao menos por parte do setor
masculino. “Há muito mais indiferença quando você é homem.” Não foi tão grande
o interesse delas. “As mulheres sempre me ignoraram e continuaram me
ignorando.”
Isso pode parecer uma vantagem,
mas tem sua contrapartida. Ao fazer a promoção do canal em distintos fóruns,
alguns deram por certo que tentava chamar a atenção não para o canal, mas para
a mulher por trás dele, chegando mesmo a excluí-lo. “Um comentário
completamente inocente pode ser visto como ‘Veja, sou uma garota!’. Procurava
chamar a atenção, mas, evidentemente, não por ser mulher.” Há um insulto muito
usado na Internet, attention whore (atenção prostituta) que só se dirige às
mulheres que buscam atenção e que não tem equivalente masculino porque algo que
se vê como intrinsecamente feminino. Nos fóruns nos quais não se especificava o
gênero, o spam foi simplesmente ignorado.
3. A linguagem é neutra
“No começo pensei em escrever de
modo mais feminino. A única coisa que me ocorreu foi trocar os smileys.” Depois
de tentar escrever do jeito que uma moça faria, chegou à conclusão de que não
existe uma escrita “feminina” como tal, e se dedicou a redigir como faria
habitualmente, de modo supostamente “masculino”. Ainda assim, como a cara do
canal é a de uma mulher, ninguém achou que quem escrevia no Twitter fosse um
homem. Para escrever este artigo, comprovamos que os tuítes em nossa conta
estão escritos no plural, sem nenhuma marca de gênero. No final, a pessoa é
incapaz de distinguir se por trás de um texto há um homem ou uma mulher.
4. Não se espera nada de uma moça
Há uma cena em Mad Men em que um
homem se espanta ao ver que uma mulher é capaz de trabalhar como redatora
publicitária. “É como ver um cachorro tocar piano”, diz. Essa cena veio
imediatamente à sua cabeça depois de receber alguns elogios. “Às vezes, quando
te cumprimentam, parece que estão surpresos que você tenha podido fazer bem
alguma coisa.” Contudo, também existe um teto que você não pode ultrapassar.
Muitos consideram o mundo dos videogames um clube exclusivamente masculino.
Para eles, nada do que você faça como mulher estará no nível dos melhores da
área.
5. Será que eu fui assim e não percebi?
Apesar de muitos não o tratarem
de forma especial, os que fizeram isso o levaram a refletir. “Será que alguma
vez eu fui assim?”. Reconhece que o fato de ter sido tratado como uma mulher o
fez ser mais empático com elas. Mas a experiência também o deixou mais na
defensiva nas redes sociais. “Não sabia o que a sociedade esperava de mim como
mulher”, explica. No final, não teve nenhuma grande revelação feminista, só uma
profunda decepção com a rede. “A Internet dá nojo.”
(*Omiti os nomes do canal e das
pessoas com as quais interagimos para não sofrer a ira do mundo dos videogames)
Fonte: El Pais
Nenhum comentário:
Postar um comentário