quarta-feira, 18 de março de 2015

“Mas ele é ótimo com as crianças”

Ele agride a mulher que é mãe dos filhos dele. É ausente, não coopera, falta com seus compromissos. A violência dele, que assume inúmeras formas, talvez chegue até a ser física. A misoginia que ele exibe orgulhosamente não tem limites. MAS… ele é ótimo com as crianças, as pessoas dizem. Como? Fico me perguntando.

Por  Letícia Penteado, do Revista Fórum

Como ele pode ser ótimo com as crianças quando ele é um merda com a mãe delas?
Como ele pode ser ótimo com as crianças quando ele torna infeliz a pessoa que é a cuidadora principal delas?
Como ele pode ser ótimo com as crianças quando ele dá a elas o exemplo da violência dentro de suas próprias casas? Ensina a elas que dor faz parte de amor? Que brutalidade é paixão?
Como ele pode ser ótimo com as crianças quando repassa a elas o machismo de que homem não faz serviço doméstico, homem não cuida de criança, homem só usufrui?
Como ele pode ser ótimo com as crianças se ele só se relaciona com elas nos termos dele, quando ele quer e só para curtir e não para cuidar? Como ele pode ser ótimo com as crianças se, na hora que aperta, espera da mulher que ela sacrifique a carreira profissional e acadêmica dela, porque acha que isso é não é exigível dele?
Ele é “ótimo com as crianças” porque está relaxado, bem dormido e bem disposto. Trampinho que começa e acaba (e não 24h, afinal, isso é coisa de mulher, esse ser tão frágil e protegido pela sociedade), cervejinha com os amigos, chega e encontra comida na mesa, toma banho sem pressa, dorme a noite toda bem tranquilo, não lava um copo. Sem nem falar na exigência social ridiculamente menor em torno de ele “se cuidar” (leia-se, estar bonitinho de se olhar) enquanto ela assovia e chupa cana.

É fácil pagar de bonzão quando tem outra pessoa carregando o piano para você.
Não, mulher. Ele não é ótimo com as crianças. Porque, para ser ótimo com as crianças, ele teria que ser pelo menos razoável com você. Para ser ótimo com as crianças ele teria que se importar com elas a ponto de se importar com quem cuida delas. Para ser ótimo com as crianças ele teria que estar presente na vida delas além do momento que é conveniente para ele.
Ele não é ótimo com as crianças. Ele é ótimo com ele mesmo. E só.
Não caia nessa. Não cometa consigo mesma a violência de achar que o seu bem-estar é irrelevante. Não existe bom pai sem antes existir bom companheiro. Companheiro de equipe de cuidado dos filhos, mesmo que não de relacionamento amoroso.
Quem quer participar da criação tem que participar por inteiro, não só na parte que fica bonita na fita.



Fonte: Geledes 

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