segunda-feira, 16 de março de 2015

Pregar um botão é coisa de homem ou de mulher?

Pois por trás do que parecem ser sábias palavras de pai e mãe, das quais nos lembramos com carinho e se tornam leis supremas para o resto da vida, não raro escondem-se discursos que mantém privilégios. A maior parte das incumbências que se atribuem aos gêneros não é por conta de características físicas que diferenciam homens e mulheres – elas são capazes de fazer tudo o que nós fazemos, nós é que não somos capazes de  fazer tudo o que elas podem fazer.

Entrei em uma loja de armarinhos, há algum tempo, e pedi determinado rolo de linha e agulha para poder pregar alguns botões fujões e arrumar a maldita bainha de uma calça que insistia em se soltar, num desespero de causa para tocar o chão.

Um grupo de simpáticas senhoras de cabelos brancos, ouvindo minha conversa com a balconista, veio me dar os parabéns. Achei engraçada a cena e expliquei que fazer isso era mais barato que apelar sempre para os serviços de um profissional – o que seria vergonhoso, ainda mais para um neto de costureira.

Até que uma delas reclamou que a nora era uma “inútil'' porque não sabia pregar um botão da camisa do filhinho dela.

De forma bastante delicada, para não atrapalhar aquele momento, perguntei se o pimpolho não poderia ele mesmo fazer isso. Rindo de forma doce, ela soltou um “claro que não!''. Afinal, ele era homem. Eu é que estava indo além das minhas tarefas e preenchendo cartelas no grande bingo da vida.

Resgatei essa história que já havia contado porque alguns amigos reclamaram que eu exagero quando digo que a família pode ser uma das instituições responsáveis por passar preconceitos adiante, reforçando uma programação machista do indivíduo, por exemplo.

Pois por trás do que parecem ser sábias palavras de pai e mãe, das quais nos lembramos com carinho e se tornam leis supremas para o resto da vida, não raro escondem-se discursos que mantém privilégios.

A maior parte das incumbências que se atribuem aos gêneros não é por conta de características físicas que diferenciam homens e mulheres – elas são capazes de fazer tudo o que nós fazemos, nós é que não somos capazes de  fazer tudo o que elas podem fazer.

A menos que você seja um homem trans, é claro. Daí, engravidar é possível.

Da mesma forma, uma “tradição'' não existe desde sempre, ela é construída ao longo tempo, feito camadas de cebola sobrepostas, e não raro embute em sua gênese uma relação dominador/dominado, fantasiada de história e costume, cujo real significado perde-se na repetição passiva sem reflexão.

Em suma, limpar a casa e cuidar dos filhos não é coisa de mulher. Muito menos fazer bainha de calça.

Daí alguns leitores dizem: “Ah, mas eu sou homem e, mesmo assim, passo a vassoura na casa, levo os filhos na escola e prego botões. Então, você está errado, japa''.

Se você se orgulha de fazer sua obrigação, provavelmente deve ver essas atividades como favores feitos a alguém – à sua companheira, talvez? O que é ridículo. Isso deveria ser tão corriqueiro – entre nós, homens – como respirar ou comer, atos que fazemos sem questionar ou nos sentir grandiosos por isso.

Mas se a família me doutrinou direitinho em preconceitos e visões excludentes de mundo, quem sou eu para negar?

Enfim, pobres noras.


Fonte: Blog de Sakamoto

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