As mulheres frequentemente foram
silenciadas, controladas, diminuídas e tratadas como subumanas nas mais
diversas sociedades humanas. Todavia, houve um homem que lutou sozinho contra o
império do preconceito. Ele foi incompreendido, rejeitado, excluído, mas não
desistiu dos seus idéias. Ninguém apostou tanto nas mulheres como ele. Fez das
prostitutas rainhas, e das desprezadas, princesas.
Por Augusto Cury
Muitos dizem que ele é o homem
mais famoso da história, mas poucos sabem que foi ele quem mais defendeu as
mulheres. Seu nome é Jesus Cristo, o Mestre dos Mestres na arte de viver. Esse
texto não fala de uma religião, mas da filosofia e da psicologia do homem mais
complexo e ousado de que se teve notícia.
Nos tempos de Jesus os homens
adúlteros não sofriam punição severa. Todavia, a mulher adultera era arrastada
em praça pública, suas vestes rasgadas e, com os seios à mostra, eram
apedrejadas sem piedade. Enquanto sangravam e agonizavam, pediam compaixão, mas
ninguém as ouvia. A cena, inesquecível, ficava gravada na mente e perturbava a
alma para sempre.
Certa vez, uma mulher foi pega em
adultério. Arrancaram-na da cama e a arrastaram centenas de metros até o lugar
em que Jesus se encontrava. A mulher gritava “Piedade! Compaixão!”, enquanto
era arrastada; suas vestes iam sendo rasgadas e sua pele sangrava esfolando-se
na terra.
Jesus estava dando uma aula
tranqüila na frente do templo. Havia uma multidão ouvindo-o atentamente. Ele
lhes ensinava que cada ser humano tem um inestimável valor, que a arte da
tolerância é a força dos fortes, que a capacidade de perdoar está diretamente
relacionada à maturidade das pessoas. Suas idéias revolucionavam o pensamento
humano, por isso começou a ter muitos inimigos. Na época, os judeus constituíam
um povo fascinante, mas havia um pequeno grupo de radicais que passou a odiar
as idéias do Mestre. Quando trouxeram a mulher adultera até ele, a intenção era
apedreja-lo juntamente com ela, usa-la como isca para destruí-lo.
Ao chegarem com a mulher diante
dele, a multidão ficou perplexa. Destilando ódio, comentaram que ela fora pega
em flagrante adultério. E perguntaram qual era a sentença dele. Se dissesse
“Que seja apedrejada”, ele livraria a sua pele, mas destruiria seu projeto
transcendental, seu discurso e principalmente seu amor pelo ser humano, em
especial pelas mulheres. Se dissesse “Não a matem!”, ele e a mulher seriam
imediatamente apedrejados, pois estariam indo contra a tradição daqueles
radicais. Se os fariseus tivessem feito a mesma pergunta aos discípulos de
Jesus, estes provavelmente teriam dito para mata-la. Assim se livrariam do
risco de morrer.
Qual foi a primeira resposta do
Mestre diante desse grave incidente? Se você pensou: “Quem não tem peado atire
a primeira pedra!” , errou, essa foi a segunda resposta. A primeira foi não da
resposta, foi o silencio. Só o silencio pode conter a sabedoria quando a vida
está em risco. Nos primeiros 30 segundos de tensão cometemos os maiores erros
de nossas vidas, ferimos quem mais amamos. Por isso, o silencio é a oração dos
sábios. Para o Mestre dos Mestres, aquela mulher, ainda que desconhecida,
pobre, esfolada, rejeitada publicamente e adultera, era mais importante do que
todo o ouro do mundo, tão valiosa como a mais pura das mulheres. Era uma jóia
raríssima, que tinha sonhos, expectativas, lágrimas, golpes de ousadia, recuos,
enfim, uma historia fascinante, tão importante como a de qualquer mulher. Valia
a pena correr riscos para resgata-la.
Para o Mestre dos Mestres não
havia um padrão para classificar as mulheres. Todas eram igualmente belas, não
importando a anatomia do seu corpo, não importando nem mesmo se erravam muito
ou pouco. Jesus precisava mudar a mente dos acusadores, mas nunca ninguém
conseguiu mudar a mente de linchadores. O “eu” deles era vítima das janelas do
ódios, não eram autores da sua história, queria ver sangue. O que fazer, então?
Ao optar pelo silencio, Jesus
optou por pensar antes de reagir. Ele escrevia na areia, porque escrevia no
teatro da sua mente. Talvez dissesse para si mesmo: “Que homens são esses que
não enxergam a riqueza dessa mulher? Por que querem que eu a julgue, se eu
quero amá-la? Por que, em vez de olhar para os erros dela, não olham para seus
próprios erros?”
O silencio inquietante de Jesus
deixou os acusadores perplexos, levando-os a diminuir a temperatura da raiva,
da tensão, oxigenando a racionalidade deles. Num segundo momento, eles voltaram
a perguntar o veredicto do Mestre. Então, finalmente, ele se levantou. Fitou os
fariseus nos olhos, como se dissesse: “Matem a mulher! Todavia, antes de
apedreja-la, mudem a base do julgamento, tenham a coragem de ser transparentes
em enxergar as suas falhas, erros e contradições”. Esse era o sentido de suas
palavras. “Quem não tem pecado atire a primeira pedra!”
Os fariseus receberam um choque
de lucidez com as palavras de Jesus. Saíram do cárcere das janelas killer e
começaram a abrir as janelas light. Deixaram de ser vítimas do instinto de
agressividade e passaram a gerenciar suas reações. O homo sapiens prevaleceu
sobre o homo bios, a racionalidade voltou. O resultado é que eles saíram de
cena. Os mais velhos saíram primeiro porque tinham acumulado mais falhas ao
longo da vida ou porque eram mais conscientes delas.
Jesus olhou para a mulher e fez
uma delicada pergunta: “Mulher, onde estão seus acusadores?” O que ele quis
dizer com essa pergunta e por que a fez? Em primeiro lugar, ele chamou a
adultera de “mulher”, deu-lhe o status mais nobre, o de um ser humano. Ele não
perguntou com quantos homens ela dormira. Para o Mestre dos Mestres, a pessoa
que erra é mais importante do que seus próprios erros. Aquela mulher não era
uma pecadora, mas um ser humano maravilhoso. Em segundo lugar, perguntou: “Onde
estão os seus acusadores? Ninguém a acusou?” Ela respondeu: “Ninguém”. Ele
reagiu: “Nem eu”. Talvez ele fosse a única pessoa que tivesse condições de julga-la,
mas não o fez. O homem que mais defendeu as mulheres não a julgou, mas
compreendeu, não a excluiu, mas a abraçou. As sociedades ocidentais são cristãs
apenas no nome, pois desrespeitam os princípios fundamentais vividos por Jesus.
Um deles é o respeito incondicional pelas mulheres!
O homem que mais defendeu as
mulheres não parou por aí. Sua ultima frase indica o apogeu da sua humanidade,
o patamar mais sublime da solidariedade. Ele disse para a mulher: “Vá e refaça
seus caminhos”. Essa frase abala os alicerces da psiquiatria, da psicologia e
da filosofia. Jesus tinha todos os motivos para dizer: “De hoje em diante, sua
vida me pertence, você deve ser minha discípula”. Os políticos e autoridades
usam seu poder para que as pessoas os aplaudam e gravitem em sua órbita. Mas
Jesus, apesar do seu descomunal poder sobre a mulher, foi desprendido de
qualquer interesse. “Vá e revise a sua historia, cuide-se. Mulher, você não me
deve nada. Você é livre!”
Jesus a despediu, mas ela não foi
embora. E por que? Porque o amou. E, por ama-lo, o seguiu para sempre,
inclusive até os pés da cruz, quando ele agonizava. Talvez essa mulher tenha
sido Maria Madalena. A base fundamental da liberdade é a capacidade de escolha,
e a capacidade de escolha só é plena quando temos liberdade de escolher o que
amamos. Todavia, estamos vivendo em uma sociedade em que não conseguimos sequer
amar a nós mesmos. Estamos nos tornando mais um numero de cartão de crédito,
mais um consumidor potencial. Isso é inaceitável.
Augusto Cury "A Ditadura da
Beleza e a Revolução das Mulheres", Augusto Cury, Editora Arqueiro.
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