Após nove anos de vigência da
lei, persiste a onda de violência contra as mulheres, segundo um estudo do Ipea.
Impacto seria maior se houvesse políticas públicas de combate à violência e
oferta de serviços de apoio nos bairros e nas comunidades.
A Lei Maria da Penha surtiu um
efeito modesto no número de mortes de mulheres vítimas de violência doméstica.
É o que conclui a pesquisa “Avaliando a efetividade da Lei Maria da Penha”, do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada nesta quarta-feira
(4). Até 2005, um ano antes da sanção da lei, as taxas de mortalidade de homens
e mulheres dentro das residências seguiam de forma paralela. A partir de 2006,
entretanto, o número de mulheres assassinadas dentro de casa manteve-se
estável, enquanto o de homens continuou crescendo. No levantamento, o Instituto
indica que, sem a aplicação da lei, em 2006, o número de mortes de mulheres
dentro de casa seria cerca de 10% maior. No mesmo período, os casos de
violência generalizada também estavam aumentando. "O método (para avaliar
a violência contra as mulheres) é um pouco limitado, mas entendo a dificuldade
de medir isso", diz Lola Aronovich, criadora do blog feminista Escreva
Lola Escreva e professora de literatura na Universidade Federal do Ceará.
"Estamos cansadas de saber que muitos feminicídios ocorrem no trabalho, na
rua, não necessariamente dentro de casa".
Cerca de 90% dos crimes contra a mulher foram cometidos por familiares da vítima (Foto: Thinkstock)
O Ipea assinala que a efetividade
da Lei Maria da Penha depende diretamente da adoção de políticas públicas para
mulheres. Regiões onde sociedade e poder público se mobilizaram menos para
implementar os mecanismos de combate à violência contra a mulher registraram um
maior número de feminicídios – crimes decorrentes de conflitos de gênero, ou
seja, pelo fato de serem mulheres. Na região Norte, mesmo após a sanção da lei,
em 2006, percebeu-se um aumento no número de mulheres assassinadas dentro de
casa: em 2004, a taxa era de 0,8 para cada 100 mil mulheres. Em 2008, subiu
para 1,4.
Em relação à taxa geral de
homicídios de mulheres houve estabilidade – 5 para cada 100 mil mulheres –
entre 2000 e 2011. Segundo a pesquisa, os assassinatos estavam associados à
violência generalizada na sociedade, em especial à violência urbana, que afeta
diretamente os dois sexos. Foram estudados os efeitos da lei no combate à
violência contra a mulher a partir de agressões letais registradas no Sistema
de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.
A lei
Criada em resposta às denúncias
de violência contra a mulher e às pressões de órgãos de direitos humanos país
afora, a Lei Maria da Penha prevê medidas de proteção à vitima, além do aumento
da pena para o agressor e aperfeiçoamento dos mecanismos de justiça nos casos
de violência doméstica: cerca de 90% dos crimes contra a mulher foram cometidos
por familiares da vítima.
Segundo o Mapa da Violência 2012,
que analisa dados do Ministério da Saúde, o Brasil ocupa a sétima posição de
maior número de assassinatos de mulheres no mundo, num ranking de 84 países.
Segundo a Secretaria de Políticas para Mulheres, a cada 12 segundos uma mulher
sofre violência no Brasil. Entre os crimes está o estupro, cujos registros
aumentaram em 168% em cinco anos – cerca de 50 mil casos são registrados todos
os anos. Um longo caminho ainda precisa ser percorrido no combate à violência
contra a mulher.
Fonte: Revista Época
Abrigos
Outro estudo do Ipea, também
divulgado hoje, mostra que centros especializados para a atenção à mulher, com
serviços que prestam atendimento jurídico, psicossocial e de acolhimento, por
exemplo, só estão presentes em 191 das 5.561 cidades brasileiras. No total são
214 unidades, a maioria delas na região Sudeste. Abrigos que dão amparo às
mulheres e seus filhos no caso em que é preciso garantir um afastamento
imediato do parceiro agressor são insuficientes: apenas 77 em todo o país,
espalhados em 70 cidades, o equivalente a 1,3% do total.
Juizados especiais, varas,
núcleos em promotorias e defensorias públicas dedicados ao atendimento às
mulheres vítimas de violência, apesar de determinação legal, estão presentes
apenas em 0,6% das cidades do país.
O mapeamento constatou ainda que
os organismos de políticas públicas avançaram um pouco mais sua abrangência, o
que é importante para garantir a elaboração, monitoramento e coordenação de
políticas votadas para o público feminino na esfera executiva. Quinhentas e
sessenta cidades contam com esse tipo de instituição, em geral subordinadas ou
parceiras de prefeituras.
Para a consultora do Instituto
Patrícia Galvão, Fernanda Matsuda, apesar de morosa, a expansão da rede tem
ocorrido. No entanto, ainda é preciso efetivá-la. “O sistema de justiça, por
exemplo, é refratário em relação à Lei Maria da Penha. Nós observamos que os
tribunais do Júri, por exemplo, não a aplicam”, pontua.
Para Fernanda, a resistência tem
a ver com desconhecimento e também com o machismo dos operadores do direito. “O
sistema de justiça é um reflexo da sociedade e dá respostas machistas. Nós
observamos que, por exemplo, a vida pregressa das mulheres vítimas é
questionada, em um discurso muito moralizante. Então se ela não se enquadra nos
estereótipos de boa mãe, boa filha, boa esposa. A vítima pode ser tratada como
se tivesse contribuído para o próprio crime cometido contra ela”, afirma.
Em função disso, a bacharel em
direito considera muito importante a aprovação, ontem (3), do Projeto de Lei
8305/2014, que tipifica os crimes de feminicídio, classificando-os como
hediondos. “É muito importante, porque passa uma mensagem muito clara para a
sociedade e para os operadores de direito de que esse é um problema que existe
e é muito grave”, pontua.
O texto aprovado vem sendo
discutido há muitos anos e é um desdobramento das articulações dos movimentos
de mulheres para garantir mais instrumentos legais de proteção, iniciado com a
Lei Maria da Penha, e ganhou novo fôlego depois das declarações consideradas
machistas e de apologia ao estupro do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ)
contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS).
A lei caracteriza o feminicídio
como crime motivado por menosprezo ou discriminação contra as mulheres e em
situações domésticas e familiares. A pena para quem cometer esse tipo de delito
pode variar de 12 a 30 anos e pode aumentar caso seja cometido contra menores
de 14 anos ou maiores de 60, contra gestantes e na presença de filhos ou pais
da vítima.
“O objetivo não era aumentar a
pena. Mas deixar claro na lei que aquele caso não é um caso pontual, motivado
por abuso de álcool ou drogas, mas um problema social de desigualdade de
gênero. É uma mensagem muito forte”, explica Fernanda. A lei ainda precisa ser
sancionada pela presidenta Dilma Rousseff.
Fonte: O Globo
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