As instituições devem priorizar o
ensino sobre a igualdade de gêneros para contestar a aceitação de comportamento
violento.
A opinião dos adolescentes sobre
quando a violência sexual da parte do parceiro é aceitável ou não é
influenciada pela maneira como eles observam os homens e as mulheres e os
relacionamentos entre eles. Dizer simplesmente aos jovens que a violência é
algo errado não vai impedir que ela persista. As crianças precisam ter aulas
nas escolas sobre gênero e sexualidade de modo a impedir que a violência acabe
se tornando algo aceitável em determinadas situações.
Durante toda a adolescência os
jovens são expostos a altos níveis de violência sexual. O abuso físico foi
citado por um quarto das meninas e 18% dos meninos numa pesquisa realizada em
2009, com indivíduos de 13 a 21 anos de idade. Na mesma pesquisa, o abuso
sexual foi reportado por mais de um terço das meninas e 16% dos meninos. Tanto
os adolescentes mais jovens como os mais velhos falaram de violência cometida
pelo parceiro.
Acusando mulheres. Muitos jovens
toleram a violência no relacionamento. Um estudo emblemático realizado em 1998
pelo Zero Tolerance Charitable Trust concluiu que quase metade dos jovens que
participaram da pesquisa disseram ser aceitável um namorado agir agressivamente
com relação à parceira em certas circunstâncias. Além disto, para três quartos
dos rapazes e mais da metade das meninas participantes da pesquisa, a mulher
era “com frequência”, ou “às vezes”, culpada pela violência da qual foi objeto.
Pesquisa mais recente sugere também que os jovens podem aceitar cada vez mais a
violência em determinadas circunstâncias.
Outra pesquisa concluiu que pode
existir um vínculo entre atitudes de gênero conservadoras e a aceitação da
violência. Embora a consciência de que os jovens aceitam a violência seja cada
vez mais forte, nossa compreensão das razões disto está menos desenvolvida.
Minha própria pesquisa com jovens
de 14 e 15 anos de idade no norte da Inglaterra revelou que os jovens têm uma
compreensão não muito consistente sobre que tipo de comportamento é violento e
quando é inaceitável. Os jovens prontamente e claramente caracterizaram a
violência abarcando uma série de comportamentos, incluindo o abuso físico,
verbal, sexual e emocional. Empurrões, gritos, ciúme, insultos, estupro e abuso
infantil, tudo isso foi citado como exemplos de comportamento violento.
Muitos jovens, no meu estudo,
também me pareceram conscientes de que a violência, na maior parte das vezes, é
exercida por eles. Alguns participantes forneceram descrições detalhadas de
pessoas que praticaram violência que tinham características racistas ou
baseadas em classe social. Uma pequena minoria de adolescentes disse que
mulheres cometiam violência.
Nem sempre um problema. Os jovens
que entrevistei foram menos consistentes em suas opiniões quanto a se a
violência é um problema. Nem todo ato violento é visto como “ruim” e alguma
violência é até considerada aceitável ou merecida. As opiniões dos jovens
variaram de acordo com a descrição da violência, mas, mais importante, de
acordo com sua compreensão de como homens e mulheres se comportam em
circunstâncias diferentes.
A violência entre homens foi
predominantemente vista como natural, inata e motivada por uma biologia
especificamente “masculina”. Este tipo de violência nunca foi encarado
positivamente, mas muitas vezes como necessário ou compreensível quando o ato
violento tem por fim resolver uma disputa, como proteger a mulher amada, ou
mostrar virilidade.
Os jovens recorreram a ideias
muito tradicionais sobre o comportamento masculino para justificar a violência
entre os homens. Em outras palavras, a violência é aceita porque está sendo
usada para mostrar ou reforçar um comportamento de gênero esperado.
Errado ou banal? A violência
masculina com relação às mulheres foi considerada “errada” por uma ampla
maioria de jovens. Mas quando cenários específicos foram discutidos, os jovens
começaram a dar justificativas. Eles consideraram a violência aceitável e até
merecida em alguns casos, particularmente nos casos em que as mulheres não
estariam tendo o comportamento esperado num relacionamento, como mentir para o
parceiro ou serem infiéis.
Num cenário hipotético em que a
violência foi considerada aceitável por alguns, Steve estava brincando com o
telefone da namorada e viu que ela recebeu muitas mensagens de texto de um
outro garoto da sua classe. Quando ele perguntou à namorada a respeito, ela
respondeu que deveria ter permissão para ter amigos homens e disse que ele não
deveria se chatear com bobagem. Steve empurra a namorada e a chama de “p…”.
A violência das mulheres para com
homens também foi considerada não problemática. No geral foi vista como uma
resposta compreensível por parte de uma jovem, mesmo que seja um comportamento
indesejável. Para os jovens que entrevistei, as mulheres são mais emotivas e
mais frágeis do que os homens. Elas também seriam fisicamente mais frágeis e
seu potencial para ferir ou causar danos em alguém não era considerada
importante.
Ideias sobre gênero. Tudo isto
sugere que apenas dizer aos jovens que o uso da violência é errado não os
impedirá de aceitá-la. Os jovens têm uma compreensão que não é muito clara da
violência e que é muito influenciada por suas ideias sobre gênero – o que é
normal, esperado e apropriado no caso de homens e mulheres, tanto num
relacionamento como fora dele.
Esta distinção entre diferentes
formas de violência torna a prevenção em grande escala difícil. Como o gênero
parece ter forte influência na visão da violência pelo jovens, as escolas devem
priorizar o ensino sobre a igualdade de gêneros para efetivamente contestar a
aceitação e justificativa de algumas formas de comportamento violento.
Isto pode incluir ensinamentos
multidisciplinares sobre estereótipos em matéria de gênero, sexismo, pressões
sexuais e de gênero, assédio baseado no gênero e violência. Pesquisa recente
sugere que a violência física e sexual também predomina no ensino superior,
indicando a necessidade de um trabalho preventivo logo no início do ciclo
educacional.
Fonte: O Estado de S. Paulo,
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