Prostitutas defendem regulamentação da profissão na
Assembleia Legislativa do RS, em 9 de Junho
Atualmente, as prostitutas não têm como se defender de seus cafetões
sem prejudicar seu sustento, primeiro porque chamar a polícia ou a justiça
implicará no fechamento do prostíbulo, depois, porque dependem de seus
agenciadores para cobrar clientes e fornecer-lhes segurança. Aceitam o que
vier, não há alternativa.
Por Camila Sposito | Foto:
Guilherme Santos/Sul21
Está tramitando, na Câmara dos
Deputados o projeto de Lei n. 4.211/2012 (1), que reconhece a prostituição como
uma profissão, de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). Por ser um tema
que mexe com noções éticas e morais, a opinião pública tem se deixado levar por
ideais (2), em vez de colocar-se na posição de Estado e debatê-lo no plano
pragmático, como exige uma política pública.
Em vez de divagar sobre possíveis
efeitos negativos da aprovação da referida lei e/ou validar nossos ideais
através do Estado, proponho esmiuçarmos o que temos certeza que acontecerá, com
o reconhecimento da prostituição como profissão, para as prostitutas, para os
cafetões, para os clientes, para a sociedade civil e para o Estado.
Para as prostitutas, significa
carteira assinada. Não à toa, carteira assinada é um sonho de muitos
trabalhadores brasileiros. Mas, de acordo com dados do IBGE, nem metade dos
cidadãos que praticam atividades remuneradas conquistaram esse direito (3).
Trabalhar com carteira assinada
garante uma série de direitos, alguns dos poucos alívios que a massa
trabalhadora desfruta, em compensação por sua força de trabalho. Apenas os
trabalhadores com carteira assinada podem exigir salário fixo todo mês,
seguro-desemprego, licença maternidade, auxílio-doença, décimo terceiro, férias
remuneradas, respeito à jornada de trabalho de oito horas com o pagamento de
horas extras em seu valor adicional que lhes compete e folga semanal.
Somente trabalhadores com
carteira assinada são contribuintes do FGTS, o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço, que surgiu como compensação para a extinta estabilidade no emprego,
após dez anos de trabalho na mesma empresa. Dada sua característica de recolhimento
obrigatório, em muitos casos é a única poupança que muitos trabalhadores
conseguem construir em sua vida.
Na prática, poucos trabalhadores
sem carteira assinada aposentam-se dignamente. Isso porque o trabalho informal
paga menos que o trabalho com carteira assinada e os trabalhadores informais
não conseguem separar parte dessa remuneração para o INSS e não contam com a
cota-parte da contribuição de seu empregador, que só é separada por obrigação
legal quando existe vínculo de carteira assinada.
A questão da aposentadoria é
particularmente cruel para as prostitutas, pois o trabalho sexual é uma
carreira estafante e curta, que acaba sem qualquer garantia de descanso. Não
por acaso, o projeto de lei de autoria de Jean Wyllys prevê a aposentadoria especial
para a categoria.
Também o acesso às linhas de
crédito e financiamento está condicionado à comprovação de renda fixa, o que
significa, na realidade dos trabalhadores, ter uma carteira assinada. Com ela,
consegue-se a casa própria, o carro, a TV, a geladeira.
Atualmente, prostitutas não
contam com nenhum desses benefícios, não obstante trabalhem tanto ou mais que
qualquer bancário, administradora, empregado doméstico, professora, servidores
públicos. Não obstante sejam arrimos de muitas famílias.
Para os cafetões, significa dor
de cabeça. Ao reconhecermos a profissão da prostituta, reconhecemos
reflexamente o status de empregador dos cafetões. Todo empregador sabe a dor de
cabeça que isso é, razão pela qual as leis trabalhistas são alvo fixo da Fiesp,
o clube dos empresários.
Como empregadores, os cafetões
ficam obrigados a pagar todos os benefícios elencados acima, sob pena de multa
e outras sanções aplicáveis pelo Ministério do Trabalho e Emprego (4). Caso não
cumpram essas obrigações trabalhistas, poderão ser acionados na justiça e terão
que pagar os valores com juros e correção monetária.
Na medida em que aumentamos os
deveres dos cafetões com as prostitutas, o poder dos mesmos sobre elas diminui.
É fácil ver que empregadores têm menos poder sobre seus empregados do que
cafetões sobre prostitutas.
Atualmente, as prostitutas não
têm como se defender de seus cafetões sem prejudicar seu sustento, primeiro
porque chamar a polícia ou a justiça implicará no fechamento do prostíbulo,
depois, porque dependem de seus agenciadores para cobrar clientes e
fornecer-lhes segurança. Aceitam o que vier, não há alternativa.
Como profissionais, as
prostitutas contarão com o Estado ao seu lado para se defenderem dos cafetões
sem que percam o seu ganha-pão ou caiam nas mãos de policiais mal preparados.
Suas condições de trabalho serão regulamentadas pelo Estado, não ficarão na
discricionariedade dos puteiros.
Não podemos esquecer que cafetão
não retorna nada de seu lucro à sociedade, mas empregadores sim, na forma de
tributos. Toda a geração de riqueza da indústria do sexo hoje beneficia a
poucos donos de estabelecimentos, que enriquecem sem pagar nenhum imposto,
quase tão bom negócio como algumas igrejas, com a diferença de que são ilegais.
Uma vez sejam empregadores,
cafetões terão de pagar seus impostos regularmente e enfrentarão visitas
regulares de auditores fiscais em seu estabelecimento, o que por si só
desestimula que seus negócios derivem em exploração sexual (5).
Para o Estado, significa aumentar
o poder/dever regulador e incremento de receitas
Tanto o Ministério do Trabalho
Emprego como o Judiciário (trabalhista, público e cível) e a receita Federal
não poderão mais fingir que não existem 1,5 milhões de pessoas (dados de 1999)
no Brasil que tiram o seu sustento e o de suas famílias através do sexo (6).
Hoje, qualquer problema relacionado à prostituição só tem um canal social de
escoamento: delegacias e justiça criminal.
Não apenas contra cafetões, o
Estado intervirá em favor das prostitutas quando houver problemas entre elas e
seus clientes que, caso não paguem, poderão ser executados em juízo, o que é
impossível atualmente, pois se trata de negócio ilícito.
As poucas prostitutas que têm
coragem de cobrar na justiça seus clientes caloteiros recebem um não, por conta
da clandestinidade de seu ofício (7). Uma prostituta pode ser condenada por
roubo quando força o pagamento de seu programa, porque tal subtração de
dinheiro de outrem tem previsão no código penal, enquanto que o pagamento do
programa está completamente alijado do ordenamento jurídico, é como se não
existisse! (8)
Por fim, para a sociedade civil
significará alargar as possibilidades de intervir e construir a realidade da
prostituição para além das ONGs, na forma de Sindicatos. Ao entrar no
guarda-chuva da CLT, a profissão do sexo também contará com a formação de sindicatos
próprios, que zelarão pela melhoria das condições de trabalho das prostitutas,
servindo ainda como uma entidade de construção de consciência de classe e
empoderamento.
Ninguém pode afirmar com toda a
certeza que todas as prostitutas terão suas carteiras assinadas e todos os
direitos acima garantidos. Nenhum trabalhador, prostituto ou não, está a salvo
de sofrer precarização de suas condições de trabalho, ainda mais na Era Temer,
que sem legitimidade alguma busca acelerar a precarização das leis trabalhistas
para conceder mais lucros a poucos.
Da mesma forma, ninguém pode
dizer que a exploração sexual acabará ou aumentará com a aprovação da lei.
Contudo, podemos afirmar com toda a certeza que o trabalho sexual será melhor
fiscalizado, que cafetões reduzirão significativamente seu poder sobre as
prostitutas e que os profissionais do sexo terão a quem recorrer caso não sejam
respeitadas condições mínimas de trabalho.
Notas
(1)
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=551899
(2) Por exemplo, proibir a prostituição por conta da
mercantilização do corpo ou do pecado da fornicação são duas posições imbuídas
de ideais que um Estado democrático de direito como o nosso, moldado pela
Constituição Federal de 1.988, não pode atender e nem se fundamentar:
anticapitalismo e religião.
(3) “A PME (Pesquisa Mensal do Emprego) mostrou que na
composição da população ocupada total em 2012, os empregados com carteira
assinada no setor privado representavam 49,2% do contingente, o que correspondia
a 11,287 milhões de trabalhadores. Em todas as regiões metropolitanas, o
percentual de empregados com carteira assinada no setor privado ultrapassava os
40,0% da população ocupada, atingindo, em alguns casos, mais da metade dessa
população, como nos casos de São Paulo (53,1%) e Porto Alegre (50,5%). Rio de
Janeiro e Recife continuam sendo as regiões com as menores proporções: 44,1% e
44,4%, respectivamente.”
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Evolucao_emprego_carteira_trabalho_assinada.pdf
(4) O MTE reconhece já a profissão do sexo como uma ocupação
para fins de censo (CBO – Classificação brasileira de Ocupação Nº 5198 – 05
profissionais do sexo).
(5) Cafetinagem e exploração sexual não são a mesma coisa,
conforme bem definido no projeto de lei em comento (4.211/2012)- “Art. 2º – É
vedada a prática de exploração sexual. Parágrafo único: São espécies de
exploração sexual, além de outras estipuladas em legislação específica: I-
apropriação total ou maior que 50% do rendimento de prestação de serviço sexual
por terceiro; II- o não pagamento pelo serviço sexual contratado; III- forçar
alguém a praticar prostituição mediante grave ameaça ou violência.” Afirmações
como “O projeto de lei legaliza a cafetinagem” apenas confunde e não agrega
qualquer valor ao debate, pois nem toda cafetinagem importa em exploração
sexual do tipo que foi tema da novela Salve Jorge e desconsiderar isso é
desumano com quem já foi vítima da exploração.
(6) [1] Caderno de Debates
Plural. Prostituição. Vol.6, nº11, março de 1999 – FUMEC, Belo Horizonte.
(7) [1]
http://tj-go.jusbrasil.com.br/noticias/2435242/juiz-de-montes-claros-arquiva-acao-de-cobranca-movida-por-prostituta
(8)
http://www.conjur.com.br/2016-mai-20/garota-programa-cobrar-justica-servico-nao-foi-pago
Fonte: http://outraspalavras.net/
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