Desde março de 2014, quando um
homem passou a mão pelo corpo da estudante Sandrele Cristina Reis Santana, 23,
enquanto ela esperava um ônibus, à noite, a jovem não sai de casa com
tranquilidade. Por medo, ela alterou toda a rotina. Mudou o turno da faculdade
para a manhã, passou a frequentar aulas de defesa pessoal, deixou de beber
quando não está acompanhada por alguém de sua confiança e começou a pegar
ônibus apenas quando há cadeiras vagas, mesmo se precisar se atrasar por isso.
A realidade de Sandrele é um
retrato do que a maioria das brasileiras sente todos os dias ao sair de casa: o
medo de se tornar vítima de um estupro. O temor parece ter se tornado ainda
maior após o estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro no dia 21 de maio.
De acordo com o Anuário
Brasileiro de Segurança Pública de 2015, do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, 90,2% das mulheres têm medo de sofrer violência sexual. O dado se
mostra ainda mais relevante quando elas expõem seus receios presentes em
atividades rotineiras, como andar pela rua ou pegar um ônibus, conforme
demonstra enquete realizada por O TEMPO (veja abaixo).
“Mudei tudo para que o assédio
não me afetasse tanto, mas continua acontecendo com frequência. Sinto-me presa,
com uma sensação de impotência enorme. Apesar de ser ruim quando a gente é
assaltado, a vida segue, mas a violência sexual gera um trauma para sempre”,
afirma Sandrele. Para ela, andar sozinha, principalmente à noite e no centro de
Belo Horizonte, se tornou quase uma tortura. “Fico em pânico sempre que tenho
que passar por lá, porque o assédio é inevitável e está completamente
naturalizado. A liberdade está longe de ser conquistada”, lamenta.
Assim como a estudante, 71% das
mulheres que responderam à enquete afirmam se sentirem mais vulneráveis nas
ruas. Em seguida, estão dentro de ônibus, para 10%, e, depois, em baladas (8%).
Ainda havia as opções de resposta: no táxi, na escola/faculdade, no trabalho e
em casa.
Quando questionadas sobre o que
gera mais medo quando o assunto é assédio, as mulheres poderiam escolher entre
as opções pegar táxi sozinha, andar na rua sozinha, sair a pé à noite, voltar
sozinha da balada ou ficar bêbada. No entanto, a grande maioria, 61% delas,
marcou a alternativa que incluía todas as opções.
A estudante Monaliza Silva de
Alcantara, 21, não precisou sofrer algum tipo de violência para se prevenir de
um possível abuso. Ao ver o caso registrado no Rio, ela mudou de rotina. “Não
que eu não soubesse que isso sempre aconteceu, mas como foi bastante debatido,
fiquei mais receosa e sinto medo em todos os lugares. Não saio mais tão tarde,
vou com roupas mais compridas a lugares cheios e não bebo em festas onde não
conheço ninguém direito”.
Sociedade machista reforça temor, acredita especialista
Trocar de roupa para evitar ser
assediada é um comportamento admitido por 77% das mulheres que responderam à
enquete realizada por O TEMPO. Para a coordenadora do Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Marlise Matos, mudar hábitos por medo é reflexo de uma sociedade machista.
Ela acredita que isso acontece
porque as mulheres acabam acreditando que alterar comportamentos usados por
autores de estupros como justificativa para o crime vai evitar que ele seja
cometido. “Quando as mulheres são agredidas no espaço público, o que estão
dizendo para ela é: ‘Seu lugar não é aqui’. Como se, caso ela estivesse em
casa, com outra roupa, ou se não tivesse bebido, isso não iria acontecer”,
explica Marlise.
Segundo ela, o sentimento de
temor não é exagero, mas, apesar do contexto negativo, pode ser considerado um
ganho, pois as mulheres ficam em alerta e buscam se proteger. (RM)
Apenas 7,5% dos casos são notificados
O medo da violência sexual faz
parte do cotidiano da mulher e está conectado à experiência que ela tem
diariamente e ao número de estupros registrados no país, conforme a diretora
executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno. Em 2014,
47.646 ocorrências foram contabilizadas. No entanto, a especialista afirma que
o número real pode chegar a 500 mil, uma média de um caso por minuto, já que
pesquisas apontam que apenas 7,5% das ocorrências são notificadas.
“Diferente de outros tipos de
delitos, a violência sexual é uma incógnita. Pode acontecer em quaisquer lugar
e hora, e o agressor pode ser o taxista, o profissional que faz a entrevista de
emprego ou o vizinho”, alerta Samira. Segundo ela, é preciso investir em
punição, mas, principalmente, na prevenção. “A mulher que sofre abuso tem mais
chance de desenvolver dependência química, de se tornar alcoólatra e de ter
depressão”, afirma. (RM)
Fonte: O Tempo
Nenhum comentário:
Postar um comentário