Números podem ser ainda maiores .
Em muitos casos o acolhimento nos hospitais pode incentivar a vítima a fazer a
denúncia
Em Minas, quase 90 hospitais já
começaram a ser treinados para receber e atender vítimas de violência sexual
sem que elas tenham que passar pelo IML para fazer os exames; isso facilita que
as vítimas formalizem a denúncia. A maioria das vítimas de violência sexual
atendidas no hospital Júlia Kubitschek são crianças.
"Sempre fica alguma coisa.
Não existe nenhuma vítima de violência sexual que não vai ter algum tipo de
consequência psicológica", conta a psicóloga Meire Rose Loureiro Cassini,
especialista em saúde da mulher e integrante da equipe de atendimento a vítimas
de violência sexual do hospital Júlia Kubitschek, um dos quatro hospitais de
Belo Horizonte que fazem a coleta do material para o exame de corpo de delito.
Além de atender clinicamente as
vítimas de violência sexual, estes hospitais também acompanham em um período de
até um ano a situação psicológica da vítima. No Estado, a equipe que coordena
esses atendimentos nos hospitais já começou o treinamento de outros 87
hospitais mineiros para este fim.
Desde 2014, a Resolução 4.590
existe para fazer valer a Lei Federal 12.845/2013 que estabelece que no Sistema
Único de Saúde (SUS) o atendimento às vítimas de violência sexual é integral e
obrigatório em todos os hospitais integrantes da rede. Segundo a Secretaria de
Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), estes 87 hospitais estão habilitados
como referência do Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de Violência
Sexual. No entanto, em um Estado com 853 municípios, este número ainda é
considerado baixo.
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Deixar de ir, obrigatoriamente,
ao IML fazer os exames para ser recebida por uma equipe multidisciplinar e
preparada para isto em um hospital é determinante para que a vítima se sinta
encorajada a fazer a denúncia. "É bem diferente ser recebida no hospital,
porque no IML ou na delegacia esta vítima fica com medo, com vergonha e, muitas
vezes, quando ela tem que ir neste ambiente policial há também o medo de sofrer
algum tipo de preconceito, de não ser atendida corretamente. Sem falar que
neste ambiente policial ela fica, muitas vezes, junto a criminosos. Muitas
vítimas já deixaram de fazer a denúncia para não ter que passar por isso",
explica a psicóloga.
Depois de formalizada a transição
do atendimento obrigatório no IML para um atendimento referencial em hospitais,
a forma de se receber as vítimas de violência sexual também mudou. "No
hospital ela é preparada e orientada para fazer a denúncia. Nós tentamos
diminuir a dor dela. Por isso também é necessário esse atendimento psicológico
após o primeiro atendimento emergencial, para que ela possa falar sobre o que
aconteceu no tempo dela, depois que os sentimentos estão mais organizados, a
memória está reativa. Geralmente, logo após o ocorrido, quando a vítima chega,
é comum que ela ainda esteja sem noção de tempo ou espaço", diz, ainda.
O acolhimento
O primeiro indício de uma
violência sexual a ser observado pela equipe dos hospitais referência são as
possíveis lesões. Depois disso os médicos realizam a coleta de vestígios para
que se realize o exame de corpo de delito, procedimento que foi passado pela
equipe do IML a estes hospitais no início da implantação deste modelo de
atendimento.
Também é necessário os exames
para se constatar se houve a transmissão de alguma doença sexualmente
transmissível como sífilis, aids e gonorreia. Geralmente, a vítima precisa
fazer o uso de medicamentos antirretrovirais durante 28 dias, o que costuma
trazer muitos efeitos colaterais. "Por isso é importante que a vítima seja
acompanhada não só ali naquele primeiro atendimento clínico, mas por um longo
período após isso", explica a médica legista e ginecologista do hospital
Júlia Kubitschek, Maria Flávia Brandão.
"Quando ligamos para uma
vítima e explicamos o processo e que ela não precisa ir ao IML para fazer essa
coleta para os exames, geralmente, ela deixa que a gente colete todo o
material. E depois dos primeiros cuidados com a saúde básica, ela é atendida e
acompanhada por psicólogas e assistentes sociais. Mesmo após sair do hospital
ela continua sendo acompanhada, tanto nas Unidades Básicas de Saúde, como por
psicólogas e assistentes sociais por um período que vai de seis meses a um ano.
Não é um atendimento fácil, são histórias muito chocantes, mas fazemos o
possível para resgatar pelo menos um pouquinho da autoestima dessas
pacientes", completa.
Após este primeiro processo no
hospital, a mulher vítima de violência sexual precisa ir a delegacia de
mulheres com o relatório que recebe do hospital apenas para pedir ao delegado o
laudo indireto do IML e a abertura do inquérito referente a denúncia.
Maioria são crianças
Conforme a legista e
ginecologista Maria Flávia Brandão, a maioria das vítimas de violência sexual
atendidas no hospital Júlia Kubitschek são crianças. "Cerca de 80% dos
pacientes que recebemos nesta situação são crianças. Isto é muito grave. É por
isso que temos que dar essa orientação para as crianças desde cedo, sobre como
agir nestes casos, como falar sobre isso, sobre não ter medo de falar".
A psicóloga Meire Cassini relata
que já apenas uma semana já foram atendidas nove crianças vítimas de abuso
sexual na unidade. "Estes casos aumentam em determinadas épocas festivas
ou nas férias, quando as crianças ficam mais em casa e quando tem muita gente
no mesmo lugar. De três em três meses a gente tem picos de atendimentos,
justamente nestas datas".
Segundo ela, as crianças mais
novas costumam não entender que foram violentadas porque, geralmente, o abuso
se dá por meio de alguma troca ou algum laço afetivo. "A mudança no
comportamento das crianças após um caso ou um longo período de abuso é
perceptível. Por isso muitas denúncias chegam para nós pelo Conselho Tutelar
após a escola denunciar", conta.
As mudanças mais drásticas nas
crianças são que elas se isolam, ficam irritadas, choram muito e perdem a
concentração na escola. No caso de menores atendidas pelos hospitais
referência, as denúncias são automaticamente passadas pelos hospitais à Polícia
Civil, diferente das mulheres vítimas de violência que precisam ir a delegacia
pedir a abertura do inquérito mesmo após o atendimento na unidade de saúde.
Denúncias subnotificadas
Nem todas as mulheres vítimas de
violência sexual formalizam a denúncia na delegacia após serem atendidas nos
hospitais. "Geralmente a vítima vem de situações agudas. Por exemplo, um
estupro que aconteceu na rua, é mais fácil de ela denunciar porque ela está com
medo e precisa de proteção. Mas quando acontece dentro de casa, ela não costuma
falar, seja por medo, por preconceito, por achar que nada vai ser feito, porque
não se lembra de como aconteceu ou mesmo por vergonha e por não querer que as
pessoas saibam que aconteceu", explica a psicóloga.
Ela também relata que, algumas
vezes, o próprio companheiro - e agressor - está aguardando do lado de fora
enquanto a mulher é atendida no hospital. "Por isso acredito que as
denúncias são subnotificadas. Há muito mais casos de violência sexual contra a
mulher do que o que é registrado", conclui.
Nas mulheres, o comportamento
após o abuso também muda. Ela começa a ter problemas de ansiedade, depressão e
isolamento social. Muitas situações se agravam ainda mais fazendo com que a
mulher perca o emprego e o contato com a família.
Unidades
Segundo a SES-MG, em Belo
Horizonte os hospitais que fazem o atendimento especializada às vítimas de
violência sexual são o Júlia Kubitscheck, o Odilon Behrens, o Hospital das
Clínicas, a Maternidade Odete Valadares e o Hospital Risoleta Neves. Este
último, no entanto, não realiza a coleta do material para exame de corpo de
delito.
Já no Estado, há hospitais
referência nos municípios de Betim, Contagem, Guanhães, Ibirité, Itabira,
Itabirito, João Monlevade, Ouro Preto, Ribeirão das Neves, Sabará, Santa Luzia,
Sete Lagoas, Vespasiano, Barbacena, Conselheiro Lafaiete, São João Del Rei,
Capelinha, Diamantina, Governador Valadares, Ipatinga, Timóteo, Manhuaçu, Ponte
Nova, Viçosa, Araçuaí, Itaobim, Nanuque, Pedra Azul, Teófilo Otoni, Paracatu,
Patos de Minas, Unaí, Bocaiúva, Janaúba, Januária, Montes Claros, Pirapora, São
Francisco, Taiobeiras, Manga, Divinópolis, Formiga, Itaúna, Luz, Pará de Minas,
Além Paraíba, Juiz de Fora, Leopoldina, Muriaé, Santos Dumont, Ubá, Visconde do
Rio Branco, Alfenas, Guaxupé, Andradas, Extrema, Itajubá, Lavras, Paraisópolis,
Passos, Poços de Caldas, Pouso Alegre, Santa Rita do Sapucaí, São Lourenço, São
Sebastião do Paraíso, Três Corações, Três Pontas, Varginha, Araguari,
Ituiutaba, Patrocínio, Uberlândia, Araxá, Frutal e Uberaba.
Fonte: O Tempo
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