Quem a vítima deve procurar,
quanto tempo ela tem para prestar queixa e o que ela não deve fazer.
O que exatamente caracteriza um
crime de estupro?
De acordo com a da Rede Feminista
de Juristas (DeFEMde), "crime de estupro é qualquer conduta, com emprego
de violência ou grave ameaça, que atente contra a dignidade e a liberdade
sexual de alguém". O elemento mais importante para caracterizar esse crime
é a ausência de consentimento da vítima.
Não é preciso haver penetração
para que o crime se caracterize como estupro. Desde 2009 o Código Penal
Brasileiro prevê, no artigo 213, que o estupro acontece quando há, com
violência ou grave ameaça, "conjunção carnal ou prática de atos
libidinosos", prevendo penas que variam de seis a 10 anos de prisão, que
podem ser agravadas caso o crime resulte em morte, lesões corporais graves ou
seja praticado contra adolescentes de 14 a 18 anos incompletos.
As juristas lembram que não
existe relação sexual com menores de 14 anos. "Nesses casos, o ato será
sempre considerado estupro, pois crianças menores de 14 anos não possuem o
discernimento necessário para consentir com a prática do ato". O mesmo
acontece quando a vítima, mesmo maior de idade, não tiver condições de
consentir ou resistir ao ato como, por exemplo, pessoas muito embriagadas ou
desacordadas. "Praticar atos sexuais com essas pessoas é, igualmente,
cometer crime de estupro, que tem pena de prisão prevista de 8 a 15 anos",
explica a rede de juristas.
O que a vítima de estupro deve
fazer imediatamente após o crime?
Chamar a polícia ou ir até uma
delegacia. Lá, será registrado um Boletim de Ocorrência e a vítima será
encaminhada em seguida a um hospital para realizar exames e receber
medicamentos anti-retorvirais (para impedir a contaminação pelo vírus da AIDS,
por exemplo) e a pílula do dia seguinte. O registro do BO é importante para que
a vítima possa em seguida fazer o exame de corpo de delito, realizado no Instituto
Médico Legal (IML).
Muitas vezes, a vítima é
encaminhada para o hospital antes de ir a uma delegacia, principalmente quando
está ferida. Mas é importante que o Boletim de Ocorrência seja registrado e o
exame de corpo de delito feito para dar início às investigações.
"Entretanto, há uma grande
crítica a esse procedimento, porque ele exige da vítima a consciência
instantânea de que ela foi violentada, o que nem sempre ocorre", diz a
DeFEMde. "Por isso é muito comum que vestígios materiais e lesões físicas
desapareçam antes da vítima se dar conta do que ocorreu ou, mais ainda comum, o
tempo que vítima precisa para ter coragem para denunciar - lembramos que a
maior parte dos casos de violência sexual é cometida por conhecidos e as
vítimas têm medo de denunciá-los".
As juristas lembram que esse
procedimento padrão não abarca a importância do acolhimento para a vítima,
"que muitas vezes se encontra sozinha, culpada e com vergonha". Por
isso, existem redes de acolhimento, que podem ser encontradas no Mapa do
Acolhimento, e há centros municipais de acolhimento, como os centros de
Referência da Mulher na cidade de São Paulo, por exemplo.
Para onde ela deve ir primeiro?
Recomenda-se que a vítima busque
ajuda médica e realize o exame de corpo de delito no IML requisitado pela
autoridade policial, a fim de colher possíveis provas do ato criminoso, para
que o caso seja apurado. "Contudo, geralmente, a vítima precisa de suporte
e não está preparada para tantos procedimentos burocráticos", afirmam as
juristas. "Sendo assim, recomendamos amparo e acolhimento e ressaltamos
que essa tendência de imputar deveres à vítima nunca pode ser compreendida como
algo capaz de gerar qualquer obrigação a ela. A vítima não deve nem é obrigada
a nada".
Ela pode deixar o local do crime?
"A vítima não deve nem é
obrigada a nada"
Em alguns casos, a realização de
perícia no local do crime pode auxiliar as investigações feitas pela polícia,
"mas não existe qualquer motivo que impeça a vítima de sair do local ou
recomendação no sentido de que ela deva permanecer ali", diz a rede de
juristas.
Pode tomar banho antes de
procurar ajuda? Pode trocar de roupa?
Não é recomendado que a vítima
tome banho antes de procurar ajuda. A rede de juristas orienta que não se lave
dentro da vagina e que se preserve as roupas que a vítima estava usando no
momento da agressão, "para que possa ser averiguada a presença de alguma
secreção do crime". A vítima pode, porém, trocar de roupas.
Como a polícia deve proceder?
Segundo a DeFEMde, a polícia deve
proceder "com humanidade e tato com a vítima, sem ser sugestiva, nem
perguntar de sua vida pessoal". O procedimento legal "é de tão
somente colher provas e depoimentos referente ao ato criminoso, nada mais que
isso".
Como o hospital deve proceder? Como são as etapas do atendimento?
De acordo com Daniela Pedroso, psicóloga
do núcleo de atendimento à vítima de violência sexual do Hospital Pérola
Byington, em São Paulo, abre-se um prontuário médico e é feita uma avaliação
clínica da violência.
Após esse procedimento, é feito o
exame físico geral e ginecológico, descrevendo as lesões
"minuciosamente", além da coleta de secreção vaginal para posterior
realização de exame laboratoriais que possam auxiliar na configuração do crime
de estupro e, até mesmo, na identificação do agressor. "É importante que esteja
registrado no relatório médico a condição da vítima ao chegar no
atendimento", diz a psicóloga. "Além das condições físicas, vale
ressaltar que a condição psicológica da vítima tem valor legal para as medidas
judiciais posteriores", explica.
A quais medicamentos ela terá
acesso?
À pílula do dia seguinte e à
profilaxia para prevenção ao vírus HIV, à hepatite e outras Doenças Sexualmente
Transmissíveis.
A equipe de atendimento é feita
de homens e mulheres ou somente de mulheres? Por que?
Daniela Pedroso explica que a
equipe de profissionais do Hospital Pérola Byington, referência nesse tipo de
atendimento, é composta por ginecologistas, pediatras – no caso de violência
sexual contra crianças – enfermeiros, auxiliares de enfermagem, assistentes
sociais e psicólogos, homens e mulheres. "Porém, caso algum paciente não
esteja confortável com a equipe de atendimento, pode solicitar a mudança",
diz a psicóloga.
Em até quanto tempo a vítima pode
procurar ajuda no hospital para receber o coquetel antiretroviral?
"A profilaxia para prevenção
ao vírus HIV deve ser aplicada em até 72 horas após à violência", diz
Daniela.
"Se a vítima for maior de 18
anos, ela deve realizar um boletim de ocorrência e entrar com uma representação
até seis meses após o crime ter acontecido"
Ela pode tomar, por conta
própria, a pílula do dia seguinte antes de procurar ajuda?
A psicóloga do Pérola Byington
explica que a pílula do dia seguinte pode ser tomada em casa, pela vítima, em
até 120 horas – ou cinco dias- após à violência. "Porém, vale ressaltar
que quanto mais rápido a vítima tomar a pílula, maior será a eficácia do
medicamento", diz.
Quanto tempo após o crime ela
pode tomar o coquetel oferecido no hospital?
Até 72 horas a partir da
ocorrência da violência sexual, para maior eficácia do tratamento.
Como é o exame de corpo de delito? Quem pode tocar na vítima? Quem pode
fazer esse exame? Onde ele é feito?
Esse exame é feito por uma médica
ou um médico forense do Instituo Médico Legal (IML). Somente esse profissional está apto para examinar
a vítima para constatar a violência física, ato libidinoso e para coletar
possíveis provas do estupro.
Quanto tempo a vítima tem para
procurar ajuda? Se o crime ocorreu há um ano, por exemplo, ela pode denunciar
agora?
O prazo para realizar a denúncia
muda de acordo com o caso:
Se a vítima for maior de 18 anos:
ela deve realizar um boletim de ocorrência e entrar com uma representação até
seis meses após o crime ter acontecido. Passado esse prazo, ela perde o direito
de denunciar.
Se a vítima for menor de 18 anos
ou vulnerável: o prazo é de 20 anos a partir do momento em que ela completa 18
anos.
A lei entende por vulnerável
qualquer pessoa menor de 14 anos ou que tenha alguma enfermidade ou deficiência
mental ou que não tenha capacidade de oferecer resistência, como nos casos de
embriaguez, por exemplo. Se a vítima for maior de 18 anos e vulnerável, o prazo
é de 20 anos a contar a partir da data do crime.
Nesse caso, não é necessário
entrar com uma representação. Basta a vítima ou seu tutor fazer um boletim de
ocorrência ou levar a notícia do crime ao Ministério Público, órgão responsável
por mover a ação.
A vítima precisa procurar um
advogado?
Ela não é obrigada a buscar um
advogado para fazer o BO. Mas a orientação da DeFEMde é que a vítima procure um
advogado para auxílio jurídico, e que esse profissional será necessário até a
representação legal no processo e poderá também ser assistente da acusação,
atuando junto com o Ministério Público.
A polícia pode perguntar detalhes
da vida íntima da vítima? O que pode e o que não pode ser perguntado, por
exemplo?
"De nada tem a ver a vida
íntima da vítima com o crime de estupro", dizem as juristas da rede
DeFEMde. Elas explicam inclusive que o questionamento sobre a vida pessoal da
vítima pode levar a polícia ao afastamento do cargo, assim como ocorreu no caso
do estupro coletivo no Rio de Janeiro.
"As questões a serem
levantadas na delegacia devem estar relacionadas única e exclusivamente ao
crime, suas circunstâncias, lugar etc", dizem. "Perguntas como 'qual
a roupa que você estava usando?' ou 'você costuma se relacionar com mais de uma
pessoa?' e outras equivalentes são práticas amplamente rechaçadas".
A questão do constrangimento é
tão grave, que, por exemplo, ao se tratar de estupro de menor, é possível que a
conduta da autoridade policial seja investigada por infringir o artigo 232 do
estatuto da criança e do adolescente (ECA – Lei 8.069/90) que define com crime
a submissão de criança ou adolescente sob sua guarda ou vigilância a vexame ou
constrangimento.
Por que as delegacias para a
mulher não abrem 24 horas por dia e nem aos finais de semana?
O horário de funcionamento das
132 delegacias da mulher existentes no Estado de São Paulo é de segunda a
sexta-feira, das 9h às 18h. Questionada, a secretaria de Segurança Pública de
São Paulo não respondeu por que o horário é restrito, apenas informou, por meio
de nota, que "o registro de ocorrências de violência contra a mulher pode
ser realizado em qualquer distrito policial e todos os policiais estão
preparados para o atendimento desse tipo de caso, a registrar as ocorrências e
adotar as providências necessárias, como encaminhamento para exames".
As juristas da DeFEMde afirmam,
porém, que as ocorrências acontecem em grande parte aos finais de semana, dias
em que as delegacias se encontram fechadas. Para elas, nas delegacias
tradicionais "não há preparo dos polícias em lidar com esse tipo de
violência, sendo comum a realização de perguntas absurdas sobre o crime e sobre
a vida pessoal da vítima, em uma clara conduta de culpabilização,
responsabilização e descrédito da vítima".
Fonte: El Pais
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