Muitos validam cada ato do
cotidiano através de sua rede de amigos, conhecidos e desconhecidos. A
realização pessoal e a satisfação estão diretamente relacionadas à quantidade
de “likes'', retuítes e compartilhamentos que se obtém.
Faz parte do mesmo comportamento
postar fotos de tudo o que se come, de provas do Enem (mesmo que proibido), de
tudo o que se faz, de todos que encontramos.
De mostrar, nas redes sociais,
que a vida é interessante, fascinante, alegre, criativa, desafiadora,
sensacional, supimpa, tchap-tchura, sempre em movimento, sempre para melhor.
E, quando aparecem momentos
desafiadores, postamos para ter apoio coletivo na rede social.
As redes sociais não são
ferramentas de descrição da realidade, mas sim de construção e reconstrução
desta. Quando a pessoa está atuando através de uma dessas redes, não reporta
simplesmente. Inventa, articula, muda. Vive.
Considere-se que, para uma grande
maioria de jovens, a frase “sai já dessa internet e vem jantar!'' não faz mais
sentido.
Pois ele vive suas relações
sociais de forma tão intensa e real em plataformas digitais quanto nas
tradicionais. Não existe lá e aqui, pois lá e aqui são a mesma coisa.
Nesse sentido, perde-se a
percepção de que é necessário dar mais atenção a uma das camadas de sua
realidade. O silêncio em algumas mesas de bar rodeadas por smartphones que o
diga.
Será que as pessoas que visitam
exposições fotografando compulsivamente tudo o que aparece pela frente,
ziguezagueando feito uma barata que cheirou uma carreira de coca, realmente se
lembram do que viram um mês depois? Ou conseguiram dialogar com o artista? Será
que ao menos elas estavam lá?
Em muitos casos, a visita tem um
sentido diferente: é uma caça ao tesouro, cujo prêmio é poder mostrar,
orgulhoso, ao colega de trabalho após as férias “tá vendo esse borrão disforme
e irreconhecível? É daquele pintor que cortou a própria orelha fora''. A
tecnologia aliada ao fetichismo vai nos deixando malucos.
Um sábio amigo me lembrou que
pior do que sair fotografando obras de arte de forma alucinada é gravar shows
inteiros de música no celular. “O cara perde o show e depois tem um arquivo
tosco para colocar no Youtube e ninguém (ele incluído) ver nunca mais'',
desabafou.
Enfim, capturar, postar e esperar
alguém validar é mais importante que sentir em um mundo em que ter é mais
relevante que ser.
A impressão é que a memória vai
sendo transferida, paulatinamente, da cabeça para cartões SD, tornando-nos cada
vez mais dependentes deles para recriar nossas vivências.
Quantos são os que têm coragem de
dizer não e fugir da manada? Quantos conseguem alterar a programação a qual
foram submetidos por anos?
Não quero ser bedel de ninguém.
Estamos reconstruindo a noção de individualidade e sociabilidade após a
revolução digital e é muito cedo para entender o que vai emergir daí.
Mas, vale lembrar, que o
silêncio, a reflexão individual e uma certa dose de solidão são partes
importantes de nossa existência.
E, mesmo com toda a tecnologia e
apesar de um zilhão de amigos em sua rede pessoal, em certas horas, você estará
sozinho ou sozinha.
E terá que sentir-se completo,
contando consigo mesmo para o que for preciso. Para tomar uma decisão. Para
deixar de toma-la. Sem a rede validar, por eleição de likes, a sua escolha.
Assustador, não?
Fonte: Blog de Sakamoto
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