A jornalista Nana Queiroz
(Reprodução/Facebook)
Há pouco mais de um ano, um monte
de mulheres – eu entre elas – postou fotos segurando cartazes com os dizeres
“Eu não mereço ser estuprada”. A campanha online foi iniciada pela jornalista
Nana Queiroz após a divulgação de uma pesquisa feita pelo IPEA (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada) com dados alarmantes e bastante reveladores do
machismo no país, como o da concordância de 58,5% dxs entrevistadxs com a ideia
de que se as mulheres “soubessem como se comportar, haveria menos estupros“.
O Facebook me recordou disso essa
semana, em uma daquelas atualizações “você-se-lembra-do-que-fez-em-abril-passado?”.
“Sim, protestei contra a cultura do estupro incrustada na sociedade
brasileira”, respondi à rede social, orgulhosa de minha primeira (e última)
selfie. E logo depois chega a notícia de que uma jovem de 18 anos foi violentada em plena estação República do metrô de São Paulo, quando dois homens
tentaram assaltar o local em que ela trabalhava. O timing seria irônico, se não
fosse trágico.
A pergunta que não quer calar é:
até quando?
A violência contra as mulheres é
transversal e cotidiana. Nos últimos 30 anos, mais de 92 mil mulheres foram
assassinadas no país, 43 mil delas, quase metade, entre 2000 e 2010 (Mapa da
Violência, São Paulo: Instituto Sangari, 2010). O Brasil guarda o
impressionante número de uma mulher ser espancada a cada 45 segundos, de acordo
com pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo em 2010. Duas em cada cinco
mulheres (40%), de 2.365 entrevistadas nas 25 unidades da federação, afirmaram
já ter sofrido alguma das violências citadas no questionário da pesquisa, em
especial controle ou cerceamento (24%), violência psíquica ou verbal (23%) e
ameaça ou violência física (24%). Em 2013, mais de 50 mil casos de estupro
foram registrados em todo o país, segundo números da polícia divulgados no 8o.
Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Isso sem contar os relatos que nunca chegaram às autoridades, em
especial aqueles que ocorrem dentro de relacionamentos, com parceiros fixos, e
sobre os quais muitas mulheres têm dificuldade de falar.
Até quando?
À época do “Eu não mereço ser
estuprada”, escrevi que já tinha sido assediada incontáveis vezes. Algo
verdadeiramente cotidiano. Olhares invasivos, palavras de terror disfarçadas de
elogio – chega de fiu-fiu sim! -, ameaças à minha liberdade de ser, de ir e de
vir. Falei que minha bunda já havia sido
agarrada em ônibus lotados (no plural mesmo) e que eu apanhei de um
desconhecido na rua porque, acredito eu, estava com uma roupa decotada. Lembrei
como eu já deixei de passar em diversos lugares sozinha por medo e que disse um
“não” que, aos ouvidos alheios, parecia significar “sim”. Qual mulher não tem
histórias semelhantes ou piores para contar? E quando cruzamos essas narrativas
com recortes étnico-raciais e de identidade de gênero, as violências se
multiplicam.
Até quando?
Deveria ser inacreditável um
estupro – seguido de tentativa de roubo – em plena estação República do metrô
de SP. Mas infelizmente não é. Pelo contrário: é para lá de crível.
Não podemos viver em um mundo em
que nos tornarmos mulher é sinônimo de uma autorização a sofrer qualquer tipo
de violência, em que nossos corpos possam ser apropriados a torto e a direito.
Estupro não é um desejo incontrolável dos homens. É uma maneira dos dominantes
exprimirem, mas também produzirem, a inferioridade das mulheres.
Fonte: Carta Capital
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