Parece simples, mas não é. A
fronteira entre o estupro e o sexo ainda está embaçada na cabeça de muita
gente. O hit Blurred Lines, sucesso absoluto na voz do cantor Robin Thicke em parceria
com o rapper Pharrell, é basicamente uma ode à violência sexual.
Pra se ter uma ideia, o Projeto
Unbreakable, que reúne fotos de vítimas de estupro segurando cartazes com o que
seus agressores diziam na hora da violência, conseguiu recriar a letra da
música apenas com imagens previamente publicadas.
por Luíse Bello no Think Olga
A popularidade desse tipo de
canção é um forte indício da identificação ou da conformidade do público com
essa abordagem. “Eu sei que você quer”, “A maneira como me segura, deve estar
querendo mais”: a canção (e a sociedade?) está lotada de suposições equivocadas
sobre o desejo da mulher. Ela é considerada apenas parte interessante, mas não
interessada, pois em nenhum momento perguntam o que ela quer.
Consentimento é a certeza de que
as duas (ou mais) pessoas estão dispostas a participar de uma interação
afetiva. Do flerte ao sexo, qualquer tipo de aproximação entre um casal só pode
ter sucesso caso ambos estejam absolutamente certos do desejo do outro em estar
ali. É preciso ter um entendimento inequívoco da vontade de ambos – tanto de um
para o outro, quanto individualmente (ou seja, se VOCÊ quer mesmo que isso
aconteça).
Relacionamentos, sejam de uma
noite ou para a vida inteira, não devem ser encarados como uma obrigação, mas
como uma escolha. Independente dos motivos que levam duas pessoas a ficar
juntas, o ideal é que eles venham de dentro, que sejam genuínos e pessoais.
Consentir é diferente de “deixar” ou “dar permissão”: é verdadeiramente querer
e desejar que aquilo aconteça.
O consentimento só pode ser dado
por livre e espontânea vontade.
Todo ato íntimo proveniente de ameaça, coerção
e intimidação é considerado estupro. Por isso, antes de continuarmos nosso papo
sobre consentimento, precisamos primeiro acabar com alguns mitos sobre
violência sexual:
Mito 1 – Estupro só acontece em vielas escuras e são cometidos por
tarados malucos que vivem atrás de moitas
A maioria dos estupros é cometida
por pessoas conhecidas pelas vítimas, muitas vezes em suas próprias casas e por
seus parceiros íntimos. Por mais desagradável que esse pensamento seja, é
preciso encarar a realidade de que é preciso muito mais que “evitar andar
sozinha à noite” para evitar ser violentada.
Mito 2 – Mulheres provocam o estupro por se vestirem de maneira sexy
“Mas ela está pedindo!”. Não,
ninguém pede para ser estuprada e nem todas as vítimas estão de saia curta. A
única pessoa responsável por um estupro é o estuprador. Os homens (que
geralmente são os aqueles percebidos como perpetrores desse tipo de violência)
não são bestas selvagens e deveriam se ofender com a acusação de que não podem
se controlar ao ver um decote. Uma mulher deve ser livre para vestir o que
quiser sem temer ser violentada por isso.
Mito 3 – Mulheres que bebem ou se drogam estão pedindo pra ser
estupradas
A vulnerabilidade que acompanha o
entorpecimento não implica que a mulher esteja disponível para fazer sexo. Se
ela está inconsciente ou parece incapaz de tomar uma decisão, tal como dar
consentimento, é estupro. Beber não é crime, estupro sim.
Mito 4 –Se a vítima não gritou, fugiu ou se machucou, então não é
estupro
Qualquer relação sexual sem
consentimento é estupro. Não é necessário nada além disso para que essa
situação configure como violência sexual. Em muitos casos, a vítima coopera com
o estuprador por temer pela própria vida, ou por consequência de sua
personalidade ou da situação, não têm coragem ou força de reagir, sentindo-se
paralisadas pelo pavor. Esse tipo de questionamento transfere a
responsabilidade de evitar o estupro para a vítima – e, como já dissemos
anteriormente, o único culpado pelo estupro é o estuprador.
Mito 5 – Se a vítima não reclama ou dá queixa logo em seguida, não é
estupro.
Um estupro pode provocar
sentimentos de vergonha e culpa tão grandes que impedem a vítima de falar sobre
o assunto. Ainda mais vivendo em uma sociedade que tenta justificar o estupro
de todas as formas (vide esses mitos!) e constantemente transfere a culpa
Mito 6 – Estupro de prostituta não conta
A prostituição é baseada
fundamentalmente no consenso em praticar atos sexuais em troca de
dinheiro. O que passa desse acordo é
estupro.
Ok, então… como consentir e como obter consentimento?
Comunicação! Comunicação!
Comunicação! Para ser eficaz, o consentimento deve ser expresso de maneira
ativa e voluntária, por meio de palavras ou ações que indiquem o desejo mútuo
de participar de uma atividade sexual. Confira abaixo algumas reflexões
importantes sobre consentimento:
– Ambiguidade não ajuda em nada.
Sim é sim e não é não. É importante é respeitar esses limites quando dados pelo
seu parceiro ou parceira.
– Sentiu desconforto para dizer
não? Sinal vermelho! É um forte indicativo de intimidação e medo – coisas que
não combinam com momentos de intimidade nos quais devemos nos sentir seguras
para expressar nossos desejos.
– Se o parceiro ou parceira está
hesitando, o ideal é não ir adiante com o contato íntimo. Consentimento é ter
absoluta certeza de que o que está acontecendo naquele momento é algo que os envolvidos
desejam verdadeiramente. Talvez é não.
– Consentimento para um ato
sexual específico não significa que todos as outras formas de interação íntima
estão liberadas.
– Mesmo depois que o
consentimento tenha se estabelecido entre o casal, ambos são livres para mudar
de ideia em qualquer momento do ato sexual.
– Caso isso aconteça, seja por
palavras ou ações, a relação deve ser interrompida imediatamente. Ainda que o
“não” tenha soado meio indeciso ou confuso, ele deve ser respeitado como uma
quebra do acordo prévio. E sem consentimento, sem sexo.
– Especialmente entre casais que
já se relacionam a mais tempo, o consentimento deve ser obtido toda vez em que
houver atividade sexual. A intimidade pode levar a deduções que nem sempre são
corretas e, consequentemente, levar a experiências desagradáveis.
– Ser casado com a vítima não
exime o marido de ser um criminoso. A inglesa Sarah Tetley, por exemplo, foi
estuprada mais de 300 vezes pelo marido enquanto dormia. Ela trouxe sua
história a público recentemente para aumentar a conscientização sobre o abuso.
– Silêncio, falta de resistência
verbal ou física e relações anteriores não são sinônimos de consentimento, bem
como tipos de roupa, flertar, um drink, um jantar ou qualquer outro gasto com
alguém, também não significam que ele ou ela consentiu em fazer sexo com você.
– Usar drogas ou beber não
impedem deliberadamente uma pessoa de consentir em fazer sexo, mas certos
níveis de intoxicação a tornam incapaz de tomar essa decisão.
– Consentimento não se obtém com
o uso de força (literal ou implicitamente), ameaças, intimidação e coerção.
– É sempre OK dizer não. Seja por
que você não tá afim, por causa de religião, por ter medo de pegar uma doença,
se quiser ir devagar ou só ver a pessoa como amigo e não como parceiro sexual.
Se você acha que tem que consentir, então a escolha não é mais sua.
Sexo é pra ser divertido e
empoderador. Falar sobre isso, também. Respeitar o consentimento é uma das
responsabilidades de quem tem uma vida sexual ativa. Não se trata de preciosismo,
mas de tomar cuidado para não ultrapassar os limites do seu parceiro e
transformar um momento prazeroso em uma experiência traumática.
Fonte: Geledés
Nenhum comentário:
Postar um comentário