Planos do governo da Alemanha
visando proteção de meretrizes são criticados, por temores de que
regulamentações limitem exercício da atividade, obrigando pessoas afetadas a
buscar a clandestinidade.
"Por um tempo, eu era super
orgulhosa do trabalho com o sexo", conta Nadine, de 30 anos, cabelos
cacheados louros e casaco negro felpudo. "Eu tinha orgulho dos meus
clientes fixos. Você ganha 150 euros por uma 'rapidinha' e pensa: 'uau, isso é
tudo de bom!'"
Embora ela tenha sentimentos
ambivalentes em relação ao que chama de "cultura do bordel do
plástico", durante dez anos, a prostituição foi a melhor forma de Nadine
ganhar dinheiro.
Antes da lei da prostituição de
2002, o contrato entre cliente e profissional do sexo era classificado como
atentado aos bons costumes na Alemanha. Os donos de bordéis corriam risco de
ser autuados por rufianismo (exploração da prostituição).
Hoje, eles são estabelecimentos
comerciais como qualquer outro, e a atividade é plenamente legal. As operárias
do sexo, que sempre tiveram que pagar impostos no país, têm agora direito a
seguro social e de saúde. A possibilidade teórica de um emprego fixo não
encontrou aceitação no meio. Enquanto a maioria das prostitutas têm seguro de
saúde, poucas pagam aposentadoria, conforme um estudo encomendado pelo governo
alemão.
Lei liberal
A mudança na legislação estimulou
Kerstin Berghäuser a abrir seu próprio bordel diurno em Berlim. Ela mesma já
exercera a atividade durante oito anos, para pagar rapidamente suas dívidas,
mas aí resolveu se tornar autônoma.
"O ponto decisivo foi a
entrada em vigor da lei da prostituição, me dando a certeza de que eu não
estava fazendo nada de proibido. Eu queria providenciar boas condições de
trabalho para as mulheres. Antes, só ter preservativos na loja já era taxado de
incentivo à prostituição."
A lei alemã sobre o assunto é uma
das mais liberais do mundo. Ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo, onde
a atividade é ilegal. Ou da Suécia e a França, em que o comércio do sexo é
proibido, e os clientes estão sujeitos a penalidades.
Movimento antiprostituição
O movimento antiprostituição da
Alemanha também reivindica atualmente a criminalização da clientela. Seus
argumentos centrais são de que o tráfico humano vem crescendo, e que a maior
parte das mulheres seria forçada a se prostituir. Na realidade, porém, faltam
estatísticas concretas sobre ambas as afirmativas.
Os opositores do movimento
apontam dois aspectos. Primeiro, a lei da prostituição teria como objeto os serviços
sexuais prestados voluntariamente. Quem constringe alguém ao sexo, por outro
lado, está cometendo crime de estupro, rufianismo ou tráfico de pessoas com
fins de exploração sexual ou de mão de obra.
Em segundo lugar, a legislação
não poderia ter facilitado o tráfico humano, porque não trata dele. A socióloga
Barbara Kavemann, que avaliou a lei de 2002, defende que o aumento do tráfico
na Alemanha se deve, antes, à ampliação da União Europeia com os países do
Leste.
Leis de imigração restringem possibilidades
A partir 2004, a UE integrou 13
novos Estados, sobretudo do Leste Europeu, antes sob domínio soviético. Desde
então, as mulheres desses países têm permissão para ingressar e permanecer na
Alemanha.
Paula é uma delas. A delicada
búlgara, de cabelos longos quase negros, esperava poder trabalhar como
cozinheira na Alemanha, mas foi deixada defronte a um prostíbulo, o que pode
ser tomado por tráfico humano, já que Paula não falava alemão, não tinha
dinheiro e não sabia a quem recorrer. De início, chorou e se recusou a
trabalhar mas acabou exercendo o ofício durante cinco anos, por necessidade
financeira.
Profissionais do sexo se organizam: "Profissões
diferentes. Direitos iguais. Trabalho com sexo é trabalho"
A dona do bordel a obrigou a
trabalhar de 6h às 22h e ficava com metade dos ganhos. Algumas vezes, Paula
voou para a Bulgária, mas acabou retornando para a Alemanha. Por não poder ter
um emprego fixo, por ser búlgara, voltava a trabalhar no bordel. A lei de
imigração alemã não lhe deixava alternativa. Mesmo assim, nunca aceitou ter um
cafetão, defendendo-se sozinha dos clientes que não se comportavam ou que
queriam sexo sem preservativo.
Mechthild Eickel, da central de
aconselhamento para trabalhadoras sexuais Madonna, em Bochum, assegura que
mesmo migrantes como Paula nem sempre são vítimas. "Muitas mulheres
trabalham sob condições muito difíceis. Mas é uma decisão delas."
Berlim quer proteger prostitutas
Então, o sexo é uma atividade
profissional como qualquer outra? Não, até mesmo porque quem a exerce continua
sendo encarado com desprezo: apenas poucas podem declarar abertamente de onde
vem seu dinheiro.
Mas, como afirma o slogan de um
movimento da classe, "trabalho com sexo é trabalho", e as mulheres e
homens que encaram a prostituição como uma forma de prestação de serviço,
exigem boas condições para exercê-la.
A coalizão de governo em Berlim,
formada por conservadores cristãos e social-democratas, está estudando no
momento uma legislação de proteção aos profissionais do sexo. Ela prevê, entre
outros pontos, idade mínima de 21 anos, cadastramento obrigatório e exames
médicos compulsórios.
Profissionais de ambos os gêneros
tem protestado, por exemplo, através da Federação Alemã de Serviços Eróticos e
Sexuais (BesD). Representantes de outras organizações como de combate à aids,
auxílio a mulheres e das juristas alemãs também argumentam que a lei poderia
favorecer a estigmatização de quem se prostitui, obrigando-os a buscar a
clandestinidade.
O escoteiro e a velhinha
Alvo de críticas também é a
proposta de penalizar os clientes que conscientemente procurem vítimas de
tráfico humano. Alega-se que os clientes muitas vezes fornecem informações
anônimas à polícia: com a criminalização, isso supostamente não ocorreria mais.
Johanna Weber, da BesD, se
declara a favor de padrões trabalhistas e de um status de permanência
assegurado para suas colegas estrangeiras mas não de uma lei de proteção à
classe.
Ela compara a situação à piada do
escoteiro que, para cumprir sua boa ação diária, ajuda uma velhinha a
atravessar a rua. Só ao chegar do outro lado é que constata que a senhora
queria ir na outra direção.
"É assim que lidam no
momento conosco, prostitutas. Querem nos salvar todas. E nós temos que ficar
dizendo, a cada cinco minutos: 'não, a gente não quer salva!'"
Fonte: http://www.dw.de/
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