“Não se preocupe, querida, você
não queimou a cerveja.” Anúncio da cerveja Schlitz, em 1955
Choca a quantidade de exemplos de
grandes marcas, veículos e produtores de conteúdo subestimando e agredindo as
mulheres, em pleno 2016. E o que mais incomoda é pensar que não se trata de um
comportamento isolado. Antes de se tornarem públicos, esses conteúdos passam
pelas mãos de dezenas de pessoas. São coletivos, grupos de homens e mulheres
com alto grau de instrução e papéis chave nessas organizações.
No domingo (07), a Lei Maria da
Penha completou 10 anos. Os avanços em termos de denúncia e punição da
violência doméstica contra a mulher são inquestionáveis, mas o que dizer da
violência midiática?
Apesar de sua importância, nem
todo mundo conhece a história por trás da origem da lei. Ela foi criada em
homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, agredida
durante 6 longos anos pelo marido.Dentre as várias agressões por ela sofridas,
estão 2 tentativas de assassinato: a primeira com um tiro de espingarda, que a
deixou paraplégica; e a segunda por eletrocussão, enquanto tomava banho. Marco
Antônio Heredia Viveiros, então marido e agressor, era professor universitário.
Importante ressaltar esse ponto,
porque, ainda hoje, algumas pessoas tendem a acreditar que a violência
doméstica e familiar sofrida pelas mulheres é assunto restrito a classes mais
baixas. Não é.
Também existe a tendência de
amenizar qualquer outro tipo de violência praticada contra a mulher,
principalmente as de cunho moral e psicológico. Um dos pontos interessantes da
lei é a ampliação da noção de violência contra a mulher, ao reconhecer e tipificar
a agressão sofrida, seja ela física, sexual, patrimonial, moral ou psicológica.
Essa contribuição é fundamental. Há dez anos reconhecemos e punimos, não apenas
ações, mas mensagens misóginas. E é justamente na Comunicação que o privado e
público se encontram.
Apesar de ser uma lei que coibi a
violência doméstica e familiar, ou seja, que se restringe ao âmbito privado, a
Maria da Penha representa juridicamente nosso entendimento coletivo, social, do
que é violência contra a mulher.
O tratamento dado a mulher, o
entendimento do lugar que ela deve ocupar e a maneira como ela é retratada são
construções culturais; comportamentos desenvolvidos e legitimados socialmente
ao longo de décadas.
Nesse sentido, as empresas de
comunicação, leia-se a publicidade e a indústria do entretenimento, tem uma
enorme responsabilidade nessa construção. Retratam a sociedade, pautam
discussões, reforçam e também estabelecem padrões, valores e costumes.
Portanto, podem combater ou perpetuar a violência midiática contra a mulher.
Trata-se de uma escolha.
Mas qual lugar as mulheres ocupam
nessas empresas, veículos, agências? Elas lideram? São ouvidas? Como são
representadas nas peças publicitárias e programas de televisão?
São muitos os artigos e matérias
que denunciam o papel e o tratamento atribuído à mulher em toda a história da
publicidade. De peças da década de 50 até hoje, são incansáveis os exemplos.
Evidentemente já evoluímos muito.
São casos que não passam mais impunes. Viram pauta, geram questionamento,
revolta coletiva e até provocam alguns tímidos pedidos de desculpas. Porém,
mesmo depois de seis décadas, ainda continuamos reproduzindo parte dessas
crenças e comportamentos. E falo do tempo presente, do agora e não de um
passado recente.
Não vou me aprofundar na famosa
campanha “Esqueci o não em casa” da Skol, no pré carnaval do ano passado. Quem
dera tivéssemos parado por aí. Mesmo com tanta denúncia e discussão, ainda
somos obrigados, em abril desse ano, a assistir o apresentador Ratinho chutando
uma assistente de palco. Ou nos deparamos, há pouco mais de um mês, com uma
peça publicitária (premiada!) como a da Aspirina, que trata a divulgação de
vídeos íntimos como um constrangimento exclusivamente feminino e o compara a
uma pequena dor de cabeça. Ou, pior, temos que ler as lamentáveis declarações
do presidente executivo da Saatchi & Saatchi, que afirma que a falta de mulheres
em cargos de liderança não é um problema e que acredita que estamos muito
contentes e fazendo um ótimo trabalho onde estamos. Isso 5 dias atrás.
Kevin Roberts, presidente da
Saatchi & Saatchi, do Grupo Publicis
Choca a quantidade de exemplos de
grandes marcas, veículos e produtores de conteúdo subestimando e agredindo as
mulheres, em pleno 2016. E o que mais incomoda é pensar que não se trata de um
comportamento isolado. Antes de se tornarem públicos, esses conteúdos passam
pelas mãos de dezenas de pessoas. São coletivos, grupos de homens e mulheres
com alto grau de instrução e papéis chave nessas organizações.
Mesmo após 10 anos da Lei Maria
da Penha, continuamos lidando com padrões muito enraizados, que precisam ser
constantemente repelidos. Seja no âmbito individual ou coletivo, precisamos
continuar denunciando e repudiando publicamente qualquer tipo de agressão
contra a mulher. Essa é e será uma luta diária. Afinal, como diria a recém
falecida ex ministra e ativista Luiza Bairros, “Não é a violência que cria a
cultura, mas é a cultura que define o que é violência.” Sigamos fazendo um
escândalo.
Fonte: http://ondda.com/
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