sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Violência contra a mulher: a mídia ainda custa a entender

“Não se preocupe, querida, você não queimou a cerveja.” Anúncio da cerveja Schlitz, em 1955
Choca a quantidade de exemplos de grandes marcas, veículos e produtores de conteúdo subestimando e agredindo as mulheres, em pleno 2016. E o que mais incomoda é pensar que não se trata de um comportamento isolado. Antes de se tornarem públicos, esses conteúdos passam pelas mãos de dezenas de pessoas. São coletivos, grupos de homens e mulheres com alto grau de instrução e papéis chave nessas organizações.

No domingo (07), a Lei Maria da Penha completou 10 anos. Os avanços em termos de denúncia e punição da violência doméstica contra a mulher são inquestionáveis, mas o que dizer da violência midiática?

Apesar de sua importância, nem todo mundo conhece a história por trás da origem da lei. Ela foi criada em homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, agredida durante 6 longos anos pelo marido.Dentre as várias agressões por ela sofridas, estão 2 tentativas de assassinato: a primeira com um tiro de espingarda, que a deixou paraplégica; e a segunda por eletrocussão, enquanto tomava banho. Marco Antônio Heredia Viveiros, então marido e agressor, era professor universitário.

Importante ressaltar esse ponto, porque, ainda hoje, algumas pessoas tendem a acreditar que a violência doméstica e familiar sofrida pelas mulheres é assunto restrito a classes mais baixas. Não é.

Também existe a tendência de amenizar qualquer outro tipo de violência praticada contra a mulher, principalmente as de cunho moral e psicológico. Um dos pontos interessantes da lei é a ampliação da noção de violência contra a mulher, ao reconhecer e tipificar a agressão sofrida, seja ela física, sexual, patrimonial, moral ou psicológica. Essa contribuição é fundamental. Há dez anos reconhecemos e punimos, não apenas ações, mas mensagens misóginas. E é justamente na Comunicação que o privado e público se encontram.

Apesar de ser uma lei que coibi a violência doméstica e familiar, ou seja, que se restringe ao âmbito privado, a Maria da Penha representa juridicamente nosso entendimento coletivo, social, do que é violência contra a mulher.

O tratamento dado a mulher, o entendimento do lugar que ela deve ocupar e a maneira como ela é retratada são construções culturais; comportamentos desenvolvidos e legitimados socialmente ao longo de décadas.

Nesse sentido, as empresas de comunicação, leia-se a publicidade e a indústria do entretenimento, tem uma enorme responsabilidade nessa construção. Retratam a sociedade, pautam discussões, reforçam e também estabelecem padrões, valores e costumes. Portanto, podem combater ou perpetuar a violência midiática contra a mulher. Trata-se de uma escolha.

Mas qual lugar as mulheres ocupam nessas empresas, veículos, agências? Elas lideram? São ouvidas? Como são representadas nas peças publicitárias e programas de televisão?

São muitos os artigos e matérias que denunciam o papel e o tratamento atribuído à mulher em toda a história da publicidade. De peças da década de 50 até hoje, são incansáveis os exemplos.


Evidentemente já evoluímos muito. São casos que não passam mais impunes. Viram pauta, geram questionamento, revolta coletiva e até provocam alguns tímidos pedidos de desculpas. Porém, mesmo depois de seis décadas, ainda continuamos reproduzindo parte dessas crenças e comportamentos. E falo do tempo presente, do agora e não de um passado recente.

Não vou me aprofundar na famosa campanha “Esqueci o não em casa” da Skol, no pré carnaval do ano passado. Quem dera tivéssemos parado por aí. Mesmo com tanta denúncia e discussão, ainda somos obrigados, em abril desse ano, a assistir o apresentador Ratinho chutando uma assistente de palco. Ou nos deparamos, há pouco mais de um mês, com uma peça publicitária (premiada!) como a da Aspirina, que trata a divulgação de vídeos íntimos como um constrangimento exclusivamente feminino e o compara a uma pequena dor de cabeça. Ou, pior, temos que ler as lamentáveis declarações do presidente executivo da Saatchi & Saatchi, que afirma que a falta de mulheres em cargos de liderança não é um problema e que acredita que estamos muito contentes e fazendo um ótimo trabalho onde estamos. Isso 5 dias atrás.


Kevin Roberts, presidente da Saatchi & Saatchi, do Grupo Publicis
Choca a quantidade de exemplos de grandes marcas, veículos e produtores de conteúdo subestimando e agredindo as mulheres, em pleno 2016. E o que mais incomoda é pensar que não se trata de um comportamento isolado. Antes de se tornarem públicos, esses conteúdos passam pelas mãos de dezenas de pessoas. São coletivos, grupos de homens e mulheres com alto grau de instrução e papéis chave nessas organizações.

Mesmo após 10 anos da Lei Maria da Penha, continuamos lidando com padrões muito enraizados, que precisam ser constantemente repelidos. Seja no âmbito individual ou coletivo, precisamos continuar denunciando e repudiando publicamente qualquer tipo de agressão contra a mulher. Essa é e será uma luta diária. Afinal, como diria a recém falecida ex ministra e ativista Luiza Bairros, “Não é a violência que cria a cultura, mas é a cultura que define o que é violência.” Sigamos fazendo um escândalo.


Fonte: http://ondda.com/

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