FOTO: Fernanda Carvalho
Passados dois meses, as marcas
das facadas ainda estão no braço enfaixado da cabeleireira L.M., 42. Em junho,
ela chegou a ficar internada por quase uma semana em um hospital de Belo
Horizonte após ser vítima de um ataque de ciúmes de seu ex-marido e até hoje,
devido a problemas de saúde, não voltou ao trabalho.
O tratamento dela, assim como o
de muitas outras mulheres vítimas de violência doméstica é custeado pelo
Sistema Único de Saúde (SUS), que, conforme um estudo desenvolvido pelo Banco
Mundial, desembolsou cerca de R$ 5,14 bilhões somente para esse tipo de
atendimento em 2014. No entanto, em Araguari, no Triângulo Mineiro, esses
gastos deverão ser minimizados.
Em uma iniciativa até então
desconhecida pelo Conselho Nacional do Ministério Público, o Ministério Público
de Minas Gerais (MPMG) recomendou que a prefeitura da cidade comece a cobrar
dos agressores o valor gasto pelos cofres públicos no tratamento de mulheres
agredidas.
“O agressor terá que indenizar,
pois não faz sentido socializar o custo da agressão. Quem não bateu, não tem
que dividir isso. O tratamento é gratuito para a vítima, mas não pode ser para
o agressor”, justificou o promotor responsável pela recomendação, André Luís
Alves de Melo.
Para ele, a medida, apesar de
significar economia no orçamento, tem como principal objetivo sensibilizar e
prevenir casos enquadrados na Lei Maria da Penha. “Os crimes de violência doméstica
são uma realidade em nossa cidade, pois o machismo é grande. A melhor maneira
de se combater um crime é fazendo políticas de prevenção, como acreditamos”,
enfatizou.
Método. A maneira como a cobrança seria feita ainda está sendo
discutida entre MPMG e Prefeitura de Araguari, mas, segundo o promotor, ela
poderá ocorrer por meio de boleto assim que o tratamento da vítima for
concluído. “A orientação é que a prefeitura faça um detalhamento do que foi
feito e do material gasto, com os preços. O autor poderá pagar o valor ou,
claro, contestá-lo na Justiça”, explicou Melo.
Segundo ele, a previsão é que, se
o agressor se recusar a pagar o valor, a prefeitura também possa entrar na
Justiça para cobrar. “Estamos na fase de estudo do que foi gasto neste ano na
cidade com violência doméstica, como foi pedido pelo MPMG. Existem casos de
gastos de R$ 500 até R$ 10 mil. A ideia é que esse dinheiro seja empregado na
própria saúde do município e em campanhas de prevenção”, disse a secretária
municipal de Saúde de Araguari, Célia Aparecida Vieira.
Para L.M., o importante é que
haja atendimento imediato das vítimas. “Quando fui esfaqueada, se não fosse a
pressa do meu vizinho, os médicos e o tratamento que recebi, eu poderia ter
morrido”, contou.
AVALIAÇÃO
Houve avanços, mas atendimento pode ser melhorado
A contribuição da Lei Maria da
Penha no combate à violência doméstica nesses dez anos de sua implantação foi
grande, sendo a regra reconhecida como de excelência pela Organização das
Nações Unidas (ONU). Mas nem tudo o que está no papel ainda se tornou
realidade, como por exemplo a criação de juizados especiais para o crime.
Em Minas Gerais, atualmente,
existem somente quatro varas especializadas – todas na capital –, e não há
nenhuma previsão para que o juizado seja construído no Estado. “Houve avanços
significativos, e eu te diria que talvez o maior deles seja o de medidas
protetivas que realmente salvam vidas. Agora, claro, ainda precisamos avançar
na questão das varas e também no número de delegacias”, afirmou Patrícia
Habkouk, promotora de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar.
“É preciso crescer nesse sentido.
Aumentar as redes de proteção, as delegacias e também o número de abrigos em
todo o Estado. Estamos tentando trabalhar ao máximo nessa questão”, completou a
superintendente de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do governo de
Minas, Isabel Lisboa.
Em 27 de julho, o governador
Fernando Pimentel sancionou a Lei 22.256/2016, que institui no Estado a
política de atendimento à mulher vítima de violência e que também prevê um
aumento no número de delegacias e abrigos. (JC)
SAIBA MAIS
Hospitais. Em Minas, 87 hospitais estão habilitados como
referências do Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual.
Essas unidades oferecem atendimento emergencial, integral e multidisciplinar às
mulheres e, se necessário, as encaminham aos serviços de assistência social. O
acompanhamento posológico também é feito nessas instituições.
Polícia Civil. As delegacias especializadas estão em apenas 7% dos
853 municípios do Estado: são 71, sendo seis delas na capital e as outras
espalhadas por regionais. As unidades fornecem tratamento especializados e são
os locais mais indicados para denunciar as agressões.
Centros. Ao todo, Minas tem 18 Centros Especializados de
Atendimento à Mulher em Situação de
Violência. O chamado “Ônibus Lilás”, que roda o Estado em áreas de
difícil acesso, também é alternativa de assistência.
Posição. Segundo o Ministério da Saúde, iniciativas como a de
Araguari dependem da gestão local. A pasta informou não ter conhecimento de
nenhuma outra prática semelhante no país.
MINIENTREVISTA
Kárin Emmerich, desembargadora
Como a senhora avalia os dez anos
da Lei Maria da Penha?
A meu ver, nesses dez anos, o
balanço da lei é positivo. Juntamente com a consideração da violência doméstica
como problema social, o encorajamento das vítimas por meio da divulgação da lei
tem sido um de seus maiores avanços. Ela trouxe à tona a realidade da violência
contra a mulher, expondo o problema, fazendo a sociedade refletir e se
conscientizar da importância de trabalhar conjuntamente no seu combate. Embora
possam se notar avanços, ainda há muito o que conquistar. A sociedade
brasileira é patriarcal e centrada na perspectiva da posse da mulher.
Como a senhora vê a aplicação da
lei?
Fonte : O Tempo
Nenhum comentário:
Postar um comentário