Turistas estrangeiros em busca de
sexo fácil, prostitutas nas ruas, exploração sexual de menores...
Quando se fala em grandes eventos
como Olimpíadas, esses assuntos sempre vêm à tona. Mas o Rio de Janeiro
olímpico vive um cenário diferente. As garotas de programa preveem época de
vacas magras com a crise econômica e uma forte repressão policial. E a questão
vai bem além disso: elas travam uma disputa ideológica contra um grupo ligado
ao feminismo radical.
A reportagem é de Luiza Oliveira,
publicada por portal Uol, 08-08-2016 .
O confronto entre garotas de
programa e essa linha de feministas ficou acalorado em grupos de discussão e já
trouxe consequências para os Jogos. Enquanto as prostitutas lutam pelo direito
de exercer sua profissão e serem tratadas como trabalhadoras normais, as
feministas radicais agem contra essa proposta.
A ativista e advogada Eloisa
Samy, considerada uma das líderes dessa linha do feminismo, acredita que a
prostituição representa a principal forma de exploração da mulher em uma
sociedade patriarcal. Por isso, pede que haja uma maior fiscalização em torno
da cafetinagem durante os Jogos e defende até o aumento da intervenção policial
para inibir a ação dos clientes e a exploração das mulheres.
“Eu não posso admitir que um
evento olímpico, que preza o bem-estar das pessoas com tão nobres ideais, se
preste a servir a uma causa tão mesquinha, que é a principal forma de
exploração da mulher e da objetificação dos nossos corpos”, afirma Eloisa.
Eloisa considera ainda que a
prática incentiva o machismo e a violência contra a mulher. "A
prostituição também faz parte da cultura do estupro, da indústria da
pornografia, de exploração de menores, tráfico de pessoas. Vem turistas homens
aqui só para isso, e quem consome é homem.
Durante a Copa do Mundo, inúmeras
mulheres nas ruas eram chamadas de putas pelos argentinos. E olha que são
nossos vizinhos. Está disseminada a ideia da brasileira hipersexualizada
peituda, para ser vendida como objeto sexual”, reclama.
Feminista da mesma linha, Daniela
Lima é contra a repressão policial e acusa a polícia de ser parte dos esquemas
de violência contra as mulheres em situação de vulnerabilidade. Mas ressalta a
importância da fiscalização da pedofilia. "Em uma situação de mega
eventos, o turismo sexual não se separa da pedofilia, não pode ser descolado da
exploração de menores. É um quadro, uma realidade. Prova disso é que pegaram
espaços de exploração infantil em torno da Vila Olímpica”, afirma.
Verdadeiras feministas?
Os defensores do trabalho das
garotas de programa, no entanto, se revoltam com as tentativas do que eles
consideram repressivas. Eles afirmam que a prática é legal e não há qualquer
relação com crimes como exploração de crianças, que devem ser amplamente
combatidos. Acusam ainda algumas linhas do feminismo de disseminarem uma imagem
estigmatizada das profissionais que só faz aumentar o preconceito contra elas.
Na visão deles, é um absurdo
feministas apoiarem o uso da força da polícia contra qualquer mulher. “É uma
falta de noção. A nossa força policial mata pessoas, é tão patriarcal e
machista, e elas defendem o direito de a polícia coibir mulheres por
determinado comportamento sexual. Elas estão servindo como base de manobra para
as tendências mais patriarcais e direitistas do Congresso. Quando a questão é
aborto, é direito da mulher, quando é venda de sexo, o estado deve intervir.
Thaddeus Blanchette
Estão agindo como se fossem da
extrema direita”, diz Thaddeus Blanchette, coordenador da pesquisa etnográfica
do Observador das Prostitutas. Ele é estudioso do tema e representante da
Associação das Prostitutas nos Conselhos Estaduais e Nacionais de Combate ao
Tráfico.
Daniela Lima se revolta com esse
argumento. “É um ataque comparar mulher feminista com bancada religiosa composta
por homens brancos em situação de poder. É completamente inaceitável. A questão
não é moral, mas sim política”, rebate.
Indianara Siqueira
A prostituta e transexual
Indianara Siqueira aumenta o coro contra as feministas. Para elas, as garotas
de programa representam, na verdade, um enfrentamento ao machismo. “As
prostitutas fazem sexo sem intenção de reproduzir, elas cobram, quebram com o
patriarcado. Prostitutas são as feministas que rompem, as mais revolucionárias.
Elas têm liberdade, são donas dos corpos delas, livres e empoderadas. Sabemos
que há mulheres que sofrem na prostituição, mas sofrem mais nos lares
domésticos, casadas. A maioria das mulheres é estuprada por homens de confiança
a serviço do patriarcado e que fazem sexo de graça. É mais seguro ser puta que esposa
nessa sociedade”, afirma.
Mas Daniela Lima questiona essa
liberdade, especialmente no que diz respeito à prostituição de mulheres negras
e pobres. “Até para dizer ‘meu corpo, minhas regras’ elas têm que estar em uma
situação de poder em relação a elas mesmas. Quem fabrica essas regras? Essas
mulheres estão sobrevivendo. A maioria das mulheres negras e pobres se
prostitui por um prato de comida. Quais são as escolhas que essas mulheres têm?
São dignas? Dizer isso é ignorar uma série de violências que ocorrem, mulheres
violentadas, estupradas”, questiona.
O tema bombou nas redes sociais e
ocupou mesas em grupos de debate no Rio de Janeiro. Mas as discussões ficaram
acaloradas e já houve acusações de agressões verbais de ambas as partes.
Eloisa Samy
Thaddeus Blanchette acusa Eloisa
Samy de xingá-lo de "proxeneta" e "cafetão". A ativista se
defende e o acusa de desonesto, por inventar calúnias.
O grande embate se dá em torno do
Projeto de Lei Gabriela Leite, de autoria do deputado federal Jean Wyllys
(PSOL-RJ), que regulamenta a atividade dos profissionais do sexo e está parado
na Câmara dos Deputados. O autor defende que a marginalização das pessoas que
lidam com comércio do sexo leva à exploração sexual. Os opositores, no entanto,
dizem o contrário. Afirmam que a lei vai beneficiar apenas os exploradores e
incentivar cafetinagem, já que não garante leis trabalhistas às garotas de
programa.
A única concordância é que uma
uma tentativa de abolir a prostituição será em vão. Ambos os grupos defendem
que as mulheres que estão nessa atividade se empoderem e tenham uma vida digna.
Por isso, é necessário investir em políticas públicas que incentivem a educação
e as deem condições de escolher o melhor caminho para o futuro. "A questão
que defendo é a inclusão social e o aumento de escolhas para essas mulheres
para que tenham escolhas reais e não fictícias", defende Daniela.
Vacas magras nas Olimpíadas
Enquanto o governo não age sobre
o tema, as prostitutas precisam trabalhar para garantir seu sustento. Indianara
ainda espera lucrar durante os Jogos, mas diz que o quadro já está difícil.
“A gente espera ganhar, mas já
temos experiência na Copa em que não tivemos esse lucro todo.
Espero que os Jogos tragam mais
estrangeiros. Mas vai ter uma repressão muito forte, muitos lugares de
prostituição foram fechados, lugares em Copacabana foram fechados. E tem o
exército na rua em Copacabana, uma repressão muito grande, muito combate",
afirma. "A prostituição não vai ser fácil, a gente não vai ter regalia. E
a gente espera não ter regalia, mas no mínimo que lucre todo dia”, completa
Indianara.
Ágata Oliveira é outra
profissional do sexo que pretende sair do centro e migrar para Copacabana na
tentativa de ter mais sucesso. Mas ela reclama: “Tem muita polícia na rua, está
difícil trabalhar”.
Ao contrário do que se pensa, os
Jogos são vistos como um período difícil para as profissionais do sexo. Além de
uma maior repressão policial na tentativa de higienizar a cidade, as Olimpíadas
têm uma reputação de ‘evento família’. O conceito é diferente da Copa do Mundo,
considerado um evento majoritariamente masculino. A única aposta para faturar
mais seria na ideia de maior liberdade sexual dos atletas, alavancada até pela
ampla distribuição de preservativos na Vila Olímpica.
Mesmo se depender da demanda na
Copa do Mundo, o cenário não será favorável. O Observatório da Prostituição fez
um estudo durante o Mundial e concluiu que houve uma queda na procura de 15%.
Nas Olimpíadas, essa queda promete ser mais acentuada. Thaddeus afirma que o
público das garotas de programa não é o turista estrangeiro, mas sim a classe
trabalhadora carioca que frequenta os bordeis do centro da cidade ou da Vila
Mimosa nos dias de semana. Nos dias em que são decretados feriados, esse
público não aparece. O trabalho só aumentaria na região de Copacabana, que
concentra turistas estrangeiros.
“O fluxo de estrangeiros na Copa
não compensou a ausência dos trabalhadores brasileiros no centro da cidade.
Visitamos 89 prostíbulos, com os 20 mais frequentados, quase todos os dias em
Vila Mimosa e Copacabana. Estima-se que houve queda de 15%”, afirma Thaddeus.
Nesta segunda, o Rio olímpico
terá o seu primeiro "dia útil". A concorrência será grande.
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