Uma lista de ações para os pais,
criada com a esperança de que possamos ter uma geração de crianças menos
sujeitas a estupros e ataques sexuais.
O horror do noticiário sobre
estupros é um alerta para os pais. Sempre soubemos que estupro é um problema,
mas nunca estivemos tão mobilizados para mudar.
Como escritores, educadores e
defensores do consentimento, nós quatros fomos inundados com pedidos de pais
que querem saber o que fazer para termos um futuro com menos estupro e ataques
sexuais.
Acreditamos que os pais podem
começar a educar suas crianças sobre consentimento e empoderamento desde o
primeiro ano de vida, até o fim da adolescência. Nossa esperança sincera é que
essa educação nos ajude a criar adultos empoderados, que sintam empatia pelos
outros e entendam claramente o que é o consentimento saudável.
Esperamos que pais e educadores
considerem útil esta lista de itens e ferramentas educativas e que, juntos,
criemos uma geração de crianças que enfrentem menos estupros e ataques sexuais
em suas vidas.
São três seções, baseadas nas
idades das crianças: pré-escola, ensino básico e adolescentes e jovens adultos.
Para crianças muito pequenas (de 1 a 5 anos)
1. Ensine as crianças a pedir
permissão antes de tocar ou abraçar um amiguinho. Use frases como "Sarah,
vamos perguntar ao Joe se ele gostaria de dar um abraço de despedida".
Se Joe responder "não",
diga para sua filha: "Tudo bem, Sarah! Vamos dar tchau para ele e mandar
um beijo".
2. Ajude a criar empatia no seu
filho, explicando como as ações dele podem ter magoado alguém.
Use palavras como: "Sei que
você queria aquele brinquedo, mas você bateu no seu amiguinho e ele se machucou
e ficou triste. Não queremos que ele fique triste porque o machucamos".
Incentive seu filho a imaginar
como ele ou ela se sentiriam se outra criança tivesse batido neles. Isso pode
ser feito com um tom afetuoso e um abraço, para que a criança não sinta
vergonha nem constrangimento.
3. Ensine as crianças a ajudar os
outros que estejam com dificuldades. Converse com seus filhos sobre ajudar
outras crianças e alerte adultos de confiança quando elas precisam de ajuda.
Peça para seu filho prestar
atenção nas interações e observar o que está acontecendo. Eles precisam
aprender a observar. Pergunte para eles o que eles estão vendo.
Use um bicho de estimação como
exemplo. "Parece que a gatinha está com o rabo preso! Precisamos
ajudar!" Elogie seu filho quando ele prestar ajuda a outras pessoas, mas
lembre-o de que, quando um adulto precisa de ajuda, quem tem de fazer isso é
outro adulto.
Elogie seu filho quando ele
alertar que as pessoas estão em situação difícil.
4. Ensine para seus filhos que
"não" e "pare" são palavras importantes e devem ser
honradas. Uma maneira de fazê-lo: "Sarah disse 'não' e quando ouvimos
'não' sempre paramos o que estivermos fazendo".
É importante também que eles
saibam que o "não" deles será honrado. Explique que nossos amigos
sempre devem parar quando nós falamos "não".
Se um amigo não para quando
dizemos "não", precisamos pensar se gostamos de brincar com eles.
Tudo bem escolher outros amigos.
Se achar necessário, intervenha.
Seja gentil, explique para a outra criança como a palavra "não" é
importante. Sua criança vai internalizar a importância da ideia para ela e para
os outros.
5. Incentive a criança a ler
expressões faciais e outros sinais de linguagem corporal: com medo, feliz,
triste, frustrado, bravo etc. Jogos com desenhos dessas expressões são uma
ótima maneira de ensinar a interpretar esses sinais e expressões.
6. Nunca force a criança a
abraçar, tocar ou beijar ninguém, qualquer que seja a razão. Se a vovó pede um
beijo e a criança resiste, ofereça alternativas. "Quer soprar um beijo
para a vovó?"
Você pode explicar o porquê para
ela depois. Não discuta na frente da criança. Se a vovó ficou chateada, que
seja. Sua função é fazer o melhor para seu filho e dar as ferramentas para que
ele e os outros sejam felizes e seguros.
7. Incentive seu filho a lavar
seus próprios órgãos genitais no banho. É claro que os pais às vezes têm de
ajudar, mas explicar para o filho por que o pênis é importante e que ele tem de
tomar conta dele é uma ótima maneira de incentivar o orgulho e o senso de posse
do próprio corpo.
Também dê exemplo de
consentimento pedindo permissão para lavar o corpo dos seus filhos. Sempre
respeite o pedido do seu filho de não ser tocado.
"Posso lavar suas costas
agora? E os pés? E o bumbum?"
Se a criança diz não, peça que
ela se lave.
"Legal! Precisamos lavar
bumbum. Vamos lá!"
8. Dê a oportunidade de que elas
digam sim ou não também nas escolhas do dia a dia. Deixe que elas escolham suas
roupas e tenham opinião sobre o penteado e sobre as brincadeiras. Obviamente,
em algumas situações você vai ter de se impor (quando estiver frio e ela quiser
usar aquele vestidinho).
Ajude-os a entender que você está
ouvindo a voz deles e que ela importa para você, mas que você quer que eles
estejam seguros e saudáveis.
9. Permita que as crianças falem
sobre seu corpo da maneira que quiserem, sem vergonha. Ensine as palavras
corretas para seus órgãos genitais, e seja um sinônimo de segurança quando eles
quiserem falar de corpos e sexo.
Diga: "Estou tão feliz por
você me perguntar isso!" Se você não souber a melhor maneira de responder
naquele momento, diga: "Estou feliz que você está me perguntando sobre
isso, mas preciso pesquisar. Podemos falar sobre isso depois do jantar?" -
e certifique-se de cumprir o combinado.
Se o seu instinto é calá-los ou
demonstrar vergonha, treine sozinho ou com um parceiro. Quanto mais você
ensaiar, mais fácil será.
10. Fale sobre instintos. Às
vezes sentimos medo, estranheza ou nojo e não sabemos bem por quê. Pergunte ao
seu filho se isso já aconteceu com ele e ouça a resposta em silêncio, enquanto
eles explicam.
Ensine que essa "voz
interna" às vezes está certa e que se eles já têm esse sentimento meio
confuso, eles podem sempre te procurar para pedir ajuda nas decisões. Lembre-os
de que ninguém tem o direito de tocá-los se eles não quiserem.
11. "Use suas palavras."
Não responda nem faça nada quando eles dão chilique ou fazem birra. Peça a seu
filho para usar palavras, mesmo que sejam simples, para explicar o que está
acontecendo.
Para crianças mais velhas (de 5 a 12 anos)
Ensinar desde cedo as crianças a
respeitar o espaço das outras pessoas ajuda a desenvolver a empatia.
1. Ensine as crianças que a forma
como seus corpos estão mudando é excelente, mas às vezes pode causar confusão.
A maneira como você falar sobre essas mudanças -- quer se trate de dentes moles
ou espinhas e pêlos pubianos - indica sua disposição de conversar sobre outros
assuntos sensíveis.
Seja científica, direta e
responda quaisquer perguntas que seu filho possa ter, sem vergonha ou
constrangimento.
Mais uma vez, se o seu primeiro
instinto é calá-los porque você está envergonhada, treine até conseguir agir
com naturalidade, como se o assunto não fosse grande coisa.
2. Incentive-os a falar sobre o
que é bom e o que não é. Você gosta de cócegas? Gostaria de ficar tonto? O que
mais? Do que você não gosta? Ficar doente, talvez? Ou quando outra criança te
machuca? Dê espaço para o seu filho para falar sobre qualquer outra coisa que
lhe vem à mente.
3. Lembre seu filho que tudo o
que ele está passando é natural. Todo mundo cresce.
4. Ensine as crianças como usar
palavras de segurança durante as brincadeiras. Ajude-os a negociar uma palavra
de segurança para usar com seus amigos.
Isso é necessário porque muitas
crianças gostam de entrar a fundo em seus mundos de faz-de-conta, como brincar
de guerra ou fingir que estão discutindo.
Nessa idade, dizer
"não" pode ser parte da brincadeira. Por isso, eles precisam ter uma
palavra que pare tudo. Talvez seja algo tolo, como "pão com
manteiga", ou mais direto, como "Estou falando sério!" O importante
é que funcione para todos.
5. Ensine as crianças a fazer
pausas na brincadeira para checar se está tudo bem com os amigos. É importante
ensiná-los a dar um tempo de vez em quando, para garantir que todos estão se
sentindo bem.
6. Incentive as crianças a
observar as expressões faciais uns dos outros durante as brincadeiras, para ter
certeza de que todo mundo está satisfeito e seguro.
7. Ajude as crianças a
interpretar o que elas veem no playground. Pergunte o que elas poderiam fazer
ou teriam feito diferente para ajudar. Se eles chegam em casa e falam sobre um
episódio de bullying, brinque de "voltar no tempo".
"Você me contou uma história
realmente difícil sobre o seu amigo que apanhou. Sei que você estava com medo
de intervir. Se voltássemos no tempo, o que você acha que poderia fazer para
ajudar?" Improvise tudo: de se transformar em super-herói a chamar um
professor.
Elogie o fato de que eles estão
falando sobre coisas difíceis.
8. Não provoque as crianças sobre
amizades menino-menina, ou por ter paixões. Se a amizade parece ter algum
interesse romântico, não diga nada. Você pode fazer perguntas abertas:
"Como vai sua amizade com Sarah?"... Esteja preparada para ele falar
-- ou não falar - do assunto.
9. Ensine às crianças que
comportamentos delas afetam os outros. Você pode fazer isso de forma simples,
em qualquer lugar. Peça-lhes para observar como as pessoas reagem quando outras
pessoas fazem barulho ou jogam lixo na rua. Pergunte o que eles acham que será
o resultado. Será que alguém vai ficar com medo? Será que alguém vai ter de
limpar o lixo? Explique às crianças como as escolhas delas afetam os outros e
explique que há momentos para fazer barulho e lugares para fazer bagunça.
10. Ensine as crianças a procurar
oportunidades para ajudar. Eles podem ajudar a recolher o lixo? Podem fazer
silêncio para não interromper a leitura de alguém no ônibus? Podem se oferecer
para ajudar a carregar um pacote ou segurar a porta? Tudo isso ensina às
crianças que elas têm um papel a desempenhar para ajudar a aliviar os pesos
proverbiais e literais.
Para adolescentes e jovens adultos
1. A educação sobre "toques
bons / toques ruins" continua sendo crucial, especialmente no ensino
médio. Esta é uma idade em que surgem várias "brincadeiras de toque":
tapas na bunda, meninos batendo nos órgãos genitais e beliscando os mamilos dos
outros. Quando as crianças falam sobre essas brincadeiras, surge uma tendência:
os meninos dizem que acham que as meninas gostam; as meninas dizem que não
gostam.
Temos de fazer as crianças falar
sobre o impacto dessas brincadeiras nos outros. Eles vão tentar mudar de
assunto, mas é importante incentivá-los a conversar. Pergunte como eles se
sentiriam se fosse com eles.
Quando vir sinais desse tipo de
brincadeira, corte o mal pela raiz. Isso não é "coisa de menino". É
assédio, e às vezes agressão.
2. Desenvolva a auto-estima dos
adolescentes. No ensino médio, o bullying passa a visar especificamente
identidade, e a autoestima começa a cair em torno dos 13 anos. Aos 17, 78% das
meninas dizem odiar seus corpos.
Temos a tendência de incentivar
as crianças menores dizendo como elas são incríveis. Por algum motivo, paramos
de fazê-lo quando elas chegam ao ensino médio. Mas este é um momento muito
crucial no desenvolvimento da autoestima dos nossos filhos, e isso não tem a
ver só com beleza. Faça comentários constantes sobre os talentos, as
habilidades e a gentileza deles, assim como sua a aparência.
Mesmo que eles deem de ombro
("Eu sei, pai!"), é sempre bom ouvir um elogio.
3. Continue tendo conversas sobre
sexo e comece a incorporar informações sobre consentimento. Somos bons em falar
em esperar até o casamento para ter relações sexuais ou ensinar sobre doenças
sexualmente transmissíveis e sexo seguro. Mas não costumamos falar sobre
consentimento. É hora de começar.
Faça perguntas como: "Como
você sabe se o seu parceiro está pronto para te beijar?" e "Como você
sabe dizer se uma menina (ou menino) está interessada em você?".
Este é um ótimo momento para
explicar o consentimento entusiasmado. Sobre pedir permissão para beijar ou
tocar um parceiro, explique que só o "sim" significa "sim".
Não espere seu parceiro dizer "não" para pedir consentimento.
Educar consentimento significa
que não tem de reeducá-los mais tarde e lidar com maus hábitos, talvez depois
que tenha acontecido algum problema.
4. Corte o "papo de
vestiário" pela raiz. O ensino médio é quando as conversas sobre sexo
começam a acontecer em ambientes segregados por gênero, como vestiários.
Paixões e desejos são normais e saudáveis.
Mas, como pais e educadores,
precisamos fazer mais do que simplesmente impedir as crianças de falar sobre
outras crianças como se fossem objetos. Precisamos também dar o exemplo de como
falar sobre nossas paixões como pessoas saudáveis.
Se você ouvir uma criança dizer:
"Ela é tem um bundão", você poderia dizer: "Acho que ela é mais
que uma bunda". Você pode fazer piada, e eles vão revirar os olhos, mas a
ficha vai cair. Eles precisam de bons exemplos adultos. Mesmo dizendo algo
como: "Também é legal que ela (ou ele) jogue tênis tão bem, não?".
5. Explique que a mudança
hormonal é parte do crescimento e que os hormônios podem te impedir de pensar
direito. Às vezes, isso significa um desejo esmagador, ou sensações de raiva,
confusão ou tristeza. É perfeitamente normal sentir-se dominado por esses
sentimentos novos.
Diga aos seus filhos que eles
sempre podem falar com você sobre o que estão sentindo. Mas seus sentimentos,
desejos e necessidades são de responsabilidade exclusiva deles mesmos. Eles
ainda precisam praticar a bondade e respeito por todos ao seu redor.
6. Oriente adolescentes e meninos
em idade universitária sobre o que é masculinidade. Homens precisam falar com
os rapazes sobre o que é bom na masculinidade. Pergunte sobre os problemas
culturais envolvendo a masculinidade no passado. Como construir uma forma mais
inclusiva de masculinidade que abranja todos os tipos de caras: atletas,
aspirantes a atores, homossexuais e gente como a gente? Essas conversas podem
incentivar uma forma não-violenta de masculinidade para o futuro.
Os meninos precisam começar a
falar sobre a construção de uma masculinidade saudável começando no ensino
médio e continuar até a faculdade, porque transformar a masculinidade é vital
para transformar a cultura do estupro.
7. Fale sinceramente com as crianças
sobre festas. Deixe claro que você não quer que eles bebam ou usem drogas, mas
que você sabe que as crianças vão a festas e quer que seus filhos estejam bem
informados. Pergunte como eles vão se manter seguros quando estiverem bebendo.
Perguntas como:
- Como você vai saber que bebeu
demais?
- Como você vai agir se o
motorista bebeu demais? (Deixe claro que seu filho sempre pode chamá-lo para
buscá-lo, se necessário)
- Como você vai saber se o seu
consumo de álcool ou drogas atingiu um nível perigoso, ou se já podem ser
considerados vícios?
- Como seu comportamento muda
quando você bebeu demais? Como você pode proteger os outros de si mesmo nessa
situação, se, talvez, você se torna um bêbado nervoso ou que viola o espaço e a
segurança das pessoas?
- Como você vai saber se não há
problema em beijar alguém, tocar alguém, ou ter relações sexuais com alguém
quando você bebeu demais? Explique que o raciocínio às vezes fica prejudicado
quando você está bêbado. Como você vai ter certeza que você está lendo os
sinais da outra pessoa de forma correta? Sugira que eles sempre peçam permissão
para tocar ou beijar outra pessoa, especialmente quando houver bebida
envolvida.
- Embora devesse ser óbvio,
explique que uma pessoa bêbada, drogada ou alterada não deve ser tocada,
assediada ou sexualmente agredida. Ensine seus filhos a defender e procurar
ajuda para amigos que estão muito bêbados.
- Tenha cuidado com a linguagem
que você usa com seus filhos sobre festas. A responsabilidade de impedir um
ataque nunca é da vítima.
8. Continue conversando sobre
sexo e consentimento com os adolescentes quando eles começarem a ter
relacionamentos sérios. Sim, eles vão te dizer que sabem tudo, mas continuar a
conversa sobre consentimento saudável, respeito pelos nossos parceiros e
sexualidade saudável mostra a importância desses temas para você. Isso também
normaliza o tema do consentimento, o que significa conversas abertas e
respeitosas com os parceiros.
9. Finalmente, os adolescentes
são sedentos por mais informações sobre agressão sexual, o consentimento e
sexualidade saudável. Eles querem aprender e vão encontrar maneiras de obter
informações sobre sexo. Se você é a fonte de informações -- amorosa, honesta e
consistente --, eles vão levar essa informação para o mundo com eles.
Fonte: Brasil Post
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