segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Abrigos oferecem nova chance a mulheres vítimas de violência

BH. Casa Tina Martins dá apoio a oito mulheres atualmente
Após dez anos de vigência da lei, vítimas encontram moradia e apoio para retomar suas vidas.


Dentro das paredes da Casa Tina Martins, a vida parece a de uma grande comunidade. Tudo é compartilhado, as tarefas são divididas, e o dia a dia é sempre comum. Porém, trata-se de um lugar com mulheres vítimas de violência, que tentam se reerguer depois de suas tragédias pessoais. Ali não há julgamento, burocracias ou perguntas invasivas: a porta está sempre aberta.

Hoje, quando a Lei Maria da Penha completa dez anos de vigência no país, a avaliação que é feita por quem vive esta realidade é que a regra representou um avanço, mas que ainda há a necessidade de se modificar comportamentos e aprimorar o acolhimento e o tratamento disponível, com mais ofertas de espaços, como a Casa Tina Martins. Atualmente, são sete os abrigos que acolhem vítimas de violência em Minas, e o número de vagas não foi informado pelo Estado.

Jina, 39, por exemplo, conseguiu na casa o apoio que precisa para retomar a vida. Ela, que sempre cultivou o desapego, acabou prisioneira, durante nove meses, de um relacionamento abusivo e rodeado de mentiras. Após sofrer mais uma das várias agressões, ela decidiu fugir. Mas, como é francesa e conhecia poucas pessoas, o que encontrou pelo caminho foi descaso, dificuldades e portas fechadas.

Depois de passar por casas de amigos e de uma temporada em um abrigo para moradores de rua, ela conheceu a Casa Tina Martins. “Quando fui à polícia, eles queriam que eu fizesse um BO (Boletim de Ocorrência), mas eu não queria nem escrever o nome do meu ex. Tinha muito medo. Eles não sabiam para onde me encaminhar, disseram que não podiam me ajudar. Cheguei a passar a noite na porta da delegacia”, relatou a mulher, que, hoje, trabalha como confeiteira. Ela está no Brasil há cinco anos.

No abrigo, enquanto era entrevistada, Jina assava um bolo para o lanche da casa. A mulher disse que procura estudar mais sobre sua mediunidade e que tem trocado experiências com as outras sete moradoras.

Assim como ela, Bárbara Caçanja, 23, também encontrou paz na casa. “Estou aqui há oito dias (a reportagem visitou o local na última terça-feira). Elas estão me ajudando a fazer um currículo e a me restabelecer”, contou, animada. Bárbara tem uma filha de 4 anos, que também reside no lugar. Depois de um histórico de violência com o ex-marido, ela foi vítima de uma agressão do próprio irmão, com quem morava na casa do pai. Esse foi o estopim para Bárbara procurar ajuda.

“Nós nunca nos demos bem. Ele (o irmão) viu uma foto minha com um rapaz com quem eu tinha um relacionamento e veio para cima de mim. Ele é machista, me bateu muito, e fiquei cheia de marcas”, lembrou. A jovem chegou a procurar a polícia, mas, como ele não era seu companheiro, teve negado o direito de acesso à lei.

Abrigo. A Casa Tina Martins está instalada na região Centro-Sul de Belo Horizonte, e é fruto da luta do movimento feminista Olga Benário, que, depois de ocupar um edifício público no centro, conseguiu a cessão do espaço para realizar o atendimento.

Como um abrigo, a casa funciona totalmente com doações. O espaço oferece vagas para 12 mulheres. Atualmente, oito residem no imóvel.

Centro irá utilizar imóvel cedido
O imóvel atualmente utilizado pela Casa Tina Martins deverá ser incorporado pelo Centro Risoleta Neves de Atendimento (Cerna), que também presta apoio psicológico, social e jurídico a mulheres vítimas de violência, conforme a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania. A maneira como essa transição será feita não foi definida pela pasta, que não informou se as mulheres que atualmente estão no local serão mantidas.

A Casa Tina Martins tem dois dormitórios. Há uma programação variada, com aulas de espanhol, bordado, pole dance e uma roda de terapia, além de uma biblioteca. (BF)

Câmara federal
No fim do ano passado, uma transexual conseguiu na Justiça o direito de utilizar a Lei Maria da Penha após sofrer agressão. O caso aconteceu em São Paulo, com o entendimento de que sua construção social é feminina. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Procuradores Gerais (CNPG) decidiu que as promotorias podem aplicar a lei nesses casos.

Na contramão do avanço da Justiça, o Projeto de Lei (PL) 477/2015 tramita na Câmara dos Deputados e tem o objetivo de modificar a expressão “gênero feminino” para “sexo feminino” na regra. Isso poderia criar uma brecha para que travestis e transexuais não se enquadrem automaticamente na legislação.
De autoria do deputado federal mineiro Eros Biondini (Pros), a proposta está sendo analisada pela Casa, antes de seguir para votação. Após ser procurado por representantes do movimento LGBT, o deputado afirmou que, na próxima semana, vai retirar a proposta temporariamente. “Farei isso para que haja mais discussão”, alegou. (BF)


Atendimento. Mulheres que chegam à Casa Tina Martins são recebidas por coordenadoras. Se houver necessidade de atendimento psicológico, social ou jurídico, elas fazem contato com a rede de apoio para viabilizar a assistência.


Fonte : O Tempo

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