domingo, 26 de junho de 2016

Os obsessivos e moralizantes e a homofobia. Artigo de José María Castillo

“Quando um cardeal, um bispo, um sacerdote, por mais que aduza motivos religiosos, sagrados e divinos, se não respeitar as pessoas – a todas igualmente –, como vai ter a credibilidade indispensável para falar de Deus ou de Jesus e explicar seu Evangelho de bondade e misericórdia com todos os humanos de maneira igual? É um sofrimento e uma vergonha o fato de que haja tantos clérigos que dão a impressão de que estão mais preocupados e interessados no sexo do que no fato básico e fundamental de que as pessoas, todas as pessoas, sejam respeitadas e amadas.”


A reflexão é de José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 18-06-2016. A tradução é de André Langer.

Com muita frequência, de uma maneira ou de outra, nos chegam notícias desagradáveis e preocupantes de pessoas ou grupos que têm comportamentos que expressam uma evidente obsessão pela homofobia. O que – como é do conhecimento de todos – consiste na aversão ou rejeição da homossexualidade ou das pessoas homossexuais (Dicionário da RAE). Estes comportamentos sempre se manifestam em formas de violência, que vão do desprezo ou do insulto, passando pela marginalização ou a exclusão, e chegando (tantas vezes) à agressão contra a dignidade, os direitos humanos, a integridade física ou inclusive a própria vida.

Estamos, pois, diante de um fenômeno de consequências espantosamente cruéis e de cuja gravidade muita gente nem se dá conta. E como, por outro lado, o número de pessoas que são vítimas desta forma de violência é muito maior do que normalmente imaginamos, pode-se assegurar que continuar calando o sofrimento e a humilhação que este fenômeno desencadeia é uma conduta covarde e indigna, que colabora – pela passividade – de forma muito ativa e eficaz, para a manutenção deste “crime coletivo” do qual todos participamos (por ação ou por omissão) de forma muito mais eficaz do que podemos imaginar. Também aqui se pode repetir a grave sentença evangélica segundo a qual “quem não tiver pecados, atire a primeira pedra”.

Mas isso não é o pior. O mais grave, neste desagradável assunto, vem de duas frentes que costumam ser bastante ativas no que diz respeito a este problema. Refiro-me à frente dos “obsessivos”, por um lado, e à frente dos “moralizantes religiosos”, por outro. Estas duas frentes costumam juntar-se em um poderoso coletivo, aos quais prazerosamente se somam os “hipócritas”, excelentes colaboradores desta renovada “Festa de Loucos”, que degenerou, desde os gozosos festejos da Idade Média (Harvey Cox), nas vergonhosas e cruéis violências que hoje têm que suportar aqueles que nasceram como são. A eles não resta outra saída neste mundo senão suportar as chacotas e as ameaças daqueles que se veem a si mesmos como os seletos, os sãos, os exemplares, os que se sentem no direito e no dever de obrigar os outros a mudar ou desaparecer.



Que demônios existem neste brutal e vergonhoso embrulho, que produz e reproduz tanta crueldade na aparência e a consciência de quem pensa que está defendendo a honestidade mais pura e a sociedade mais saudável que se possa imaginar?

Não é possível, no limite deste espaço, explicar os resultados da grande e certeira investigação que sobre este problema foi realizada. Sobre os resultados do muito – e profundamente – que se estudou este problema, limito-me a pedir que os faladores e pregadores, que, quando menos se espera, soltam suas sentenças irrefutáveis e tantas vezes insultantes, nascidas da homofobia, a primeira coisa que deveriam fazer é – parece-me – ler e aprender que nesta ordem de coisas não vão acrescentar nada, nem, evidentemente, resolver o assunto, soltando (com mais desembaraço que sapiência) suas impiedosas condenações contra as vítimas da homofobia. Não, por favor! Se tivessem alguma ideia do que soltam, não se atreveriam a dizer o que dizem. O tema é muito sério para despachá-lo com quatro bravatas que soam a grosserias de gente que não tem o que fazer.

Dito isso, quero me fixar na obsessiva homofobia que muitas vezes se adverte, nota e palpa em não poucos “homens de Igreja”. Um fato que chama a atenção tanto mais quando sabemos que, pelo que relatam os Evangelhos, Jesus jamais se preocupou com este assunto. Nem fez a mínima alusão a ele. O Evangelho não viu perigo algum na condição sexual dos humanos. Como é do conhecimento de todos, foi o apóstolo Paulo que rejeitou com toda energia a homossexualidade (Rm 1, 26-27), que a considera não somente como algo “mau”, mas, além disso, “anti-natural” o fato de que os homens deixassem o cabelo crescer e as mulheres o cortassem (1 Cor 11, 14-15). Tanto em Rm 1, 26 como em 1 Cor 11, 14 Paulo utiliza o substantivo physis, que ele utiliza para expressar o que é “natural” no sentido mais genérico e amplo dessa palavra. Chegar a outras conclusões, mais ou menos precisas e concretas, depende da mentalidade de cada um. Os textos não permitem mais.

O problema que o tema da homossexualidade coloca para muitas pessoas não provém dos textos de São Paulo. Este problema se coloca no momento em que a sexualidade humana se reduz à mera genitalidade. Se reduzimos a sexualidade humana à mera capacidade para engendrar, a reduzimos, por isso mesmo, à mera condição animal, à capacidade de ter filhos e assim perpetuar a espécie. Mas nós sabemos que a especificidade dos seres humanos não se reduz ao meramente biológico, mas que se define especificamente pela capacidade de dar amor e receber amor. Uma capacidade que pode fazer nascer, crescer e viver o mesmo entre seres humanos de sexos diferentes que entre seres humanos do mesmo sexo.


Sendo assim, os responsáveis da religião, por respeito às pessoas às quais se dirigem em seus ensinamentos, bem como por respeito à própria religião e sua própria credibilidade, deveriam ser sumamente cautos, cuidadosos e humanos. Não para ganhar adeptos, mas para cuidar com o máximo de respeito a dignidade e a igualdade de todos os seres humanos. Por isto, quando um cardeal, um bispo, um sacerdote, por mais que aduza motivos religiosos, sagrados e divinos, se não respeitar as pessoas – a todas igualmente –, como vai ter a credibilidade indispensável para falar de Deus ou de Jesus e explicar seu Evangelho de bondade e misericórdia com todos os humanos de maneira igual? É um sofrimento e uma vergonha o fato de que haja tantos clérigos que dão a impressão de que estão mais preocupados e interessados no sexo do que no fato básico e fundamental de que as pessoas, todas as pessoas, sejam respeitadas e amadas.

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