“Quando um cardeal, um bispo, um
sacerdote, por mais que aduza motivos religiosos, sagrados e divinos, se não
respeitar as pessoas – a todas igualmente –, como vai ter a credibilidade
indispensável para falar de Deus ou de Jesus e explicar seu Evangelho de
bondade e misericórdia com todos os humanos de maneira igual? É um sofrimento e
uma vergonha o fato de que haja tantos clérigos que dão a impressão de que
estão mais preocupados e interessados no sexo do que no fato básico e
fundamental de que as pessoas, todas as pessoas, sejam respeitadas e amadas.”
A reflexão é de José María
Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital,
18-06-2016. A tradução é de André Langer.
Com muita frequência, de uma
maneira ou de outra, nos chegam notícias desagradáveis e preocupantes de
pessoas ou grupos que têm comportamentos que expressam uma evidente obsessão pela
homofobia. O que – como é do conhecimento de todos – consiste na aversão ou
rejeição da homossexualidade ou das pessoas homossexuais (Dicionário da RAE).
Estes comportamentos sempre se manifestam em formas de violência, que vão do
desprezo ou do insulto, passando pela marginalização ou a exclusão, e chegando
(tantas vezes) à agressão contra a dignidade, os direitos humanos, a
integridade física ou inclusive a própria vida.
Estamos, pois, diante de um
fenômeno de consequências espantosamente cruéis e de cuja gravidade muita gente
nem se dá conta. E como, por outro lado, o número de pessoas que são vítimas
desta forma de violência é muito maior do que normalmente imaginamos, pode-se
assegurar que continuar calando o sofrimento e a humilhação que este fenômeno
desencadeia é uma conduta covarde e indigna, que colabora – pela passividade –
de forma muito ativa e eficaz, para a manutenção deste “crime coletivo” do qual
todos participamos (por ação ou por omissão) de forma muito mais eficaz do que
podemos imaginar. Também aqui se pode repetir a grave sentença evangélica
segundo a qual “quem não tiver pecados, atire a primeira pedra”.
Mas isso não é o pior. O mais
grave, neste desagradável assunto, vem de duas frentes que costumam ser
bastante ativas no que diz respeito a este problema. Refiro-me à frente dos
“obsessivos”, por um lado, e à frente dos “moralizantes religiosos”, por outro.
Estas duas frentes costumam juntar-se em um poderoso coletivo, aos quais
prazerosamente se somam os “hipócritas”, excelentes colaboradores desta
renovada “Festa de Loucos”, que degenerou, desde os gozosos festejos da Idade
Média (Harvey Cox), nas vergonhosas e cruéis violências que hoje têm que
suportar aqueles que nasceram como são. A eles não resta outra saída neste
mundo senão suportar as chacotas e as ameaças daqueles que se veem a si mesmos
como os seletos, os sãos, os exemplares, os que se sentem no direito e no dever
de obrigar os outros a mudar ou desaparecer.
Que demônios existem neste brutal
e vergonhoso embrulho, que produz e reproduz tanta crueldade na aparência e a
consciência de quem pensa que está defendendo a honestidade mais pura e a
sociedade mais saudável que se possa imaginar?
Não é possível, no limite deste
espaço, explicar os resultados da grande e certeira investigação que sobre este
problema foi realizada. Sobre os resultados do muito – e profundamente – que se
estudou este problema, limito-me a pedir que os faladores e pregadores, que,
quando menos se espera, soltam suas sentenças irrefutáveis e tantas vezes
insultantes, nascidas da homofobia, a primeira coisa que deveriam fazer é –
parece-me – ler e aprender que nesta ordem de coisas não vão acrescentar nada,
nem, evidentemente, resolver o assunto, soltando (com mais desembaraço que
sapiência) suas impiedosas condenações contra as vítimas da homofobia. Não, por
favor! Se tivessem alguma ideia do que soltam, não se atreveriam a dizer o que
dizem. O tema é muito sério para despachá-lo com quatro bravatas que soam a
grosserias de gente que não tem o que fazer.
Dito isso, quero me fixar na
obsessiva homofobia que muitas vezes se adverte, nota e palpa em não poucos
“homens de Igreja”. Um fato que chama a atenção tanto mais quando sabemos que,
pelo que relatam os Evangelhos, Jesus jamais se preocupou com este assunto. Nem
fez a mínima alusão a ele. O Evangelho não viu perigo algum na condição sexual
dos humanos. Como é do conhecimento de todos, foi o apóstolo Paulo que rejeitou
com toda energia a homossexualidade (Rm 1, 26-27), que a considera não somente
como algo “mau”, mas, além disso, “anti-natural” o fato de que os homens
deixassem o cabelo crescer e as mulheres o cortassem (1 Cor 11, 14-15). Tanto
em Rm 1, 26 como em 1 Cor 11, 14 Paulo utiliza o substantivo physis, que ele
utiliza para expressar o que é “natural” no sentido mais genérico e amplo dessa
palavra. Chegar a outras conclusões, mais ou menos precisas e concretas,
depende da mentalidade de cada um. Os textos não permitem mais.
O problema que o tema da
homossexualidade coloca para muitas pessoas não provém dos textos de São Paulo.
Este problema se coloca no momento em que a sexualidade humana se reduz à mera
genitalidade. Se reduzimos a sexualidade humana à mera capacidade para engendrar,
a reduzimos, por isso mesmo, à mera condição animal, à capacidade de ter filhos
e assim perpetuar a espécie. Mas nós sabemos que a especificidade dos seres
humanos não se reduz ao meramente biológico, mas que se define especificamente
pela capacidade de dar amor e receber amor. Uma capacidade que pode fazer
nascer, crescer e viver o mesmo entre seres humanos de sexos diferentes que
entre seres humanos do mesmo sexo.
Sendo assim, os responsáveis da
religião, por respeito às pessoas às quais se dirigem em seus ensinamentos, bem
como por respeito à própria religião e sua própria credibilidade, deveriam ser
sumamente cautos, cuidadosos e humanos. Não para ganhar adeptos, mas para
cuidar com o máximo de respeito a dignidade e a igualdade de todos os seres
humanos. Por isto, quando um cardeal, um bispo, um sacerdote, por mais que
aduza motivos religiosos, sagrados e divinos, se não respeitar as pessoas – a
todas igualmente –, como vai ter a credibilidade indispensável para falar de
Deus ou de Jesus e explicar seu Evangelho de bondade e misericórdia com todos
os humanos de maneira igual? É um sofrimento e uma vergonha o fato de que haja
tantos clérigos que dão a impressão de que estão mais preocupados e
interessados no sexo do que no fato básico e fundamental de que as pessoas,
todas as pessoas, sejam respeitadas e amadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário