Enquanto o país tenta entender
por que registra 50 mil estupros por ano, discute-se o impacto negativo do
machismo e de pequenos gestos cotidianos que alimentam essa cultura.
A jornalista Brenda Fucuta é uma observadora atenta das questões femininas contemporâneas. Dirigiu algumas das principais revistas femininas do país e edita o site Mulheres Incríveis, que traz conversas com executivas de grandes empresas e jovens ativistas do feminismo brasileiro.
A jornalista Brenda Fucuta é uma observadora atenta das questões femininas contemporâneas. Dirigiu algumas das principais revistas femininas do país e edita o site Mulheres Incríveis, que traz conversas com executivas de grandes empresas e jovens ativistas do feminismo brasileiro.
De olho na nova agenda do
empoderamento feminino, Brenda mostra como certos conceitos e expressões
legitimam uma suposta superioridade natural dos homens. Nesse sentido, defende
a necessidade de todos (e todas) reaprenderem a olhar e se relacionar com as
mulheres. Baseada em suas conversas com mulheres inspiradoras e na própria
experiência no mundo corporativo, a jornalista selecionou e classificou frases,
do assédio de rua ao machismo inconsciente, que mulheres não aceitam e não
deveriam mais ouvir.
Cantadas de rua
Assobios, buzinadas, olhares,
comentários: diariamente, mulheres se veem obrigadas a enfrentar o assédio
sexual em espaços públicos. Interações de teor obsceno, sem consentimento, que
se impõem como naturais, mas estão longe disso. Exemplos:
• "Por que uma menina bonita
como você está sem namorado?"
• "Eu levaria você para
casa."
Para Brenda, a abordagem pode às
vezes nem ser agressiva, mas nem por isso é menos desrespeitosa. "Há
homens que não entendem que as meninas querem andar sem ser perturbadas, como
os homens também querem. É um desrespeito a uma situação: estou andando,
pensando, falando ao celular, não quero ser incomodada."
No caso das cantadas agressivas,
avalia Brenda, são "abusos sexuais falados" que buscam demonstrar
poder e intimidar a mulher. "Fazem parte de uma cultura, essa tal cultura
do estupro, porque é como se fosse autorizado aos homens falar, tocar e se
apropriar do corpo das mulheres de uma forma que as mulheres não fazem com os
homens." A jornalista destaca como a campanha "Chega de
Fiu-Fiu", lançada em 2013 pela ONG feminista Think Olga, ajudou a
"despertar a sociedade para um assunto que estava velado". "Foi
uma grande conquista para a percepção do lugar da mulher na sociedade, porque
dávamos pouca atenção a isso."
Campanha 'Chega de Fiu-Fiu', da
ONG Think Olga; iniciativa despertou atenção da sociedade brasileira para
problema velado, afirma Brenda Fucuta imagem: Cecília Silveira/ Think Olga
Frases de orgulho machista
Ditas por homens e também por
mulheres, são frases que pressupõem um lugar inferior para a mulher na
sociedade. Incluem desde brincadeiras aparentemente inofensivas sobre o
desempenho feminino no trânsito até comentários a respeito da menina que se
veste de modo "a não se dar o devido respeito":
• "Por que mulheres são
contra as cantadas? Não gostam de um elogio?"
• "Muito bem, já pode
casar."
• "Se sai assim (na rua ou
na balada) é porque quer. Mulher que se respeita não é estuprada."
Machistas em negação
Outra categoria de frase que não
cabe mais na nova etiqueta de gênero, afirma Brenda, é aquela que definiu como
"machista em negação": sugere compreensão mas logo revela
preconceito. "São aqueles ou aquelas que sempre começam, ao debater o tema
das conquistas femininas, com a seguinte frase: 'não sou machista, mas...' ou
'não tenho nada contra o feminismo, mas...', e depois já emendam uma ideia
preconceituosa disfarçada", afirma. São expressões como:
• "Mas vocês não acham que
estão exagerando agora? O que mais vocês têm para conquistar?" (a
resposta, diz Brenda, é múltipla: direito a não apanhar do marido, a ganhar os
mesmos salários dos homens, a dividir o trabalho de casa com homens, a não ser
interrompida ao falar, a andar como quiser nas ruas).
• "Mas vocês falam em
violência contra a mulher, mas e a violência contra os homens?" Sobre
isso, Brenda lembra que homens são, de fato, as maiores vítimas de homicídio no
Brasil, mas o agressor é quase sempre homem nos casos contra homens e mulheres.
• "Mas por que as feministas
odeiam os homens?"
Machismo inconsciente (ou 'O
machista que se acha feminista')
Uma pesquisa do Instituto Ethos
mostrou que em 2010 mulheres ocupavam apenas 13% dos cargos de nível executivo
e sênior nas 500 maiores empresas do Brasil. Em 2014, revelou o IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres receberam, em média, 74% da
renda dos homens. Neste sentido, Brenda questiona o uso de frases que aponta
como comuns no mundo corporativo e que denotam uma espécie de machismo
inconsciente. Colocações como:
• "Acredito na meritocracia.
Se a mulher é competente, ela chega lá."
• "Não há machismo nessa
empresa. Você, por exemplo, tem um salário maior do que muitos colegas
homens."
• "Sou muito a favor das
mulheres e do feminismo. Em casa, por exemplo, são minhas filhas e esposa que
mandam em mim."
Para a jornalista, são afirmações
que não fazem sentido quando são confrontadas com dados de disparidade de
gênero em cargos de chefia e salários: "As mesmas pesquisas que apontam a
falta de mulheres em cargos de direção apontam que no nível inicial do trabalho
a proporção de mulheres é até ligeiramente maior. Por esse raciocínio, então,
as mulheres não ocupam o alto da hierarquia porque são incompetentes ou não
merecem, o que não faz sentido, porque hoje no Brasil as mulheres têm até mais
escolaridade do que os homens".
Brenda diz ver esse tipo de
expressão como "campeã do machismo", por revelar desconhecimento do
que seja feminismo e do papel da mulher na sociedade no século 21. "Essas
frases de machismo inconsciente podem ser até mais perigosas, porque as pessoas
acreditam nelas". "Uma vez ouvi o presidente de uma grande empresa,
em um evento de empoderamento de mulheres, dizendo que era super comprometido com
a causa até porque quem mandava nele em casa eram mulheres. Quando diz isso,
volta a colocar a mulher em um lugar ltrapassado, de submissão, em casa
novamente", conclui.
Feminismo e desinformação
A editora do site Mulheres
Incríveis acredita que ainda exista muita incompreensão, inclusive entre
mulheres, sobre o que seja o feminismo. Como no caso de mulheres que dizem não
ser feministas porque "defendem a diferença entre homens e mulheres"
ou porque "acreditam na convivência pacífica entre homens e mulheres".
Segundo ela, nenhuma corrente do chamado novo feminismo defende a anulação das
diferenças entre homem e mulher. "O que esses movimentos pretendem é a
busca de direitos sociais iguais", pontua.
Brenda identifica a persistência
de "mal-entendidos" em torno do conceito de feminismo - "palavra
forte e ainda carregada de preconceito". Cita o exemplo de executivas de
sucesso que, embora tenham postura feminista, rejeitam o "selo" de
feminista: "Vivemos um momento de transição em relação a direitos humanos,
diversidade, inclusão de minorias. Ainda bem, senão ninguém falava sobre isso.
Aí, quando a gente fala, parte da população se sente ameaçada e nem mesmo sabe
por quê. Sente-se acuada, com medo de perder coisas. E aí começa a criar uma
reação em cima de mal-entendidos e, em geral, por falta de conhecimento".
Brenda afirma conceber e praticar
o feminismo como um "exercício de transformação da sociedade para um jeito
mais libertador de convivência, não julgador". Nesse sentido, afirma que o
debate motivado pelos casos recentes de estupro coletivo no Brasil é positivo
por "jogar luz numa ferida social que não gostamos de comentar". Para
ela, sem minimizar os episódios de estupro coletivo, é preciso avançar a
discussão para o abuso sexual que ocorre dentro das casas e no entorno das
vítimas, que compõe a maioria dos registros. "Isso é muito sério e deve
ser combatido, mesmo que seja ativismo de sofá, pegar a moldura do Facebook
(contra a cultura do estupro) e reproduzir. Essa é a grande próxima etapa,
encarar essa questão delicada sobre a qual ninguém quer falar, mas precisa ser
iluminada", finaliza.
Fonte: BBC Brasil
Fonte: BBC Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário