terça-feira, 24 de março de 2015

Manicure cor machista

Com uma campanha recheada de machismo e sexismo, a nova linha de esmalte Outono/Inverno 2015 da Risqué “Homens que Amamos” está gerando polêmica em redes sociais como o Twitter. Controversa, a linha que se diz inspirada “nos homens que fazem a diferença na vida das consumidoras” traz um texto que, além de objetificar homens,  generaliza e futiliza mulheres, reduzindo suas expectativas e paixões a “homens” e “esmaltes”.

A marca de esmaltes Risqué enfrenta uma onda de contestação após o lançamento de sua nova coleção. Com o nome Homens que Amamos, o conjunto de seis esmaltes faz "tributo aos pequenos gestos diários dos homens" e homenageia "os homens que fazem a diferença na vida das consumidoras".  Os tons, que vão do laranja ao cinza chumbo, passando pelo preto, chamam-se "André fez o jantar", "Fê mandou mensagem", "Guto fez o pedido!!", "João disse eu te amo" , "Léo mandou flores" e "Zeca chamou pra sair". Mas as consumidoras enxergaram apenas o tom de machismo do lançamento da marca e foram à internet expor suas opiniões sobre o riscado. E a reação foi bastante óbvia: fazer o jantar, dizer que ama e chamar para sair são prerrogativas de qualquer relacionamento normal — nada merecedor de homenagens.

Poucas coisas são mais femininas no Brasil do que pintar as unhas regularmente em nome da auto-estima. Trata-se de um território tão fechado entre as mulheres quanto as quadras de futebol já foram para os homens. Por isso, a tentativa da marca de esmaltes Risqué, da empresa Hypermarcas, de brincar com essa rotina com uma campanha “Homens que amamos”, cutucou o fígado de parte do público que pretendia agradar. A coleção, que traz nomes de esmaltes sugestivos como “André fez o jantar”, “Fê mandou mensagem”, “João disse eu te amo”, soaram como um soco no estômago de uma multidão de internautas, que reagiram imediatamente nas redes sociais, alçando a hashtag #Homensrisque para o topo do Twitter.

 “Cláudio troca fralda uma vez por mês e diz que a mulher dele tem sorte, porque tem *ajuda* em casa”, escreveu Tergiversa. “Bruno não queria assumir o filho e mandou assassinar Elisa”, provocou Catarina, em clara referência ao ex-goleiro Bruno, do Flamengo, que mandou matar a amante. “Guilherme é contra o aborto, mas quando a ex-namorada engravidou, ele mudou de cidade”, escreveu Primadonna. Até mesmo homens se incomodaram com a brincadeira e foram direto na veia de quem criou a nova linha. “Oswaldo é diretor de marketing e acha boa ideia valorizar cultura machista em campanha”, tuitou Gustavo.

Num país onde a vaidade engorda uma indústria da beleza independentemente de crise econômica, o esmalte pode ser considerado um item democrático que serve a todas as classes sociais – os preços começam por volta de quatro reais. Em 2013 os esmaltes movimentaram 662 milhões reais no país, ou 14,27% a mais em relação a 2012, segundo a Associação Brasileira da indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC). E a perspectiva é de expansão, apoiada exatamente na diversificação de cores das pinturas que embelezam pés e mãos das brasileiras. Combinar cores de esmalte, batom e roupas é uma atividade lúdica do universo feminino. Assim, sempre ganham destaques os nomes dos esmaltes inventados pelas marcas. “Inveja boa” e “Preguicinha”, da própria Risqué, divertem as moçoilas, assim como “Algodão Doce”, “Paetê”, “Banho de Chuva”, “Grama molhada”, da marca Colorama.


As paródias se espalharam pela internet, como essa, feita pelo site Lugar de Mulher.

Rachel Moreno, do Instituto Opinião, acredita que há uma certa de zona de conforto no mercado de publicidade que já não responde aos novos tempos. “Acho que os publicitários estão tremendamente preguiçosos e vão em coisas mais fáceis e batidas. As mulheres estão cansadas de serem tratadas dessa forma”, diz Moreno. Ela lembra o número de campanhas que feriram a dignidade feminina nos últimos tempos, como as propagandas de cerveja que retratam as mulheres como objeto, e até a iniciativa do Ministério da Justiça de orientar o público feminino sobre os malefícios do álcool.

Vários voltaram atrás. Até porque, as mulheres respondem por mais de 80% das decisões de compra no mercado de consumo, seja para ela mesma ou para a família. Logo, ir contra esse público pode ser um mau negócio. A Hypermarcas, por ora, não mostrou qual será a sua orientação. Em comunicado depois da polêmica nas redes sociais, a empresa afirmou que “A coleção ´Homens que Amamos´ foi inspirada em gestos de carinho e respeito vindos de pessoas que amamos. A marca considera todo tipo de discussão positiva e reafirma que está sempre atenta aos comentários de seus consumidores”.

Moreno acredita que as empresas tendem a voltar rápido atrás pois o temor do boicote é maior do que arriscar-se a manter uma 'ousadia' questionável. “Está na hora de buscar um olhar mais sofisticado para falar com as mulheres”, propõe. O público feminino já é uma preocupação permanente para algumas companhias, que passaram a promover mulheres para postos chaves, como é o caso da GM. A indústria de automóveis nomeou Mary Barra como a CEO mundial para se aproximar das consumidoras, que são justamente quem define as compras da família.


Fonte: ( Camila Moraes) El Pais

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