As mulheres são tratadas de forma
excepcionalmente dura quando explodem escândalos sexuais. É como se fossem, de
alguma forma, mais responsáveis que os homens pelo que ocorreu.
Por Ivan Martins
Todos conhecem alguém que já
transou com o chefe. Acontece toda hora, com gente de todas as idades. Por
paixão, por luxúria, por admiração e bebedeira. Até por interesse. É a coisa
mais comum do mundo, embora às vezes termine em arrependimento e choradeira.
Quando não em demissão.
O exemplo mais notório de quem
transou com o chefe e se deu mal é Monica Lewinsky, estagiária da Casa Branca
durante o governo de Bill Clinton. Ela se envolveu com o simpático, boa pinta e
mulherengo presidente dos Estados Unidos. Fez sexo (oral) com ele na sede do
governo, contou para uma amiga mal intencionada que gravou as conversas e assim
virou notícia no mundo inteiro. Tinha 22 anos. Hoje tem 41. Se ela morrer aos
109 anos, talvez seja lembrada pelo que aconteceu em 1995. É a biografia que
cabe numa frase: “Ah, a estagiária da Casa Branca”. Ponto final.
Ou talvez não.
Na semana passada, Monica deu uma
palestra na internet em que analisa de forma emocional e direta a sua própria
experiência.“Devo ser a única pessoa de mais de 40 anos que não tem saudades de
ter 22”, ela diz, com ironia amarga. Envolvida numa disputa política entre os
que tentavam defender e derrubar Bill Clinton do governo, Monica foi exposta,
humilhada e execrada. Nos jornais, na TV e na internet, que acabara de nascer.
Num dado momento de 1998, ela foi a mulher mais famosa do mundo, da forma mais
negativa possível. Era a garota que guardou um vestido sujo de sêmen do
presidente e que contou diante de um juiz que fizera com ele uma certa
brincadeira com um charuto. “Fui a primeira vítima de bulling digital da
história”, ela afirma. “Quase acabou com a minha vida, literalmente.” Aos 22
anos, quando todos cometem equívocos sexuais.
Ao assistir ao vídeo dela, tive
duas sensações.
Pena e admiração pela moça, em
primeiro lugar. É preciso coragem para evitar a tentação de abaixar a cabeça e
passar o resto da vida se encolhendo depois de ser tão alvejada. Torço para que
ela tenha um futuro melhor do que o passado. Em segundo lugar, tive medo.
Fiquei com a impressão que se algo semelhante ocorresse amanhã, envolvendo
Barack Obama e sua secretária, o escândalo e o massacre, sobretudo para a moça,
seriam infinitamente maiores, por causa das redes sociais que não existiam há
17 anos.
Os homens, como aconteceu com
Clinton, são atingidos no profissional, no político, no poder. Ele escapou de
um impeachment por muito pouco, depois de mentir sob juramento a respeito da
relação com Monica. Não é pouca coisa. Mas as mulheres, quando esse tipo de
situação vem à tona, são atacadas pessoalmente, na sua honra e no seu caráter.
Inclusive por outras mulheres. Viram objeto de escárnio público. Cola-se nelas
uma mancha indelével. Como diz Monica no vídeo: “Virei puta, vagabunda, vadia,
vaca”. Aos 22 anos.
Talvez seja apenas coincidência,
mas ela nunca se casou e nunca conseguiu se dissociar do episódio – em parte
porque, durante anos, tentou surfar na onda de celebridade que o escândalo
ergueu, lançando marcas de roupas e fazendo programas de TV. Ganhou dinheiro,
mas continuou uma pessoa controversa, para usar um adjetivo suave. Dez anos
atrás, arrependida, mudou para a Inglaterra para tentar levar uma vida normal.
Com Clinton foi diferente. Ele
terminou seu mandato, seguiu com seu casamento, é um honrado ex-presidente e
sua mulher, Hillary, candidata à presidência nas próximas eleições americanas.
Pergunta: será que há estagiários de 22 anos na Casa Branca? É de se imaginar
como o mundo reagiria a algo desse tipo.
Desde o chamado Escândalo
Lewinsky (por que não Escândalo Clinton, aliás?) o mundo não mudou para melhor.
Pelo contrário. Nos últimos anos, nos tornamos especialistas em julgar e condenar
em 140 caracteres – ou num post sarcástico no Facebook. Embora sejamos, como
sociedade, mais liberais do que éramos no passado, inventamos um ambiente (a
internet) onde podemos botar para fora, impunemente, nossos piores recalques,
preconceitos e ressentimentos, ridicularizando e agredindo quem tem o azar de
ser diferente, agir fora da norma ou, simplesmente, errar. Nos tornamos uma
horda de bilhões de fofoqueiros online e as redes sociais nos permitem cometer
crimes perfeitos contra a reputação alheia. Se a história de Bill e Monica
caísse na rede hoje, talvez ela fosse levada ao suicídio – e ele,
provavelmente, perderia a presidência.
Faz sentido? Não.
Quando se olha o que os dois
fizeram, é ridículo. Sexo entre um homem de 49 anos poderoso e uma jovem
deslumbrada de 22 é a história mais antiga do planeta. Deveria terminar com um
ou dois corações partidos, mais nada. Material afetivo para construir
experiências e biografia. Talvez para abalar ou destruir um casamento. De
qualquer forma, coisa que se resolve entre adultos que erram ou acertam em
consentimento mútuo, na intimidade. Não em público. Mas entendeu-se na época -
e duvido que fosse diferente hoje -, que os dois haviam cometido uma gravíssima
delinquência moral, que merecia ser exposta na televisão e na internet 24 horas
por dia, sete dias por semana. O equivalente “civilizado” da fogueira e do
apedrejamento.
Só eu acho essa reação histérica
à vida sexual dos outros uma das coisas mais detestáveis da nossa vida pública?
Só eu acho que deveríamos parar com isso? Imagino que mulheres que eu amei
poderiam ser atiradas num mar de lama por ato semelhante. Imagino que garotas
ingênuas e apaixonadas poderiam sofrer humilhações terríveis por fazer algo
parecido. Imagino que homens de bem poderiam ser destruídos por manter relações
sexuais clandestinas no trabalho ou na vida pública.
Faz sentido? Eu juro que não.
Por isso, fui de alguma forma
tocado pelo o vídeo de Monica Lewinsky. E por isso eu o recomendo. Embora ela
não seja santa e nem somente a vítima que faz parecer, seu depoimento nos
ensina coisas importantes sobre o direito de cometer erros de julgamento e
mesmo de caráter, e de sobreviver a eles. Também nos chama a atenção para a
forma dura como as mulheres são tratadas em escândalos sexuais, como se fossem
de alguma forma mais responsáveis por eles do que os homens envolvidos. Seu
vídeo ajuda a pensar sobre o que fazemos na internet para tornar pior a vida
dos outros – curtindo, compartilhando, retuitando vídeos e histórias que
destroem reputações e existências de gente jovem e inexperiente. De mulheres,
na maioria das vezes, com pouco mais ou pouco menos que 22 anos. Como Monica.
Não seria ruim se parássemos com
isso - com a fofoca, com os julgamentos, com as intromissões na vida das
pessoas e com os ataques online. Já é hora de Monica Lewinsky e todas as outras
Mônicas do mundo serem deixadas em paz.
Fonte: Revista Época
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