Os “supostos familiares” que as
mal tratavam, na Amadora, já foram constituídos arguidos. Menores estão em
instituições de acolhimento desde Janeiro. PGR diz que existem cinco inquéritos
relacionados com suspeitas de tráfico de crianças de Angola, dois deles já em
fase final.
Viviam em duas casa diferentes, na Amadora. E
eram “obrigadas a trabalhar” para os “supostos familiares”, que lhes “limitavam
os movimentos e as castigavam fisicamente”, nas palavras do Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Em Janeiro, a escola das duas crianças deu o
alerta. E elas foram levadas para instituições de acolhimento, onde estão até
hoje. Foi aberta uma investigação. E nesta quinta-feira, o SEF emitiu um
comunicado onde diz que há indícios de que ambas terão sido traficadas de
Angola para Portugal.
O SEF faz saber que foram
realizadas nesta quinta-feira, precisamente, duas buscas domiciliárias, na
Amadora, que permitiram confirmar “a situação muito precária em que viviam as
menores”.
As buscas também “possibilitaram
a apreensão de documentação e material informático relacionado com a prática
dos crimes”.
A operação contou com a
colaboração da PSP da Amadora. Ao que o PÚBLICO apurou não haverá detidos mas
foram constituídas arguidas as pessoas que em Portugal estavam a sujeitar as
crianças às condições precárias em que se encontravam. O SEF é parco em
detalhes sobre o caso. No comunicado emitido diz apenas que a investigação
partiu da sinalização, "em moradas diferentes, das crianças em risco por
maus tratos" e da verificação de indícios de que haviam sido
"traficadas de Angola para Portugal com recurso a documentos falsos".
Diz também que teve conhecimento
do caso em Janeiro, através da escola, e que “as duas crianças foram de
imediato retiradas dos locais de risco, pela intervenção da Comissão de Proteção
de Crianças e Jovens da Amadora”.
O Departamento de Investigação e Ação
Penal (DIAP) do Tribunal da Amadora instaurou um procedimento criminal e
delegou a investigação no SEF devido aos fortes indícios da prática do crime de
tráfico de menores, acrescenta-se. Em causa estão os crimes de tráfico e de
maus tratos a menores, bem como de auxílio à imigração ilegal e falsificação de
documentos.
Autoridades mais atentas
Este não é o primeiro caso que
envolve suspeitas de crianças traficadas de Angola para (ou passando por)
Portugal. Contatada pelo PÚBLICO, a Procuradoria-Geral da República diz apenas
que "existem cinco inquéritos relacionados com essa matéria, dois deles já
em fase final".
O fenómeno começou a ser
noticiado no início do ano passado. Logo em Janeiro, o SEF dava conta da
detenção de dois indivíduos, com cerca de 40 anos, no aeroporto de Lisboa. Três
menores, vindos ilegalmente de Angola para Lisboa, com destino a Paris, foram
encaminhados para instituições de acolhimento. Um dos homens disse que cobrava
“vários milhares de dólares pela deslocação de cada criança”, informou o SEF na
altura.
A 17 de Março, foi interceptado
um homem com duas crianças de 10 anos. Dizia-se o pai delas, mas na bagagem
foram encontradas duas certidões de nascimento.
Em Maio, um homem foi detido no
Sá Carneiro, no Porto, com três crianças. Os inspetores recolheram indícios de
que viajavam com documentos “alheios e falsificados” e que o homem, afinal, nem
seria seu familiar.
Em Julho, depois de vários casos
reportados, o diretor nacional adjunto do SEF José van der Kellen dizia que
acreditava que já estava tudo sob controlo. “As coisas já não estão a
acontecer. Percebem que por Portugal é um bocado difícil, que as pessoas estão
atentas.”
O relatório sobre tráfico de
seres humanos relativo a 2014, com uma eventual análise destes casos não foi
ainda publicado — só o será depois de divulgado o Relatório de Segurança
Interna, diz Rita Penedo, do Observatório do Tráfico de Seres Humanos,
organismo tutelado pelo Ministério da Administração Interna.
Manuel Albano, da Comissão para a
Cidadania e Igualdade de Género, e relator do documento, afirma que não sabe
dizer “se há um boom ou não de casos” relacionados com crianças vindas de Angola.
O que sabe é que “as autoridades reforçaram a sua atenção em relação às
crianças que entram [no país], se vêm acompanhadas, se não vêm acompanhadas e
por quem”.
Em 2011, a Europol alertava num
relatório que havia em Portugal crianças angolanas “exploradas por
compatriotas”, sujeitas a “servidão doméstica”. Na altura, a afirmação surpreendeu
os vários organismos portugueses contatados pelo PÚBLICO, incluindo Manuel
Albano e o SEF, já que não havia qualquer caso confirmado relacionado com
tráfico de crianças angolanas. Atualmente, Roménia e Angola são dois dos países
de origem das crianças envolvidas em processos em curso onde existe suspeita de
tráfico.
Fonte: www.publico.pt
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