Costumo pensar que somos
despertadas para o nosso próprio corpo pelos outros, pelos homens que nos olham
com desejo muito antes de largarmos as brincadeiras de rua e o medo do escuro.
E assim crescemos nessa sociedade que nos obriga a nos acostumarmos. Somos
levadas a nos acostumar com o constrangimento ao passar pela rua e ouvir
obscenidades, com os xingamentos, com a invasão de espaço, com a falta de
respeito, a falta de cuidado e, principalmente, com a falta de tato.
Texto de Maura Silva.
Não gosto de falar em conquistas
de direitos, prefiro tratar como a retomada de tudo o que é meu e que um dia me
foi brutalmente negado por uma sociedade patriarcal que me oprimiu e que oprime
de diversas formas.
Não escrevo esse texto para
trazer à luz conjecturas que corroborem com o alinhamento de paradigmas
feministas, estes já estão mais do que assegurados. Pelo contrário, quero falar
sobre as minhas dúvidas, as minhas ações, reações e, principalmente, a minha
subjetividade, que por vezes, embora não sendo uma verdade absoluta, me colocou
em situações comuns a muitas, muitas mulheres.
Lembro-me que, desde muito nova,
a dicotomia entre elogio x abuso, espaço x respeito, se fez muito presente em
minha vida. Não é lá muito fácil entender um ‘carinho’ nas costas por debaixo
da blusa quando se tem oito anos de idade, o constrangimento pelos olhares
assediosos e pelas frases abusivas acompanham a maioria das mulheres desde a
mais tenra infância.
Costumo pensar que somos
despertadas para o nosso próprio corpo pelos outros, pelos homens que nos olham
com desejo muito antes de largarmos as brincadeiras de rua e o medo do escuro.
E assim crescemos nessa sociedade que nos obriga a nos acostumarmos. Somos levadas
a nos acostumar com o constrangimento ao passar pela rua e ouvir obscenidades,
com os xingamentos, com a invasão de espaço, com a falta de respeito, a falta
de cuidado e, principalmente, com a falta de tato.
Não vou falar aqui sobre mídia,
publicidade e todas as agressões diretas e majoritárias das quais o machismo é
detentor. Quero tratar das violações sutis, aquelas que, na maioria das vezes,
somos impelidas a não ver, não ouvir e, principalmente, a crer não existir.
Que fique claro, a violação
acontece quando EU sinto o meu espaço sendo invadido e desrespeitado, a
violação acontece quando eu sou obrigada a acreditar que o comportamento
abusivo das pessoas que me cercam é normal, a violação acontece quando eu sou
instruída a acreditar que as minhas escolhas me levaram ao abuso, a violação
acontece quando em detrimento do meu prazer, eu sou acuada, humilhada mesmo que
indiretamente, o que para mim tem o mesmo efeito de foice cortando a garganta.
Essa pra mim é a pior das opressões.
“Mas você sabia que era assim”,
“Você não foi obrigada”, “Você quis”, “Você bebeu demais”, “Você procurou”, são
só algumas afirmações que latejam nos ouvidos de quem se sente violentada nas
mais variadas situações.
O pior de tudo é ver homens e
mulheres de cunho político e intelectual, que levantam as mais diversas
bandeiras sociais, entre elas a igualdade e a luta contra o machismo,
reproduzirem esse discurso.
O meu livre direito de escolha
não deve servir de pano de fundo para cobrir a falta de respeito e de caráter
que ronda os setores conservadores da sociedade. O meu sentimento de violação
não pode ser tapado com a peneira do livre arbítrio. É cruel e avassalador
quando isso acontece.
Por isso, espero que todas as
pessoas, de todas as classes políticas, intelectuais, sociais e
interplanetárias, entendam: culpabilizar uma mulher que sofreu uma violência é
a pior das baixezas. As mulheres não devem depender da aceitação e validação de
todas as pessoas para ser, pensar, agir e sentir.
Busco ver as outras mulheres como
companheiras de luta, dentro de seus limites e suas nuances. A vida é desenhada
por linhas tênues, o sentido de companheirismo bradado aos quatro cantos por
todos nós que sonhamos com a revolução não deve ser deturpado.
Olhem ao redor e percebam de uma
vez por todas que a agressão não é só física e a ameaça não é só direta.
Existem marcas que, infelizmente, lei nenhuma consegue apagar.
Autora
Maura Silva é jornalista,
trabalha no setor de comunicação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), é também militante do Movimento Palestina para Tod@s (Mopat)
Fonte: Blogueiras Feministas
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