Kajol foi vendida a um bordel
pela família do marido
Kajol não se lembra sequer
quantos anos tem, mas o que não esquece é o dia em que a família do marido a
vendeu e foi parar a um bordel. Asma nasceu e cresceu num bordel, onde em
criança já dançava para os clientes. Com 14 anos começou a sua atividade de trabalhadora
sexual. Meghla tinha 12 anos quando um homem lhe prometeu um trabalho bem pago,
longe da sua aldeia.
Tal como Kajol, acabou por ser vendida e obrigada a
trabalhar num bordel. Num país onde a prostituição é legal, as malhas do
tráfico humano arrastam milhares de meninas e mulheres para os bordéis, onde
são obrigadas a trabalhar gratuitamente como prostitutas até conseguirem pagar
o preço que as levará, em alguns casos, ao trabalho remunerado. Um processo que
para estas mulheres demorou entre 2 a 5 anos. Mas entre cenários de profunda
violência familiar e de pobreza extrema, ironicamente, é nessa atividade que
muitas encontram a libertação para vidas de sofrimento. Mesmo que para isso
tenham de perder a sua liberdade pessoal durante alguns anos, a dignidade dos
seus corpos e a oportunidade de constituírem um família dentro dos moldes
aceites pela sociedade do Bangladesh.
Kajol, Meghla e Asma são apenas
três das jovens mulheres retratadas no inquietante e controverso ensaio
fotográfico “Os Desejos dos Outros”, que retrata a vida dentro de um dos mais
famosos e antigos bordéis da Tangail. O sítio chama-se Kandapara, é protegido
por ONG’s e alberga mais de 700 trabalhadoras de sexo, com os seus filhos. Para
muitas destas crianças, este é o cenário onde nascem, crescem e aprendem a
tratar a prostituição por tu. Como algo normal, um simples meio de subsistência
e de fuga à miséria e violência extrema que muitas das suas mães tiveram de
suportar dentro dos seus seios familiares.
A fotógrafa alemã Sandra Hoyn
passou uma temporada dentro de Kandapara e o resultado é uma série de
fotografias e histórias de mulheres marcadas pela dureza da vida. O sexo
forçado, depois das primeiras vezes, tornou-se apenas num pormenor. Dos que não
se esquecem, que doem, mas que se suportam. A verdade é que mesmo tendo sido
traficadas e forçadas à atividade, uma vez trabalhadoras sexuais, nunca mais se
livram do estigma e o regresso à vida dita normal dentro da sua sociedade
torna-se uma miragem. Mesmo quando são vítimas de abuso sexual, são
desacreditadas pela justiça. Em Kandapara encontram compreensão e sentido de
camaradagem das outras mulheres. Uma comunidade de centenas de mulheres com
percursos semelhantes que se aceitam mutuamente.
LEGALIDADE VS TRÁFICO HUMANO
Esta é a realidade de Kandapara,
mas nem sempre é assim. Embora a prostituição apenas seja legal a partir dos 18
anos, são muitas as meninas que começam a trabalhar em bordéis com apenas 12
anos, em ambientes inenarráveis onde são sujeitas a todo o tipo de violência.
Muitas nunca chegam a ser remuneradas e tornam-se escravas vida fora (estima-se
que cerca de 15 mil mulheres e meninas sejam traficadas anualmente para
trabalho forçado fora do país). A legalidade da prostituição torna as inspeções
a estes espaços diminutas e infrutíferas, até porque entre os clientes estão
muitos políticos e polícias. Todos eles querem desfrutar do que lá encontram,
das liberdades com o sexo feminino que fora daquelas quatro paredes lhes é
culturalmente vedado, mesmo que para isso seja preciso fechar os olhos a crimes
como o tráfico humano e o trabalho escravo.
Para esta mulher, o melhor sítio
onde já esteve foi na prisão porque lá ninguém lhe batia. A prostituição foi a
solução que encontrou para ser independente
Em Kandapara, muitos procuram
sexo, mas há também quem – garante Sandra Hoyn – procure apenas companhia para
um chá. Outros procuram amor. Se isto nos pode parecer a nós uma solução óbvia
para a vida de muitas destas mulheres, para elas não é bem assim. As que
recebem propostas de casamento tendem a recusá-las: depois de passado o martírio
inicial do trabalho escravo às mãos das “madames” que gerem este bordel, a
partir do momento em que podem ter voz ativa quanto aos clientes que recebem e
se tornam autónomas economicamente, nunca mais querem deixar de o ser. Não
podemos esquecer que foi precisamente graças à dependência financeira de
outrora que grande parte destas mulheres ali foram parar. A sociedade
fortemente patriarcal a isso incita, com as ‘mulheres de família’ eternamente
afastadas do mercado de trabalho e da independência financeira. Se o preço a
pagar por essa independência é o corpo, que assim seja. Por mais atroz que
possa ser, é o único caminho para a liberdade que muitas encontraram num país
onde uma mulher ainda pode ser vendida como um saca de batatas.
Fonte: http://expresso.sapo.pt/
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