Alunas denunciam assédio na Faculdade de Economia da USP em Ribeirão Preto, SP (Foto: Reprodução/Facebook)
Página na internet tem
depoimentos sobre atitudes consideradas machistas. Ação é tentativa para mudar comportamento
preconceituoso, diz professora.
"Quando o patrão casa com a
empregada o PIB diminui". A piada que soa como ofensa nos ouvidos mais
sensíveis ao machismo foi contada pela primeira vez para a economista Roseli da
Silva quando ela ainda cursava a graduação, nos anos 1990. Mas ainda hoje a
"gracinha" é ouvida por alunos e alunas da professora de finanças da
Universidade de São Paulo (USP).
"É uma piadinha básica de
contas nacionais, quando a gente vai aprender a medir o PIB e a gente entende
que a empregada é paga, então passa pelo mercado formal, mas quando ela casa
com o patrão passa a fazer tudo aquilo que fazia antes, só que fora do mercado",
comenta Roseli. "Ouvi logo no primeiro semestre e sei que continua sendo
reproduzida".
O comentário é uma das atitudes
consideradas machistas dentro das salas de aula e que começaram a ser
questionados por alunas da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP
em Ribeirão Preto (SP). Entre os relatos, há denúncias de assédio envolvendo
alguns professores da instituição.
Há um mês no ar, a página
"Juntas Resistimos na FEA-RP" acumula 1,3 mil seguidores e espalha
pelas redes sociais a hashtag "meu professor feano", com denúncias
anônimas contra os docentes.
Ao G1, a direção da faculdade
informou que não recebeu nenhuma denúncia formal de assédio ou reclamação de
machismo, mas afirmou que apoia iniciativas que suscitem o debate e a
conscientização.
Karina, Roseli e Amanda, da
Faculdade de Economia e Administração da USP (Foto: Felipe Turioni/G1)
Denúncias
"Meu professor Feano marcou
uma reunião comigo na sala dele para falarmos sobre meu trabalho. Lá, aproximou
bastante sua cadeira da minha para que ambos pudéssemos ler o texto sobre a
mesa. Dada essa proximidade, ele decidiu apoiar a mão na parte interna da minha
coxa, bem acima do joelho", diz um dos relatos postado na página.
"São alunas dizendo que não
podem ir à sala do orientador, que têm que inventar desculpas para pai, mãe,
para não serem assediadas, isso é muito triste. Como essa aluna vai passar dois
anos sendo orientada por um professor de quem tem medo?", questiona a
estudante Amanda Goinski, uma das 12 alunas que criaram a página no Facebook.
Postagens em rede social
denunciam assédio e machismo de professores na USP de Ribeirão Preto, SP (Foto:
Reprodução/Facebook)
Os relatos são deixados por
alunas que se sentiram ofendidas por professores e que se consideram vítimas de
machismo e assédio. Em uma das postagens, uma estudante afirma que foi
intimidada para que terminasse com mais rapidez uma prova.
Segundo a aluna, a pressão que
ela sofreu não foi feita a outros dois alunos homens que também continuavam na
sala. "O docente continuou seus insultos frisando quão fracas eram as
mulheres", escreveu a estudante, que não se identificou.
"Eles [professores] acabam
falando coisas machistas, homofóbicas, têm comportamentos até racistas em
relação aos alunos ou até mesmo discriminação por questões físicas,
humilhações", diz a estudante de economia empresarial Karina Miwa Konno.
Postagens em rede social
denunciam assédio e machismo de professores na USP de Ribeirão Preto, SP (Foto:
Reprodução/Facebook)
Igualdade de gênero
Além de denunciar o machismo e
casos de assédio envolvendo os professores, as alunas querem também levantar
discussões sobre representatividade e questões de gênero. "Na USP esse
assunto foi árido por muitos anos e nos precisávamos falar sobre isso",
afirma Karina.
"A questão de igualdade de
gênero não é só uma questão feminina, é uma questão na qual os homens têm que
participar, porque é uma questão de representação, tem a ver com dificuldade
histórica, de falta de legitimidade. A gente não está falando de movimentos
feministas, a gente fala de direitos iguais", completa.
Para a professora Roseli, as
discussões abertas com a exposição nas redes sociais servem para iniciar uma
mudança de comportamento. "Temos uma estrutura social que atribui papéis a
homens e mulheres que já dividem encargos familiares de forma completamente
desigual, então vejo isso como um problema que está muitos passos antes",
diz.
Alunas falam de assédio na
Faculdade de Economia da USP em Ribeirão (Foto: Reprodução/Facebook)
Segundo as organizadoras da
página, a função do canal aberto no Facebook é, além de levantar a discussão,
tentar mudar algumas atitudes. "Depois da página fui abordada por alguns
professores dizendo que falou sobre o que estava acontecendo com a mulher, a
filha, que começou a prestar atenção nisso", explica Amanda.
As denúncias são deixadas pelas
estudantes em formulários na página e a intenção é que elas também recebam
apoio jurídico, quando solicitado. "Queremos dar suporte às mulheres que
queiram levar isso para esfera criminal, porque têm alguns casos que são
necessários ser levados para fora, para um questão civil".
Além disso, a página pretende
ampliar a discussão com a própria universidade, que mantém canais para
denúncias, mas é considerada "omissa" pelas estudantes. "A USP
sempre foi bastante omissa em relação à condução de sindicâncias e processos
associados à violência de gênero e o grande problema é como eles são
conduzidos, muitos ficam pelo caminho", avalia Roseli.
FEA reúne alunos dos cursos de
economia, administração e contabilidade da USP Ribeirão (Foto: Marcos Santos /
Divulgação USP)
USP
A Faculdade de Economia e
Administração (FEA) da USP Ribeirão informou ao G1 que não recebeu nenhuma
denúncia formal de assédio, mas afirmou que iniciativas como esta são
bem-vindas.
"A Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) apoia todas as
iniciativas que suscitem o debate e a conscientização e acredita que a mulher
deve ser respeitada em sua integralidade", diz a nota.
Segundo a faculdade, denúncias
podem ser feitas a um escritório especializado no assunto dentro da universidade.
"Além da Diretoria da FEA-RP, as alunas podem contar também com o apoio do
Escritório USP Mulheres, criado para implantar programas que balizem valores
igualitários."
Questionada sobre as críticas em
relação à omissão, a assessoria de imprensa da reitoria da Universidade de São
Paulo informou que é "necessário que as vítimas conheçam e confiem nos
meios institucionais da universidade, postos à sua disposição para o
acolhimento, orientação jurídica e encaminhamento para a área médica".
Ainda em nota, a USP informou que
para que sejam tomadas as medidas internas cabíveis (sindicância e processo
disciplinar), a vítima ou representante deve formalizar a ocorrência.
Fonte: G1 Globo
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