Mulher que denunciou garçom por
gravá-la no banheiro de um bar do Rio. M. M.
Com uma flor vermelha na orelha e
o cabelo loiro e solto, Beatriz* terminava de se arrumar no banheiro do bar
Tipicamente, na zona sul carioca. Colocou o batom, ensaiou alguns penteados,
esticou o casaco e, quase sem querer enxergou através do espelho uma mão que
entrava por uma fresta no alto da porta e segurava um celular. Estava sendo
gravada. “É a violação da coisa mais básica, que é ir no banheiro de um bar e
você é totalmente invadida”, lamenta a mulher de 35 anos.
Sua primeira reação, instintiva e
nervosa, foi pegar o aparelho ainda gravando. Segurou o celular com força entre
as mãos e ficou paralisada. “Foi aí que senti medo, sabia que atrás da porta ia
estar o dono do celular. Uns minutos depois, quando consegui abrir, dei de cara
com um garçom”, relata.
Beatriz correu até a porta do bar
onde mais duas amigas a aguardavam. O garçom foi atrás dela e, primeiro, tentou
arrancar das suas mãos o celular mas, depois, diante a fúria das três mulheres,
pediu para não ligar para a polícia porque tinha mulher e filhos que sustentar.
As jovens ligaram, e exigiram a senha do aparelho para verificar o que tinha
sido gravado. O garçom, de 36 anos e com seu rosto estampado no fundo da tela,
acabou cedendo mas elas não conseguiam achar os arquivos de vídeo. Enquanto
mexiam nervosas no aparelho, os clientes do bar começaram a se manifestar.
“Havia um homem sentado com mais
quatro mulheres que pediu para a gente pensar melhor o que estávamos fazendo,
que íamos destruir a vida de um homem de família”, lembra Beatriz. “O gerente
também apareceu e começou a questionar quantas éramos dentro do banheiro. Minha
amiga o encarou e disse que não importava”. Por último, apareceu uma mulher com
ar condescendente que pediu para elas contarem para ela a verdade e aí
disparou: “Me digam, vocês estavam batendo siririca?”, usando o termo popular
para a masturbação feminina.
“Ninguém nos acolheu, estávamos
sendo culpabilizadas”, lembra Beatriz, que não consegue deixar de fazer um
paralelo com o caso do estupro coletivo da jovem de 16 anos no Rio que chocou o
país no mês passado. “Questionava-se que ela tinha um filho aos 12 anos, que
usava mini saia, que gostava de bailes, parecia fácil julgá-la porque é uma
realidade distante, de comunidade. Mas aqui, no jardim Botânico [ bairro nobre
do Rio], as pessoas com nível superior completo se comportam da mesma forma.
Essa cultura machista está em todas as esferas”, desabafa. “Tudo mundo ficou
numa postura de ‘quem são essas loucas?’. Um por um foram desqualificando a
situação. Se eu estivesse sozinha teria ficado acuada e não teria denunciado”.
Mas aí apareceram os arquivos de
vídeo na tela do celular. O minuto que Beatriz usou para se arrumar e o ritual
inteiro da sua amiga, que tinha entrado antes que ela, com suas nádegas em
primeiro plano. Chegou a polícia, um grupo de jovens as aconselhou a ficarem
tranquilas e não se deixar levar pela emoção para “não perder a razão”, e todos
foram para a delegacia.
“Fomos bem tratadas, mas
queríamos ser atendidas por uma mulher, pois minha amiga estava apreensiva
porque apareciam suas partes íntimas nas imagens. Não havia. Um sábado à noite
na delegacia do Baixo Gávea [movimentada região da Zona Sul] não havia nem
delegado, nem mulher”, reclama Beatriz. O voyeurismo do garçom está contemplado
no artigo 61 da Lei das Contravenções Penais como importunação ofensiva ao
pudor e castiga-se com uma multa, pois é considerado contravenção e não crime.
É possível que em outro momento
Beatriz não tivesse reunido a força de encarar o tarado, denunciar, investir
quatro horas na delegacia, e falar com uma manada de jornalistas, mas acredita
que, levantada a luta das mulheres contra o machismo e a cultura do estupro no
Brasil, devia optar pelo caminho difícil. “Para mim era mais fácil deletar os
vídeos e ir embora. Mas passo por tudo isso porque as pessoas não podem achar
que isso é normal. Que não é normal que, depois disso, eu me preocupe em fazer
xixi duas vezes no trabalho para evitar ter que fazer na rua, que não é normal
que não haja mulher na delegacia, que não é normal a reação das pessoas”.
Aos jornais do Rio, o gerente do
bar afirmou que o garçom não integra a equipe de funcionários do
estabelecimento e apenas foi chamado para esse final de semana.
*O nome da vítima foi trocado a pedido dela
Fonte: El Pais
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